quinta-feira, 16 de abril de 2009

TRATADO - [ texto integral ]

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Capítulo I
- Necessidade da devoção à Santíssima Virgem



TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM

Primeira Parte (do Tratado) – [b]A Devoção à Santíssima Virgem é necessária[/b]

Capítulo Primeiro – Esta Devoção é-nos necessária por causa da sublime grandeza que Deus deu a Maria.

[b]INTRODUÇÃO[/b]

1 – Foi pela Santíssima Virgem que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo.
2 – Durante a vida, Maria permaneceu muito oculta. É por isso que o Espírito Santo e a Igreja lhe chamam ALMA MATER, Mãe escondida e secreta. A sua humildade foi tão profunda, que não teve na terra atrativo mais poderoso nem mais poderoso nem mais contínuo que o de se esconder a si mesma e a toda a criatura, para que só Deus a conhecesse.
3 – A fim de atender aos pedidos que Ela lhe fez, para que a ocultasse, empobrecesse e humilhasse, aprouve a Deus, oculta-la na sua conceição e nascimento, na sua vida, mistérios, ressurreição e assunção, aos olhos de quase toda criatura humana. Seus próprios pais não a conheciam, e os anjos perguntavam muitas vezes entre si: “Quae est ista? Quem é esta?,” porque o Altíssimo lha escondia ou, se alguma coisa lhes revelava a seu respeito, infinitamente mais lhes ocultava.
4 – Deus Pai consentiu em que Ela não fizesse milagres em vida, pelo menos manifestos, embora lhe tivesse dado poder para isso. Deus Filho permitiu que quase não falasse, embora tendo-lhe comunicado a sua sabedoria. Deus Espírito deixou que os seus Apóstolos e Evangelistas falassem muito pouco sobre Ela, apenas o necessário para dar a conhecer Jesus cristo, apesar de Ela ser a sua esposa fiel.
5 – Maria é a obra-pima por excelência do Altíssimo, cuja posse e conhecimento Ele reservou para si (S. bernardino de Sena: Sermo 51, art.1, cap.1). ”Maria é a Mãe admirável do Filho o qual quis humilhá-la e esconde-la durante a vida para favorecer a sua humildade. Par este fim tratava-a pelo nome de “mulher”(João 2,4 e 19,26), como a uma estranha, embora no seu coração a estimasse mais do que a todos os anjos e a todos os homens. Maria é a Fonte Selada (Cfr. Cântico 4,12) e a esposa do Espírito Santo, onde só Ele tem entrada. Maria é o santuário e o repouso da Santíssima Trindade, onde Deus está mais magnífica e divinamente que em qualquer outro lugar do universo, sem executar a sua morada acima dos querubins e serafins. Neste santuário nenhuma criatura, por mais pura que seja, pode entrar a não ser por grande privilégio.
6 – Digo com os santos: a divina Maria (Comentário: “a divina Maria” é uma tradução literal duma expressão francesa que significa: Maria Santíssima) é o paraíso terrestre do novo Adão, onde Ele encarnou por obra do Espírito Santo, para aí operar maravilhas incompreensíveis. É o grande, o divino mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis. É a magnificência do Altíssimo,onde ele escondeu, como em seu seio, o seu Filho único e nele tudo o que há de mais excelente e precioso. Que grandes e misteriosas coisas fez o Deus onipotente nesta admirável criatura, segundo Ela própria é forçada a dizer, a respeito da sua profunda humildade: “Fecit mihi magna qui potens est – O Poderoso fez em mim grandes coisas!”(Lucas 1,49). O mundo não conhece estas maravilhas, porque é incapaz e indigno disso.
7 – Os santos disseram coisas admiráveis desta santa cidade de Deus. E, segundo o seu próprio testemunho, nuca foram tão eloqüentes nem tão felizes como quando nela falavam. E depois disto exclamam que a sublimidade dos seus méritos, que chegam até ao trono da Divindade, não se pode perceber; que a extensão da sua caridade, maior que a terra, não se pode medir; que a grandeza do seu poder, que até sobre Deus se estende (Veja os nº 27 e 37), não se pode compreender e, finalmente, que a profundeza da sua humildade e de todas as suas virtudes e graças é um abismo insondável. Ó sublimidade incomensurável! Ó abismo impenetrável.
8 – Todos os dias, de um extremo a outro da terra, no mais alto dos céus, no mais profundo dos abismos, tudo proclama e publica a admirável Virgem Maria. Os nove coros dos anjos, os homens de ambos os sexos, idades, condições ou religiões, os bons e os maus, e até mesmo os demônios, são forçados a chamá-la bem aventurada. Quer queiram, quer não, a isso os obriga a forçada verdade. Como diz São Boaventura, todos os anjos lhe cantam no céu incessantemente: “Sancta, sancta, sancta Maria, Dei Genitrix et Virgo – Santa, santa, santa Maria, Mãe de Deus e Virgem”(S. Boaventura: Psalter majus B. V., Hymn. Intar Hymni Ambrosiani). E, todos os dias, lhe oferecem milhões e milhões de vezes a saudação angélica: “Ave, Maria etc.”, prostando-se na sua presença e pedindo-lhe a mercê de os honrar com algumas das suas ordens. O próprio São Miguel, embora seja o príncipe de toda a corte celeste, é o mais diligente em lhe prestar toda espécie de homenagens e em fazer com que lhas tributem. Constantemente aguarda a honra de por Ela ser mandado em auxílio a alguns dos seus servos.
9 – Toda a terra está cheia da sua glória, particularmente entre os cristãos, que a tomam por tutelar e protetora em muitos reinos, províncias, dioceses e cidades. Quantas catedrais consagradas a Deus sob a sua invocação! Não há igreja sem um altar em sua honra, religião ou nação sem alguma de suas miraculosas imagens, ante as quais toda espécie de males são curados e se alcança toda espécie de bens. Quantas confrarias e congregações em sua honra! Quantos institutos religiosos colocados sob o seu nome e proteção! Quantos confrades e irmãs daquelas confrarias, quantos religiosos e religiosas de todos estes institutos publicam os seus louvores e anunciam as suas misericórdias! Não há criancinha que, balbuciando a Ave Maria, a não louve. Não há pecador, por mais empedernido, que não tenha, ao menos, uma centelha de confiança nela. Não há até demônio algum no inferno que, temendo-a, a não respeite.
10 – Depois disto, forçoso é dizer com os santos: “De Maria numquam satis…”, isto é, Maria não foi ainda suficientemente louvada e exaltada, honrada, amada e servida. Merece ainda muito maior louvor, respeito, amor e serviço.
11 – Por isso, devemos dizer com o Espírito Santo: “Omnis gloria ejus filiae Regis ab intus – Toda a glória da Filha do Rei lhe vem do interior”(Sl.44,14). E como se toda a glória exterior que o céu e aterra lhe tributam à porfia, não fosse nada em comparação com a que recebe interiormente do Criador! As pequenas criaturas desconhecem essa glória por não poderem penetrar no mais íntimo segredo do Rei.
12 – Depois de tudo isto, temos de exclamar com o Apóstolo:”Nec oculus vidit, nec auris audivit, nec in cor hominis ascendit (1 Cor. 2,9). – Nem os olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem o coração do homem compreendeu as belezas, as gtrandezas e a excelência de Maria, o mais sublime milagre da graça, da natureza e da gloria. Se quereis compreender a Mãe, diz um santo (S. Euquério), procurai compreender o Filho. Ela é digna de Mãe de Deus: “Hic teceat omnis língua. – Que toda a língua aqui emudeça.”
13 – Foi o meu coração que ditou o que acabo de escrever com particular alegria, a fim de mostrar como Maria Santíssima tem sido insuficientemente conhecida até agora e como è esta uma das razões por que Jesus Cristo não é conhecido como deve ser. Se é certo que o conhecimento e o reino de Jesus Cristo se estabelecerá no mundo, não será mais que uma conseqüência necessária do conhecimento do Reino da Santíssima Virgem Maria. Ela deu Jesus Cristo ao mundo a primeira vez, e há de faze-lo resplandecer também segunda vez.

ARTIGO PRIMEIRO
SOBRE A GRANDEZA DE NOSSA SENHORA
14 – Com toda a Igreja confesso que Maria, não sendo mais que uma simples criatura saída das mãos do Altíssimo, é menor que um átono, ou antes, não é nada em comparação com a sua Majestade infinita, visto que só Deus é “aquele que é”(Ex. 3,14). Por conseguinte, este grande Senhor, sempre independente e bastando-se a si mesmo, não teve nem tem absoluta necessidade da Santíssima Virgem para o cumprimento dos seus desígnios e para a manifestação da sua glória. Basta lhe querer para tudo fazer.
15 – No entanto, supostas as coisas como são, tendo Deus querido começar e acabar as suas maiores obras pela Virgem santíssima depois de a formar, digo que é de crer que não mudará de procedimento em todos os séculos. Ele é Deus e não muda nem nos seus sentimentos nem na sua conduta.
16 – Deus Pai não deu ao mundo o seu Unigênito senão por Maria. Por mais ardentes que fossem os suspiros dos patriarcas e as súplicas que durante quatro mil anos lhe fizeram os profetas e os santos da Antiga Lei para obterem esse tesouro, só Maria o mereceu. Só Ela encontrou graça diante de Deus pela força das suas orações e pela grandeza das suas virtudes. Diz Santo Agostinho que, não sendo o mundo digno de receber o Filho de Deus diretamente das mãos do Pai, este o deu a Maria, para que os homens o recebessem por Ela. O Filho de Deus fez-se homem para nos salvar, mas foi em Maria e por Maria. Deus Espírito Santo formou Jesus Cristo em Maria, mas só depois de lhe ter pedido o consentimento por um dos primeiros ministros da sua corte.
17 – Seus pai, para dar a Maria o poder de produzir o seu Filho e todos os membros do seu Corpo Místico, comunicou-lhe a sua fecundidade, na medida em que uma simples criatura a podia receber.
18 – Como o novo Adão ao seu paraíso terrestre, assim desceu Deus Filho ao seio virginal de Maria para aí achar as suas delícias e operar, às escondidas, maravilhas de graça. O Deus feito homem encontrou a sua liberdade em se ver aprisionado no seio dela; fez brilhar a sua força, deixando-se levar por essa jovem virgem. Achou a sua glória e a de seu Pai, escondendo os seus esplendores a todas as criaturas da terra, para só os revelar a Maria; glorificou a sua independência e majestade, dependendo desta amável virgem na sua concepção, nascimento, apresentação no templo, na sua vida oculta de trinta anos e, até, na sua morte. Maria devia assistir a essa morte, porque Jesus quis oferecer com ela um mesmo sacrifício e ser imolado à vontade de Deus pelo consentimento de Abraão. Foi Ela que o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós… Ó admirável e incompreensível dependência de um Deus! Nem o Espírito Santo a pôde ocultar no Evangelho para nos mostra o seu valor e glória infinita, embora tenha escondido quase todas as maravilhas operadas pela Sabedoria encarnada durante a sua vida oculta. Jesus Cristo deu mais glória a Deus Pai pela sua submissão a Maria durante trinta anos do que lhe teria dado se convertesse toda a terra operando os maiores prodígios. Oh! Quão altamente glorificamos a Deus, quando nos submetemos, para lhe agradar, à Virgem Santíssima, a exemplo de Jesus Cristo, nosso único modelo!
19 – Se examinarmos de perto o resto da vida de Jesus, veremos que Ele quis iniciar os seus milagres por Maria. Santificou São João no seio de sua mãe, Santa Isabel, pela palavra de Maria. Logo que Ela falou, João ficou santificado; e este foi o primeiro milagre de Jesus na ordem da graça. Nas bodas de Caná, Jesus mudou a água em vinho, atendendo ao humilde pedido de sua Mãe; e este foi o seu primeiro milagre na ordem natural. Começou e continuou os seus milagres por Maria; por Ela os continuará até ao fim dos séculos.
20 – Sendo o Espírito Santo estéril em Deus, isto é, não produzindo nenhuma outra Pessoa divina, tornou-se fecundo por Maria, a quem desposou. Foi com Ela e nela e dela que formou a sua obra prima: um Deus feito homem, e que forma todos os dias até ao fim dos séculos, os predestinados e os membros do corpo que tem por cabeça o adorável Jesus. É por isso que, quando mais numa alma Ele encontra Maria, sua amada e inseparável esposa, tanto mais operante e poderoso se torna para produzir Jesus Cristo nessa alma e essa alma em Jesus Cristo.
21 – Não se quer dizer com isto que a Santíssima Virgem dê ao Espírito Santo a fecundidade, como se Ele a não tivesse. Ele é Deus e, por isso, possui a fecundidade (ou a capacidade de produzir) tal como o Pai e o Filho, embora a não transforme em ato, produzindo outra pessoa divina. O que se quer dizer é que o Espírito Santo reduz a ato a sua fecundidade por intermédio da Santíssima Virgem. Mas o Espírito Santo quer servir-se dela, embora disso não tenha uma necessidade absoluta, para produzir nela e por Ela Jesus Cristo e os seus membros. Mistério de graça, escondido mesmo aos cristãos mais sábios e mais espirituais!
22 – O procedimento que as três Pessoas da Santíssima Trindade tiveram na Encarnação e primeira vinda de Jesus Cristo, têm-no ainda todos os dias, duma maneira invisível, na Santa Igreja, e tê-lo-ão até à consumação dos séculos, na última vinda de Jesus Cristo.
23 – Deus Pai juntou todas as águas, e chamou-lhes mar; juntou todas as suas graças, e chamou-lhes Maria. Este grande Deus tem um tesouro ou celeiro riquíssimo, onde encerrou tudo o que tem de belo, de resplandecente, de raro e precioso, incluindo o seu próprio Filho. E este tesouro imenso não é outro a não ser Maria, a quem os santos chamam o tesouro do senhor, de cuja plenitude os homens são enriquecidos.
24 – Deus Filho comunicou a sua Mãe tudo o que adquiriu pela sua vida e morte, os seus méritos infinitos e as suas admiráveis virtudes. Fê-la tesoureira de tudo o que o Pai lhe deu como herança. E assim é por meio de Maria que aplica os seus méritos aos seus membros, que comunica as suas virtudes e distribui as suas graças. Ela é o seu canal misterioso, o seu aqueduto, Poe onde faz passar, suave e abundantemente, as suas misericórdias.
25 – Deus Espírito Santo comunicou a Maria, sua fiel esposa, os seus dons inefáveis, e escolheu-a para dispensadora de tudo quanto possui. Deste modo, Ela distribui a quem quer, quanto quer, como e quando quer todos os seus dons e graças, e nenhum dom celeste é concedido aos homens sem que passe por suas mãos virginais. Porque tal é a vontade de Deus, que quis que tudo recebamos por Maria. Desta forma é enriquecida, elevada e honrada pelo Altíssimo, Aquela que durante toda a vida se fez pobre, se humilhou e escondeu até ao mais profundo nada, em sua extrema humildade. São estes os sentimentos da Igreja e dos santos Padres (Ver também os nºs 141-142).
26 – Se eu falasse para os espíritos fortes da nossa época, estender-me-ia a provar mais vastamente tudo o que estou a expor dum modo simples, por meio da Sagrada Escritura, dos Santos Padres – de quem citaria as passagens latinas -, e por meio de muitas sólidas razões que se poderão ler, amplamente expostas pelo Rvº Padre Poiré, na sua “Tríplice Coroa da Santíssima Virgem”. Mas falo particularmente para os pobres e simples que, tendo maior boa vontade e mais fé que o comum dos sábios, crêem mais simplesmente e com mais mérito. Por isso contento-me com declarar-lhes simplesmente a verdade, sem me deter com a citação de todas essas passagens latinas, que não compreendem, Não deixarei, no entanto, de citar algumas sem todavia me esforçar por procura-las. Continuemos.
27 – Visto que a graça aperfeiçoa a natureza e a glória aperfeiçoa a graça, é certo que nosso senhor, no céu, é ainda tão filho de Maria como o foi na terra. Conservou, portanto, a submissão e a obediência do mais perfeito de todos os filhos para com Maria, a melhor das mães. Cuidemos, porém, de não ver nesta dependência rebaixamento algum de Jesus Cristo ou alguma imperfeição. Maria, estando infinitamente abaixo de seu Filho, que é Deus, não se lhe impõe como uma mãe da terra o faz a seu filho, que lhe é inferior. Maria está toda transformada em Deus pela graça e pela glória, a qual transforma nele todos os santos. Por isso não pede, não quer, não faz nada que seja contrário à eterna e imutável vontade de Deus. Quando, pois, se lê nos escritos de São Bernardo, São Bernardino, São Boaventura etc., que no céu e na terra tudo está sujeito a Maria, até o próprio Deus, deve apenas entender-se que a autoridade que Deus lhe quis conceder é tão grande, que parece igual o poder divino, e que as suas orações e súplicas são tão poderosas junto de Deus, que equivalem sempre a ordens junto da sua majestade. Ele não resiste nunca à oração de sua dileta Mãe, porque é sempre humilde e conforme à sua vontade… Moisés deteve tão poderosamente a cólera de Deus contra os Israelitas pela força da sua oração, que este altíssimo e infinitamente misericordioso Senhor não lhe podendo resistir, lhe pediu que o deixasse encolerizar e castigar aquele povo rebelde. O que então não devemos pensar, com muito mais razão, da humilde oração de Maria, mais poderosa junto de Deus que as preces e as intercessões de todos os anjos e santos do céu e da terra?!
28 – No céu, Maria impera aos anjos e aos bem-aventurados. Como recompensa da sua profunda humildade, deu-lhe Deus o poder e o encargo de encher de santos os tronos debaixos vazios pela orgulhosa queda dos anjos apóstatas. É vontade do Altíssimo, que exalta os humildes, que o céu, a terra, condutora dos seus exércitos, guarda dos seus tesouros, dispensadoras das suas graças, obreira das suas grandes maravilhas, reparadoras do gênero humano, medianeira dos homens, vencedora dos inimigos de Deus e fiel companheira de suas grandezas e triunfos.
29 – Deus Pai quer formar filhos por Maria, até à consumação do mundo, e diz-lhe estas palavras: “In Jacob inhabita – Habita em Jacó” Isto quer dizer: fase a tua morada e habitação entre os meus filhos e predestinados, figurados por Jacó, e não entre os filhos do demônio e os réprobos, figurados por Esaú.
30 – Como na geração natural e corporal há um pai e uma mãe, assim também na geração sobrenatural e espiritual há um pai, que é Deus, e uma mãe, que é Maria. Todos os verdadeiros filhos de Deus e predestinados têm a Deus por pai e a Maria por mãe; e quem a não tem por mãe, não tem Deus por pai. Eis porque os réprobos, como os heréticos, os cismáticos, etc., que odeiam ou olham com desprezo ou com indiferença a Santíssima Virgem, não tem Deus por pai, ainda que disto se gloriem, porque não têm Maria por mãe. Pois se a tivessem por mãe, honrá-la-iam e amá-la-iam como um verdadeiro e bom filho ama e honra naturalmente sua mãe, que lhe deu a vida. O sinal mais infalível e indubitável para distinguir um herético, um homem de má doutrina, um réprobo de um predestinado, é que o herético e o réprobo não têm senão desprezo ou indiferença pela Santíssima Virgem. Com suas palavras e exemplos, abertamente ou às ocultas, esforçam-se por lhe diminuir o culto e o amor, e isso por vezes sob belos pretextos. Ah! Deus Pai não disse a Maria para habitar com eles, porque são Esaús.
31 – Deus Filho quer ser formado e, por assim dizer, encarnar todos os dias por intermédio de sua muito amada Mãe, nos seus membros, e diz-lhe: “In Israel hereditare – recebei Israel por herança.” É como se dissesse: Meu Pai deu-me por herança todas as nações da terra, todos os homens, bons e maus, predestinados e réprobos. Conduzirei uns com vara de ouro e outros com vara de ferro. Serei pai e advogado de uns, justo vingador de outros e juiz de todos. Mas Vós, minha Mãe, não tereis por herança e posse senão os predestinados, de quem Israel é figura. Como sua boa mãe os dareis à luz, os alimentareis e educareis; como sua soberana os conduzireis, governareis e defendereis.
32 – “Homo et homo natus est in ea – Um homem e um homem nasceu dela”, diz o Espírito Santo. Segundo a explicação de alguns santos Padres, o primeiro homem que nasceu de Maria foi o Homem-Deus, Jesus Cristo; o segundo são os homens, filhos de Deus e de Maria por doação. Se Jesus Cristo, cabeça dos homens, nasceu dela, todos os predestinado, membros desta cabeça, também dela devem nascer, por uma conseqüência necessária. A mesma mãe não pode dar à luz a cabeça ou o chefe sem os membros, nem os membros sem a cabeça: do contrário, seria uma monstruosidade da natureza. Do mesmo modo, na ordem da graça, a cabeça e os membros nascem também duma só mãe. Se um membro do corpo místico de Jesus Cristo, quer dizer, predestinado, nascesse de outra mãe que não Maria, que gerou a Cabeça, não seria um predestinados nem um membro de Jesus Cristo, mas sim um monstro na ordem da graça.
33 – Além disso, Jesus Cristo é hoje, como aliás sempre, o fruto de Maria, com o céu e a terra lho repetem mil e mil vezes por dia:”… e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.” Por isso é certo que Jesus Cristo é tão realmente o fruto e a obra de Maria para cada homem em particular, que o possui, como para todo o mundo em geral. De maneira que, se algum fiel tem Jesus Cristo formado no seu coração, pode dizer ousadamente: “Graças a Maria! O que eu possuo é fruto e obra sua, e sem Ela não o teria.” Podem aplicar-se à Santíssima Virgem, com mais verdade ainda do que são Paulo as aplicava a si próprio, estas palavras:’Filhinhos meus, por quem eu sinto de novo as dores do parto, até que Cristo se forme em vós (Gal. 4,19 e Ef. 4,13. Citado em latim por São Montfort.). – Eu dou à luz, cada dia, os filhos de Deus, até que Jesus Cristo, meu Filho, neles seja formado em toda a plenitude da sua idade -. Santo Agostinho, ultrapassando-se a si mesmo e a tudo o que eu acabo de dizer, afirma que os predestinados, para se tornarem conformes à imagem do Filho de Deus, vivem neste mundo são guardados, alimentados, sustentados e criados por esta boa Mãe, até que Ela os gere para a glória depois da morte. Este é propriamente o dia do seu nascimento, como a Igreja chama à morte dos justos. O mistério de graça, escondido aos réprobos e tão pouco conhecido pelos eleitos!
34 – Deus Espírito Santo quer formar nela e por Ela eleitos e diz:”Lança raízes entre os meus escolhidos”.- Ó minha bem-amada e minha esposa, lança as raízes de todas as tuas virtudes nos meus eleitos, a fim de que eles cresçam de virtude em virtude e de graça em graça. Tive tanta complacência em ti, quando vivias na terra, praticando as mais sublimes virtudes, que deixes de estar no céu. Reproduze-te, para isso, nos meus eleitos: que Eu possa ver neles, com agrado, as raízes da tua fé invencível, da tua humildade profunda, da tua mortificação universal, da tua oração sublime e ardente caridade, da tua firme esperança e de todas as tuas virtudes. Tu continuas a ser a minha esposa tão fiel, tão pura e tão fecunda como nunca. Que a tua fé me dê fiéis; dê-me virgens a tua pureza, e a tua fecundidade eleitos e templos.
35 – Depois de Maria lançar as suas raízes numa alma, opera nela maravilha de graça que só Ela pode produzir, pois só Ela é a Virgem fecunda que tem sido e será sempre sem igual em pureza e fecundidade… Maria produz, com o Espírito Santo, a maior maravilha de quantas existiram ou existirão: o Homem-Deus. Produzirá ainda, conseqüentemente as coisas mais admiráveis que hão de existir nos últimos tempos. A formação e educação dos grandes santos, que hão de vir no fim do mundo, estão-lhe reservados, pois só esta Virgem singular e miraculosa pode produzir, em união com o espírito santo, coisas singulares e extraordinárias.
36 – Tendo-a encontrado numa alma, o Espírito Santo, seu Esposo, voa para lá, entra plenamente e comunica-se a essa alma abundantemente e na mesma medida em que Ela dá lugar a Maria. Uma das grandes razões por que o Espírito Santo não opera agora maravilhas retumbantes nas almas é que não encontra nelas uma união bastante íntima com a sua fiel e indissolúvel esposa. Digo indissolúvel esposa porque desde que este amor substancial do Pai e do Filho desposou Maria para produzir Jesus Cristo, Cabeça dos eleitos, e Jesus Cristo nos eleitos, nunca mais a repudiou, porque Ela foi sempre fiel e fecunda.

ARTIGO SEGUNDO
CONSEQUENCIAS PRÁTICAS DA GRANDEZA DE MARIA
37 - Primeira Conseqüência: Maria é Rainha dos Corações. É evidente que, do que fica dito, se deve concluir, primeiro, que Maria recebeu de Deus um grande poder sobre as almas dos eleitos. Ela não pode fazer neles a sua morada, como deus Pai lho ordenou; formá-los, alimenta-los e gerá-los para a vida eterna como sua mãe; recebe-los por sua herança e quinhão; formá-los em Jesus Cristo e a Jesus Cristo neles; lançar nos seus corações a raiz das suas virtudes e ser a companheira inseparável do Espírito Santo nas suas obras da sua graça; não pode, repito, fazer tudo isto senão tiver direito e poder sobre as suas almas. Por singularíssima graça, o Altíssimo, tendo lhe dado o poder sobre os seus filhos adotivos, e isto não somente quanto ao corpo, o que seria pouco, mas também quanto à alma.
38 – Maria é Rainha do céu e da terra por graça, como Jesus Cristo o é por natureza e conquista. Ora, assim como o reino de Jesus Cristo consiste principalmente no coração ou interior do homem, segundo estas palavras: ”O reino de Deus está dentro de vós”, assim também o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem isto é, na sua alma. É sobretudo nas almas que Ela é mais glorificada com seu Filho do que em todas as criaturas visíveis, e podemos chamá-las, com os santos, Rainha dos Corações.
39 – Segunda Conseqüência: Maria é necessária aos homens para a salvação. A Santíssima Virgem é necessária a Deus, duma necessidade que se chama hipotética por depender da sua vontade. Por conseguinte, devemos concluir, em segundo lugar, que Ela é muito mais necessária aos homens para conseguirem chegar ao seu fim último. Não se deve, pois, confundir a devoção à Santíssima Virgem com as devoções aos outros santos, como se não fosse mais necessária, e apenas facultativa.
40 - Baseados na opinião dos Padres da Igreja (entre outros, de Santo Agostinho, Santo Efrém, diácono de Edessa, São Cirilo de Jerusalém, São Germano de Constantinopla São João Damasceno, Santo Anselmo, São Bernardo, São Bernardino, São Tomás e São Boaventura), o douto e piedoso Suarez, da Companhia de Jesus, o sábio e devoto Justo Lípsio, doutor de Lovaina, e vários outros provaram, de maneira incontestável, que a devoção à Santíssima Virgem é necessária para a salvação. Provaram ainda que é sinal infalível de reprovação – segundo o sentir do próprio Ecolampádio e de alguns outros heréticos -, a falta de estima e amor à Santíssima Virgem, e que, pelo contrário, é sinal certo de predestinação ser-lhe inteira e verdadeiramente dedicado ou devoto.
41 – Provam-no as figuras e palavras do Antigo e Novo Testamento, confirmam-no os sentimentos e exemplos dos santos, ensina-o e demonstra-o a razão e a experiência. O próprio demônio e os seus sequazes, instalados pela força da verdade, foram muitas vezes obrigados a confessá-lo, mau grado seu. De todas as passagens dos Santos Padres e Doutores – de que fiz ampla colheita, para comprovar esta verdade -, apenas cito uma, a fim de não me alongar: ”Tibi devotum esse, est arma quadam salutis quae Deus his dat quos vult salvos fieri – ser teu devoto, ó Virgem Santa, diz São João Damasceno, é uma arma de salvação, que Deus dá aos que quer salvar.”
42 – Poderia referir aqui vários fatos, em confirmação do mesmo assunto, entre outros o que vem narrando nas crônicas de São Francisco. Viu ele, num êxtase uma grande escada que ia ter ao céu, e na extremidade da qual estava a Santíssima Virgem. Foi-lhe dado a entender que é necessário subir por essa escada, para chegar ao céu. Conta-se ainda nas crônicas de São Domingos que, perto de Carcassone, onde o santo pregava o rosário, a alma dum infeliz herético estava possessa de quinze mil demônios. Estes foram obrigados, por ordem da Santíssima Virgem e para confusão deles, a confessar grandes e consoladoras verdades sobre a devoção a Nossa Senhora. Fizeram-no com tanta força e clareza que por pouca devoção que se tenha à Santíssima Virgem, não se pode ler sem lágrimas de alegria esta história autêntica e o panegírico que da mesma devoção o demônio fez, mau grado seu.
43 – Terceira Conseqüência: Maria é ainda mais necessária aos que são chamados a uma perfeição particular. Se, a devoção à Santíssima Virgem é necessária a todos os homens, simplesmente para conseguirem a salvação, o é ainda muito mais àquele que são chamados a uma perfeição particular. Não creio mesmo que alguém possa atingir uma íntima união com Deus e uma perfeita fidelidade ao Espírito Santo, sem uma união muito grande com a Santíssima Virgem e uma grande dependência do seu patrocínio.
44 – Só Maria encontrou graça diante de Deus, sem o auxílio de qualquer outra criatura. Todos os que acharam graça diante de Deus desde então, só por seu intermédio a acharam, e também só por Ela a encontrarão todos os que ainda hão de vir. Maria estava cheia de graça ao ser saudada pelo arcanjo São Gabriel, e recebeu uma plenitude super abundante de graça quando o Espírito Santo a cobriu com a sua sombra inefável. De tal modo essa dupla plenitude foi aumentando, dia a dia, momento a momento, que a sua alma atingiu um grau imenso e inconcebível de graça. Por isso o Altíssimo fê-la a única dispensadora das suas graças, para enobrecer, elevar e enriquecer a quem lhe aprouver, para fazer entrar no caminho estreito do céu quem quiser, para fazer passar, apesar de tudo, quem quiser pela porta estreita da vida, e para dar a quem entender o trono, o cetro e a coroa de rei. Jesus é, em toda a parte e sempre, o fruto e o filho de Maria; Maria é por toda a verdadeira árvore que dá o fruto de vida, e a verdadeira mãe que o produz..
45 – Só à Maria confiou Deus as chaves dos celeiros do divino amor, e o poder de entrar nos caminhos mais sublimes e mais secretos da perfeição, bem como de neles fazer entrar os outros. Só Maria dá aos miseráveis filhos da infiel Eva a entrada no paraíso terrestre para aí passearem aprazivelmente com Deus, para aí se esconderem dos seus inimigos, para aí comerem o alimento delicioso – já sem temer a morte – o fruto das árvores da vida e da ciência do bem e do mal, e beberem a grandes tragos as celestes águas da bela fonte que aí jorra abundantemente. Ou melhor, visto ser ela própria esse paraíso terrestre, essa terra virgem e abençoada de onde Adão e Eva culpados foram expulsos, só acolhe em si aqueles e aquelas que lhe apraz, para os tornar santos.
46 – Todos os ricos do povo, para me servir da expressão do Espírito Santo, segundo a explicação de São Bernardo, todos os ricos do povo suplicarão a vossa face pelos séculos afora e especialmente no fim do mundo. Isto é, os maiores santos, as almas mais ricas em graça e em virtudes serão as mais assíduas em orar à Santíssima Virgem e em a ter sempre presente, como o perfeito modelo que desejam imitar e o poderoso auxílio que as pode socorrer.
47 – Disse que isto aconteceria especialmente no fim do mundo, em breve. Porque o Altíssimo e a sua santa mãe devem suscitar grandes santos, que ultrapassarão tanto em santidade a maior parte dos outros santos, quanto os cedros do Líbano excedem os arbustozinhos. Assim foi revelado a uma santa alma, cuja vida o Sr. de Renty escreveu.
48 – Essas grandes almas, cheias de graça e de zelo, serão escolhidas para se oporem aos inimigos de Deus, que se agitarão de todos os lados. Serão singularmente devotas da Santíssima Virgem, esclarecidas pela sua luz, alimentadas com seu leite, conduzidas pelo seu espírito, sustentadas pelo seu braço, e guardadas sob a sua proteção, de modo que hão de combater com uma das mãos e edificar com a outra. Com uma combaterão, derrubarão, esmagarão os heréticos com suas heresias, os cismáticos com seus cismas, os idólatras com a sua idolatria e os pecadores com suas impiedades. Com a outra mão edificarão o templo do verdadeiro Salomão e a mítica cidade de Deus, ou seja a Santíssima Virgem, que pelos Santos Padres foi chamada templo de Salomão e Cidade de Deus. Levarão todos, por suas palavras e exemplos, à verdadeira devoção à Nossa Senhora. Isto atrair-lhes-á o ódio de muitos, mas também lhes trará muitas vitórias e muitas glória para Deus só… Isto revelou Deus a São Vicente Ferrer, grande apóstolo do seu tempo, que claramente o indicou numa das suas obras… É o que o Espírito Santo parece ter predito no Salmo 58 por estas palavras: “Et scient quia Deus dominabitur Jacob et famem terrae; convertentur ad vesperam, et famem patientur ut canes, et circuibunt civitatem. – O Senhor reinará em Jacó e em toda a terra; converter-se-ão pela tarde, sofrerão fome como cães e hão de andar à volta da cidade para encontrar de comer”. Esta cidade, à volta da qual os homens andarão no fim do mundo, para se converterem e saciarem a sua fome de justiça, é a Santíssima Virgem, chamada pelo Espírito Santo, cidade de Deus.

Capítulo Segundo – Necessidade duma Devoção mais Perfeita a Nossa Senhora nos Últimos Tempos.
Artigo Primeiro – Deus quer revelar a Grandeza de Maria nos últimos Tempos.
49 – A salvação do mundo começou por Maria, e é por Ela que se deve consumar. Na primeira vinda de Jesus Cristo, Maria não apareceu a fim de que os homens, ainda pouco instruídos e esclarecidos sobre a pessoa de seu Filho, não se afastassem da verdade, apegando-se demasiado, intensa e grosseiramente a Ela. Sendo a Virgem conhecida, é provável que isso tivesse acontecido por causa dos encantos admiráveis que o Altíssimo lhe tinha concedido, mesmo exteriormente. Tanto assim é que São Dionísio Areopagita deixou escrito que, quando a viu, a teria tomado por uma divindade aos seus secretos atrativos e à sua beleza incomparável, se a fé, em que estava bem confirmado, lhe não tivesse garantido o contrário. Mas, na segunda vinda de Jesus Cristo, Maria deve ser conhecida e revelada pelo Espírito Santo. Por Ela fará conhecer, amar e servir Jesus Cristo, uma vez que já não subsistem as razões que o levaram a ocultar, durante a vida, a sua esposa, e a revelá-la só muito pouco, desde a pregação do Santo Evangelho.
50 – Deus quer, portanto, revelar e manifestar Maria, a obra-prima das suas mãos, nesses derradeiros tempos. 1º Porque Ela se escondeu neste mundo, e se colocou mais abaixo que o pó, em sua humildade profunda, tendo obtido de Deus, dos seus Apóstolos e Evangelistas, que não fosse manifestada. 2º Ela é a obra-prima saída das mãos de Deus, tanto na terra pela graça, como no céu pela glória. Por isso, Deus quer por Ela ser louvado e glorificado no mundo pelos homens. 3º Sendo a aurora que precede e descobre o Sol da Justiça, Jesus Cristo, Maria deve ser conhecida e vista, para que Jesus o seja também. 4º Visto ser o caminho por onde Jesus Cristo veio a nós da primeira vez, sê-lo-á ainda quando Ele vier pela segunda, embora de maneira diversa. 5º Como é o meio seguro, a via reta e imaculada para ir a Jesus Cristo e para o encontrar perfeitamente. É por ela que o devem achar as almas chamadas a brilhar em santidade. Aquele que achar Maria, achará a vida, isto é, encontrará Jesus Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida. Mas não a pode achar quem a não procurar; não pode procurá-la quem a não conhecer: pois não se busca nem deseja um objeto desconhecido. É pois necessário que Maria seja conhecida mais do que nunca, para maior conhecimento e glória da Santíssima Trindade. 6º Maria deve brilhar mais do que nunca em misericórdia, em força e em graça, nestes últimos tempos. Em misericórdia, para reconduzir e receber amorosamente os pobres pecadores e extraviados, que se converterão e regressarão à Igreja Católica. Em força, para se opor aos inimigos de Deus, aos idólatras, cismáticos, maometanos, judeus e ímpios endurecidos, que se revoltarão terrivelmente, para seduzir e fazer cair, por meio de promessas e ameaças, todos os que lhes forem contrários. E, finalmente, Ela deve brilhar em graça, para animar e suster os valorosos soldados e fiéis servos de Jesus Cristo, que combaterão pelos seus interesses. 7º Enfim, Maria deve ser terrível para o demônio e seus sequazes, como um exército disposto em linha de batalha, principalmente nestes últimos tempos. A razão disso é que o demônio intensifica todos os dias seus esforços e combates, visto saber bem que tem pouco tempo, e muito menos do que nunca, para perder as almas. Suscitará em breve cruéis perseguições, e armará terríveis emboscadas aos servos fiéis e verdadeiros filhos de Maria, pois lhes são preciosos mais esforços para vencer estes do que os outros.
51 – Estas últimas e cruéis perseguições do demônio aumentarão dia a dia, até vir o reino do Anticristo. É principalmente a estas que se deve aplicar a primeira e célebre predição e maldição de Deus proferida no paraíso terrestre contra a serpente. Vem a propósito explicá-la aqui para glória da Santíssima Virgem, salvação dos seus filhos e confusão do demônio. “Inimicitias ponam inter te et mulierem, et semen tuum et sêmen illius; ipsa conteret caput tuum et tu insidiaberis calcâneo ejus. – Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela; ela te esmagará a cabeça, e tu armarás ciladas ao seu calcanhar”.
52 - Deus nunca estabeleceu e formou senão uma única inimizade, mas esta irreconciliável, devendo ela durar e mesmo aumentar até ao fim. É a inimizade entre Maria, sua digna Mãe e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem, e os filhos e satélites de Lúcifer. Deste modo, o inimigo mais terrível que Deus tenha constituído contra o demônio é Maria, sua santa Mãe. Embora Maria apenas existisse ainda na mente de Deus, Ele deu-lhe até desde o paraíso terrestre, tanto ódio contra este maldito inimigo, tanta diligência em descobrir a malícia desta antiga serpente, tanta força para vencer, aniquilar e esmagar este ímpio orgulhoso, que este a tema, não só mais que a todos os anjos e homens, mas, num certo sentido, mais do que ao próprio Deus. Não é que a ira, o ódio e o poder de Deus não sejam infinitamente superior aos da Santíssima Virgem, visto as perfeições dela serem limitadas. Mas, em primeiro lugar, Satanás, sendo orgulhoso, sofre infinitamente mais sem ser vencido e castigado por uma pequena e humilde serva de Deus, e a humildade desta humilha-o mais que o poder divino. Em segundo lugar, Deus conferiu a Maria um tão grande poder sobre os demônios que temem mais um único dos seus suspiros por alguma alma, que as orações de todos os santos, e uma só das suas ameaças mais que qualquer outro tormento. Isto foram eles obrigados a confessar muitas vezes, mau grado seu, pela boca dos possessos.
53 – O que Lúcifer perdeu por orgulho, ganhou-o Maria pela sua humildade; o que Eva condenou e perdeu pela desobediência, salvou-o Maria obedecendo. Eva, ao obedecer à serpente, perdeu consigo todos os seus filhos e entregou-os ao demônio. Maria tendo sido perfeitamente fiel a Deus, salvou juntamente consigo todos os seus filhos e servos, e consagrou-os à divina Majestade.
54 – Deus pôs não somente uma inimizade, mas inimizades, não apenas entre Maria e o demônio, mas também entre a descendência da Virgem Santa e a de Satanás. Isto quer dizer que Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e escravos do demônio: não se amam nem tem correspondência interior uns com os outros. Os filhos de Belial, os escravos de Satanás, os amigos do mundo (é tudo a mesma coisa), até hoje perseguiram sempre, e perseguirão mais do que nunca, aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, como outrora Caim perseguiu seu irmão Abel, e Esaú perseguiu Jacó, uns e outros figuras dos réprobos e dos predestinados. Mas a humilde Maria alcançará sempre a vitória sobre este orgulhoso. E essa vitória será grande que chegará a esmagar-lhe a cabeça, onde reside o seu orgulho. Ela descobrirá sempre a sua malícia de serpente, e porá a descoberto as suas tramas infernais. Dissipará os seus conselhos, e protegerá, até o fim dos tempos, os seus servos fiéis contra a sua pata cruel. Mas o poder de Maria sobre todos os demônios brilhará particularmente nos últimos tempos, em que Satanás armará ciladas contra o seu calcanhar, ou seja, contra os humildes escravos e pobres filhos, que Ela suscitará para lhe fazer guerra. Eles serão pequenos e pobres na opinião do mundo, humilhados perante todos, calcados e perseguidos como o calcanhar o é em relação aos outros membros do corpo. Mas, em troca, serão ricos da graça de Deus, que Maria lhes distribuirá abundantemente. Serão grandes e de elevada santidade diante de Deus, e superiores a toda criatura pelo seu zelo ardente. Estarão tão fortemente apoiados no socorro divino que esmagarão, com a humildade de seu calcanhar e em união com Maria, a cabeça do demônio e farão triunfar Jesus Cristo.

Artigo Segundo – A Revelação da Grandeza de Maria nos últimos tempos realizar-se-á como preparação ao Reino de Cristo. (COMENTÁRIO: Nestes números (55/59), São Luís Maria dá-nos um esboço de soldados do reino de Deus que percorrem triunfantes o mundo inteiro. O Concílio Vaticano II ensinou-nos que este triunfalismo e militarismo não convém atribuir-se à Igreja ou aos seus representantes. A Igreja deve antes apresentar-se como uma pobre serva da humanidade, revestindo-se assim dos traços de Jesus Cristo que de si mesmo testemunhava: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida para redenção de muitos” (Mt. 20,28)).
55 – Enfim, Deus quer que sua Mãe seja hoje mais conhecida, mais amada a mais honrada do que nunca. Isso acontecerá, sem dúvida, se os predestinados entrarem, com a graça e a luz do Espírito Santo, na prática interior e perfeita que seguidamente lhes descobrirei. Verão então, com tanta claridade quanto a fé lhes permitir, a formosa estrela do mar, e, se obedecerem às suas diretivas, chegarão a bom porto apesar das tempestades e dos piratas. Conhecerão as grandezas desta soberana, e devotar-se-ão tão inteiramente ao seu serviço, como seus súditos e escravos de amor (Veja o comentário antes do número 68). Experimentarão as suas doçuras e bondade maternais (**), e amá-la-ão ternamente, como seus filhos muito queridos (** Comentário: Por várias vezes São Luís Maria torna a falar sobre estas experiências, que podemos classificar de consolações sensíveis. Mas sendo verdadeiro conhecedor da vida espiritual, avisar-nos-á repetidas vezes de que estas consolações só têm valor relativo. Elas servem para nos mostrar que Deus é bom, que o contato com Deus nos torna felizes dum modo indizível. Servem portanto, para despertar em nós um desejo intenso de Deus. Depois de despertado este desejo, Deus costuma como que fingir esconder-se, retirar-se, e deixa que a alma se sinta só e na aridez, fá-la suportar cruzes. São os preciosos momentos em que ela, lembrando-se da felicidade, causada pelo contato com Deus na consolação sensível, começa ansiosamente a procurar um contato mais íntimo com Deus. O Médico das almas aproveita então essa oportunidade e boa disposição para purificar a fé, o amor e a esperança dessa alma, para que Ele a possa receber no amplexo de uma intimidade, cada vez maior. Desse modo, São Luís Maria tem razão explicando ao longo deste livro, que a aridez, a solidão e as cruzes aqui na terra, tem muitas vezes mais valor que as maiores consolações sensíveis, porque nos fornecem oportunidades mais eficazes de crescermos para Deus). Conhecerão as misericórdias de que Ela é cheia, e sentirão a necessidade que têm do seu socorro. Recorrerão sempre a Ela, em todas as coisas, como à sua querida advogada e medianeira junto de Jesus Cristo. Compreenderão que Ela é o meio mais fácil, mais curto, mais perfeito para irem a Jesus, e a ela se entregarão de corpo e alma, sem reservas, para, do mesmo modo, pertencerem a Jesus Cristo.
56 – Mas quem serão esses servos, escravos e filhos de Maria?… Serão ministros do Senhor que, qual fogo crepitante, levarão a toda a parte as chamas do amor divino… Serão “setas na mão do Poderoso” (Cfr. Sal.126,4), flechas agudas, nas mãos poderosas de Maria para trespassarem os seus inimigos… Serão filhos de Levi, bem purificados no fogo das grandes tribulações, bem apegados a Deus, que trarão o ouro do amor em seus corações, o incenso da oração no espírito, e a mirra da mortificação no corpo. E serão por toda a parte o bom odor de Jesus Cristo para os pobres e os pequenos, enquanto para os ricos e orgulhosos mundanos serão um odor de morte.
57 – Serão nuvens tonitroantes (trovejantes) que voarão pelos ares ao menor sopro do Espírito Santo. E, sem se apegarem a coisa alguma, nem se admirarem ou inquietarem, espalharão a chuva da palavra de Deus e da vida eterna. Brandarão contra o pecado, clamarão contra o mundo, fulminarão o demônio e seus adeptos. Atravessarão de lado a lado, para a vida ou para a morte, com a espada de dois gumes, que é a palavra de Deus (Ef. 6,17), todos aqueles a quem forem enviados pelo Altíssimo.
58 – Serão verdadeiros apóstolos dos últimos tempos, a quem o Senhor das virtudes dará a palavra e a força para operar maravilhas e arrebatar gloriosos despojos ao inimigo. Dormirão sem ouro nem prata e, o que é mais, sem cuidados, no meio dos outros sacerdotes eclesiásticos e clérigos, (“inter médios cleros”) (Sl 67,14). Terão, no entanto, as asas prateadas da pomba, para irem, com a reta intenção da glória de Deus e da salvação das almas, aonde o Espírito Santo os chamar. Deixarão após si, nos lugares onde tiverem pregado, o ouro da caridade, que é o cumprimento de toda a lei (Rm. 13,10).
59 – Sabemos, enfim que serão os verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, que seguirão as pegadas da sua pobreza, humildade, desprezo do mundo e caridade. Ensinarão o estreito caminho de Deus na pura verdade, segundo o santo Evangelho e não segundo as máximas do mundo, sem preocupação nem aceitação de pessoas, sem poupar, escutar nem temer nenhum mortal, por poderoso que seja. Terão nos lábios a espada de dois gumes, que é a palavra de Deus. Trarão aos ombros o estandarte sangrento da cruz, o crucifixo na mão direita, o rosário na esquerda, os sagrados nomes de Jesus e Maria no coração, e a modéstia e mortificação de Jesus Cristo em toda a sua conduta. Eis os grandes homens que hão de vir, mas que Maria suscitará, por ordem do Altíssimo, para estender o seu império sobre o dos ímpios, idólatras e maometanos. Quando e como acontecerá isto?… Só Deus o sabe. Quanto a nós, apenas nos compete calar, rezar, suspirar e esperar. “Expectans expectavi – esperei ansiosamente” (Sl. 39,2).

Segunda Parte (do Tratado) – A natureza da devoção à Santíssima Virgem.
Capítulo Introdutório – Artigo Primeiro – O que é necessário a uma verdadeira devoção à Santíssima Virgem.
60 - § 1º A verdadeira devoção deve unir-nos a Jesus Cristo, nosso último fim.
Até aqui dissemos alguma coisa sobre a necessidade que temos da devoção à Santíssima Virgem. É necessário dizer agora em que consiste esta mesma devoção. Fá-lo-ei, com a ajuda de Deus, depois de ter proposto algumas verdades fundamentais, donde se deduzirá a grande e sólida devoção que quero expor.
61 – 1ª verdade: Jesus Cristo é o nosso último fim.
Jesus Cristo, nosso Salvador, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, deve ser o fim último de todas as nossas devoções (Comentário: Nestes números, quase inteiramente extraídos da Sagrada Escritura, São Luís Maria diz expressamente que Jesus é o fim e Nossa Senhora apenas o meio para chegar a esse fim. Há quem leve a mal ao Autor não mostrar suficientemente esta relação por todo o livro. Na verdade, à primeira leitura pode-se ter a impressão de que a subordinação de Nossa Senhora a Jesus não é bastante realçada. Mas, lembrando-se destes números e de tantos outros, o leitor sabe que a intenção de São Luís é reta. A dita impressão pode ser explicada, parcialmente, pela carência da primeira parte do livro que daria mais equilíbrio entre as partes cristocêntricas e marianas); de outro modo seriam falsas e enganadoras. Jesus é o alfa e o ômega, o princípio e o fim de todas as coisas. Nós não trabalhamos – como diz o Apóstolo – senão para tornar cada homem perfeito em Jesus Cristo. Porque só nele habita toda a plenitude da Divindade, e todas as outras plenitudes de graça, virtude e perfeição, e só nele fomos abençoados com toda a bênção espiritual. Ele é o nosso único Mestre, que nos deve ensinar, o único Senhor de quem devemos depender, o único Chefe a quem nos devemos unir, o único Modelo ao qual nos devemos assemelhar, o único Médico que nos há de curar, o único Pastor que nos deve alimentar, o Caminho único que nos deve conduzir, a única Verdade em que devemos crer, a única Vida que nos deve animar o único Tudo, que nos deve bastar em todas as coisas. Não nos foi dado, debaixo do céu, outro nome pelo qual devamos ser salvos, senão o nome de Jesus… Deus não constituiu outro fundamento da nossa salvação, perfeição e glória senão Jesus Cristo. Todo edifício que não estiver erguido sobre esta pedra firme está construído sobre areia movediça, e, mais cedo ou mais tarde, acabará infalivelmente por cair… Todo fiel que não estiver unido a Jesus, como o sarmento à cepa da vinha, cairá, secará, e só servirá para ser lançado ao fogo. Fora de Jesus Cristo tudo é extraviado, mentira, iniqüidade, inutilidade, morte e condenação. Mas, se estamos nele e Ele em nós, não há que temer a perdição. Porque assim nem os anjos do céu, nem os homens da terra, nem os demônios do inferno, nem qualquer outra criatura nos pode prejudicar, pois não nos poderá separar da caridade de Deus, que está em Jesus Cristo. Por Jesus Cristo, com Jesus Cristo, em Jesus Cristo podemos tudo: dar toda a honra e glória ao Pai, na unidade do Espírito Santo, tornar-nos perfeitos e ser, para o nosso próximo, um bom odor de vida eterna.
62 – Se, pois, nós estabelecermos a sólida devoção à Santíssima Virgem, não será senão para mais perfeitamente estabelecer a de Jesus Cristo, e para dar ás almas um meio fácil e seguro de encontrarem Jesus. Se a devoção à Santíssima Virgem afastasse de Jesus Cristo, deveríamos repeli-la como uma ilusão do demônio. Mas muito pelo contrário, como já o fiz ver e voltarei a mostrar mais adiante, esta devoção é-nos indispensável para encontrar perfeitamente Jesus Cristo, para o amar ternamente e servir com felicidade.
63 – Ó meu amável Jesus, aqui volto-me um momento para Vós a fim de me queixar amorosamente à vossa divina Majestade, de que a maior parte dos cristãos, mesmo os mais instruídos, não saibam a ligação necessária entre Vós e vossa santa Mãe. Vós estais sempre com Maria, Senhor, e Ela está sempre convosco, nem pode estar sem Vós, pois deixaria de ser o que é. Maria está de tal modo transformada em Vós pela graça, que já não vive, nem existe: sois só vós, meu Jesus, que viveis e reinais nela, mais perfeitamente que em todos os anjos e bem-aventurados. Ah! Se os homens conhecessem a glória e o amor que recebeis desta admirável criatura, teriam sobre Vós e sobre Ela sentimentos muito diferentes dos que têm. Ela Vos está tão intimamente unida, que seria mais fácil separar a luz do sol ou o calor do fogo – mais ainda -, seria mais fácil separar de Vós todos os anjos e santos, do que Maria Santíssima. Ela Vos ama, pois, mais ardentemente e Vos glorifica mais perfeitamente que todas as vossas outras criaturas juntas.
64 – Depois disto, meu amável Mestre, não é coisa espantosa e lamentável ver a ignorância e as trevas de todos os homens deste mundo a respeito da vossa santa Mãe? Não falo tanto dos idólatras e pagãos que não Vos conhecem e, por isso, não se preocupam em conhecê-la a Ela. Nem falo sequer dos heréticos e cismáticos, que não cuidam de serem devotos da vossa santa Mãe, visto estarem separados de Vós e da vossa Igreja. Falo dos cristãos católicos, que não Vos conhecem nem a vossa santa Mãe, senão duma maneira especulativa, seca, estéril e indiferente, embora façam profissão de ensinar a verdade aos outros. Estes senhores só raramente falam da vossa Mãe e da devoção que se lhe deve ter, porque dizem temer que se lhe deve ter, porque dizem teme que se abuse dela e que se faça a Vós injúria, honrando demasiadamente vossa santa Mãe. Um devoto da Santíssima Virgem fala da devoção a esta boa Mãe, duma forma terna, forte e persuasiva, como dum meio seguro e sem ilusão, dum caminho curto e sem perigo, duma via imaculada e sem imperfeição e dum maravilhoso segredo para Vos encontrar e amar perfeitamente. Mas, se esses senhores vêem ou ouvem alguém muitas vezes falar assim, levantaram-se contra ele e apresentam mil falsas razões para lhe provar que não se deve falar assim, levantaram-se contra ele e apresentam mil falsas razões para lhe provar que não se deve falar tanto da Santíssima Virgem, que há grandes abusos nessa devoção, que é preciso empenha-se em destruí-los e em falar mais de Vós de preferência a lavar os povos à devoção a Maria, a quem já amam bastante… / Ouve-se por vezes falar da devoção a vossa santa Mãe, ó Jesus, não para a estabelecer e propagar, mas para destruir os abusos que dela se fazem, enquanto estes senhores não têm piedade nem devoção nem devoção terna para convosco, por não terem nenhuma a Maria. Consideram o rosário, o escapulário, o terço, como devoções de “beatas”, próprias para ignorantes, e sem as quais nos podemos salvar. E se lhes cai nas mãos algum devoto da Santíssima Virgem, que reze o terço ou se entregue a qualquer outra prática de devoção para com Ela, depressa lhe mudarão o coração e o pensar. Aconselham-se que reze, em lugar do terço os sete salmos. Em lugar da devoção a Nossa Senhora, recomendar-lhe-ão a devoção a Jesus Cristo… / Ó meu amável Jesus, terão estas pessoas o vosso espírito? Dão-Vos gosto procedendo deste modo? Agradar-Vos-á quem não empregue todos os esforços para agradar à vossa Mãe, com receio de Vos desagradar? Por acaso, a devoção à vossa santa Mãe impedirá a vossa? Atribuiu-se Ela a si mesma a honra que lhe prestam? Forma Ela um partido à parte? É ela uma estrangeira sem ligação alguma convosco? Desagradar-vos-á sem quem procure agradar-lhe a Ela? Separa-se ou afasta-se do vosso amor, quem a Ela se dá e a ama?
65 – No entanto, meu amável Mestre, se tudo o que acabo de dizer fosse verdade, a maioria dos sábios, para castigo do seu orgulho, não poderia afastar mais as almas da devoção a vossa santa mãe, e não lhe poderia votar mais indiferença. Livrai-me, Senhor, livrai-me dos meus sentimentos e práticas. Dai-me parte nos sentimentos de gratidão, estima, de respeito e de amor que Vós tendes para com vossa santa Mãe, para que Vos ame e glorifique mais na medida em que Vos imitar e seguir de mais perto.
66 – Como se até aqui ainda nada tivesse dito em louvor de vossa Mãe Santíssima concedei-me a graça de a louvar dignamente (“Fac me digne tuam Matrem collaudare”-), apesar de todos os seus inimigos que são os vossos. Fazei que clame com os santos: “Non praesumat aliquis Deum se habere propitium qui benedictam Matrem offensam habuerit – Não julgue receber a misericórdia de Deus aquele que ofende sua santa Mãe”.
67 – Para obter da vossa misericórdia uma verdadeira devoção a vossa Mãe Santíssima e para inspirá-la a todo o mundo fazei que Vos ame ardentemente. Recebei para isso a oração inflamada que vos dirijo com Santo Agostinho e com os vossos verdadeiros amigos: “Vós sois o Cristo, meu Pai santo o meu Deus misericordioso, o meu Rei infinitamente grande. Vós sois o meu Bom Pastor, o meu único Mestre, o meu Auxílio todo bondade, o meu Bem-amado de arrebatadora beleza, o meu Pão de vida, o meu Sacerdote eterno. Vós sois o meu Guia para a pátria, a minha Luz verdadeira, a minha Doçura toda santa, o meu Caminho direto. Vós sois a minha Sabedoria sublime, a minha Simplicidade pura, a minha pacífica Concórdia. Vós sois toda a minha Defesa, a minha preciosa Herança, a minha eterna Salvação…. / Ó Jesus Cristo, Mestre adorável, porque é que eu amei ou desejei em toda a minha vida outra coisa fora de Vós, Jesus, meu Deus? Onde estava eu quando não pensava em Vós? Que ao menos a partir deste momento, o meu coração só arda em desejos de Vós, Senhor Jesus; que só para Vos amar ele se dilate. Desejos da minha alma, correi doravante: já basta de delongas; apressai-vos a atingir o fim porque aspirais, buscai em verdade Aquele que procurais. Ó Jesus, seja anátema quem não Vos amar; seja repleto de amargura! Ó doce Jesus, sede o amor, as delícias e o objeto da admiração de todo o coração dignamente consagrado à vossa glória. Deus do meu coração e minha herança, divino Jesus, que o meu coração caia num santo desfalecimento e sejais Vós a minha vida. Que se acenda em minha alma a brasa ardente do vosso amor, e seja ela o princípio de um incêndio todo divino. Arda incessantemente sobre o altar do meu coração, inflame o mais íntimo do meu ser, e abrase as profundezas da minha alma. Que no dia da minha morte eu compareça diante de Vós todo consumido no vosso amor. Assim seja”. (Obs: no original esta oração vem em latim).

§ 2º A verdadeira devoção deve levar-nos à escravidão de amor*, ou seja, à entrega total de nós mesmos por amor. (* Comentário: a idéia da escravidão de amor tem influenciado a vida e a literatura espirituais durante muito tempo. Era muito vulgar no tempo de São Luís Maria e servia para exprimir uma dependência total e deliberada de Deus e de Nossa Senhora, um serviço desinteressado. Porém, principalmente nos nossos dias, começa a crescer uma oposição contra os termos “escravos”, “escravidão”, etc. na vida espiritual. Essas palavras provém do vocabulário histórico-social e estão afetuadas por lembranças de crueldade e frustração dos direitos humanos mais elementares. Para a maior parte dos homens estas reminiscências são tão vivas que lhes é impossível combinar “escravidão” com “amor”. Forçosamente também não podem aceitar uma aplicação da idéia de escravidão na relação entre Deus e o homem. Na melhor das suposições, a expressão “escravidão de amor” parecer-lhes-á sempre focar principalmente a relação de Senhor-servo, o que lança uma luz falsa sobre a relação de Criador-criatura e não manifesta suficientemente as relações de amor como: Pai-Filho, Irmão, Amigo, Esposo-esposa, Salvador-santificando, Mestre-discípulo, etc. E foi precisamente nestas relações de amor que Deus se veio revelar no Novo Testamento. É também mormente por estas relações que o homem moderno se sente atraído por e para Deus…/ Para que a terminologia não seja ao leitor um impedimento para entrar na sublime doutrina espiritual de São Luís Maria, tão vantajosa para a maior glória de Deus e a santificação dos homens substitua mentalmente as palavras “escravo”, “escravidão”, etc., por outras que abranjam melhor todas as nossas relações com Deus especialmente as de amor: p. e. total-consagrado, consagração-total, doação-total, entrega-total…”

68 - 2ª Verdade: Pertencemos totalmente a Jesus, por conseqüência pertencemos também a Nossa Senhora.
Devemos concluir do que Jesus Cristo é para nós, que – como diz São Paulo (Cfr. 1 Cor. 6,19-20) – não somos nossos mas inteiramente dele, como seus membros e escravos, comparados infinitamente caro pelo preço de todo o seu sangue. Antes do batismo éramos do demônio, como os seus escravos. Ao receber este sacramento, tornamo-nos verdadeiros escravos de Jesus Cristo. Doravante já não devemos viver, trabalhar e morrer senão para este Homem-Deus, glorificando-o em nosso corpo e fazendo-o reinar em nossa alma. Somos, pois, sua conquista, seu povo de aquisição e sua herança. É pela mesma razão que o Espírito Santo nos compara (Cfr. Sal. 1,3; Jô. 15,5; Mat. 13,3-8): 1º - a árvore plantadas ao longo das águas da graça, no campo da Igreja, e que devem dar frutos a seu tempo. 2º aos ramos duma vinha, de que Jesus é a cepa e que devem dar boas uvas. 3º a um rebanho de que Jesus Cristo é o pastor, e que se deve multiplicar e dar leite. 4º a uma boa terra, de que Deus é o agricultor, e na qual a semente se multiplica, produzindo trinta, sessenta ou sem põe um. Jesus Cristo amaldiçoou a figueira estéril e condenou o servo inútil, que não tinha feito render o seu talento. Tudo isto prova que Jesus Cristo quer receber algum fruto das nossas pobres pessoas, a saber: as nossas obras, porque estas só a Ele pertencem: “Creati in poeribus bonis in Christo Jesu. – Criados para as boas obras em Cristo Jesus.”… / Mostram estas palavras do Espírito Santo que Jesus Cristo é o único princípio e deve ser o fim último de todas as nossas boas obras. Mostram ainda que o devemos servir, não somente como servos assalariados, mas como escravos de amor. Explico-me.
69 – Neste mundo, há duas maneiras de pertencer a outra pessoa e de depender da sua autoridade: a simples servidão e a escravidão, que fazem dum homem, respectivamente, um servo ou um escravo../ Pela servidão, comum entre os cristãos, um homem compromete-se a servir outro durante um certo tempo, mediante determinada paga ou certa recompensa…./ Pela escravidão, um homem depende inteiramente de outro, por toda a vida e deve servir o seu senhor sem pretender paga nem recompensa alguma, como um dos seus animais, sobre o qual o dono tem direito de vida e de morte.
70 – Há três espécies de escravidão: uma natural, outra forçada e outra voluntária. Todas as criaturas são escravas de Deus da primeira forma: “Domini est terra et plenitudo ejus – Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela está contido” (Sl. 23,1)…/ Os demônios e os réprobos pertencem à terceira. A escravidão voluntária é a mais perfeita e a mais gloriosa para Deus que olha ao coração, que pede o coração, que se chama o Deus dos corações, ou da vontade amorosa. Por esta escravidão, de fato, escolho-se Deus e o seu serviço acima de todas as coisas ainda mesmo que a natureza não obrigasse a isso.
71 – Há uma diferença radical entre um servo e um escravo: 1º Um servo não dá ao seu senhor tudo o que é nem tudo o que possui, nem tudo o que pode adquirir por si mesmo ou por outro. Mas o escravo dá-se inteiramente, com tudo o que possui ou pode vir a adquirir, sem exceção alguma. 2º O servo exige a paga dos serviços que presta ao Senhor, enquanto o escravo nada pode exigir, por maior que seja a sua aplicação, a sua habilidade, e a força com que trabalha. 3º O servo pode deixar o senhor quando quiser ou, pelo menos, quando tiver expirando o tempo do serviço, mas o escravo não tem o direito de fazer isso quando quiser. 4º O Senhor do servo não tem sobre ele nenhum direito de vida e de morte, e se o matasse – como a um dos seus animais de carga -, cometeria um homicídio injusto. O senhor do escravo, porém, esse tem pela lei direito de vida e de morte sobre ele, de modo que o pode vender a quem quiser, ou matar, como faria ao seu cavalo (Comentário: Tal lei não existe perante Deus! São Luís dá exemplo menos feliz somente para dar uma idéia da dependência completa). 5ºFinalmente, o servo está só por algum tempo ao serviço dum senhor, mas o escravo para sempre.
72 – Nada há, entre os homens, que mais nos faça pertencer a outrem do que a escravidão. Do mesmo modo nada há entre os cristãos que nos faça pertencer mais absolutamente a Jesus Cristo e a sua santa Mãe do que a escravidão voluntária. Isto é conforme o exemplo do próprio Jesus, que tomou a forma de escravo por nosso amor: “Formam servi accipiens” (Filip. 2,7), e da Santíssima Virgem que se disse serva e escrava do Senhor. O Apóstolo chama-se, com certa ufania servo de Cristo (Cfr. P. e. Rom.1, 1). Por várias vezes, os cristãos são chamados, na Sagrada Escritura, “Servi Christi”. Segundo a justa observação de um grande homem (Pe. H. M. Boudon, no seu livro “lê Saint esclavage de ládmirable Mère de Dieu”, Cap. 2), a palavra “servus” significava outrora apenas escravos ou libertos. O catecismo do Concílio de Trento, para que não reste dúvida alguma sobre a nossa condição de escravos de Jesus Cristo, exprime-se por um termo que não se presta a equívocos, chamando-nos “mancipia Christi – escravos de Cristo” (Cat. Rom. Pars 1, cap. 3, sub, fine).
73 – Posto isto, digo que devemos ser de Jesus Cisto e servi-lo, não só como mercenários, mas como escravos amorosos. Estes, por efeito de um grande amor, entregaram-se e dão ao seu serviço na qualidade de escravos, só pela honra de lhe pertencer. Antes do batismo éramos escravos do demônio. Tornou-nos o batismo escravos de Jesus Cristo; os cristãos têm portanto que ser escravos ou do demônio ou de Jesus Cristo.
74 – O que digo dum modo absoluto a respeito de Jesus Cristo, digo-o, de forma relativa, da Santíssima Virgem. Jesus Cristo escolheu-a por companheira indissolúvel da sua vida, da sua morte e da sua glória e poder no céu e na terra. Por isso e por graça deu-lhe, em relação à sua Majestade todos os mesmos direitos e privilégios que Ele possui por natureza: “Quidquid Deo convenit per naturam, Mariae convenit per gratiam… – Tudo o que convém a Deus por natureza, dizem os santos, convém a Maria por graça…” (Comentário: “Possuir por graça” quer dizer possuir por participação gratuita. Não há, portanto, nem de longe, igualdade de possuidores. Deus tem tudo próprio e dum modo infinito, enquanto Nossa Senhora e nós não temos senão um reflexo dessa infinita bondade de Deus. Verdade é que a Virgem Santíssima recebeu uma participação muito singular, dada a sua vocação de Mãe de Deus, Mãe dos homens e colaboradora de Jesus na obra da salvação). Deste modo, segundo estes santos, tem ambos os mesmos súditos, servos e escravos, visto que os Dois não tem senão uma só vontade e um só poder.
75 – Podemos, portanto, segundo o parecer dos santos e de vários homens ilustres dizer-nos e fazer-nos escravos amorosos da Santíssima Virgem, para deste modo sermos mais perfeitamente escravos de Jesus Cristo. A Virgem é o meio de que nosso Senhor se serviu para vir a nós, é também o meio de que nos devemos servir para irmos a Ele. Pois Ela não é como as outras criaturas que, se a elas nos prendêssemos, nos poderiam afastar de Deus em lugar de nos aproximar dele. Mas a mais forte inclinação de Maria é unir-nos a Jesus seu Filho, e a mais forte inclinação do Filho é que se vá a Ele por sua Mãe. Isto honra-o e agrada-lhe tanto como honraria e agradaria a um rei alguém que, para se tornar mais perfeitamente seu vassalo e escravo, se fizesse escravo da rainha. É por isso que os santos Padres, e São Boaventura com eles, dizem que a Virgem Santíssima é o caminho para ir a Nosso Senhor: “Via veniendi ad Christum est appropinquare ad illam” (Psalter majus B. V., Ps. 117).
76 – Além disso, se, como já disse (Veja nº 38), a Santíssima Virgem é a rainha e soberana do céu e da terra, não tem Ela tantos súditos e escravos quantos são as criaturas? Dizem-no Santo Anselmo, São Bernardino e São Boaventura: “Império Dei omnia subjiciuntur et Virgo, ecce império Virginis omnia subjiciuntur et Deus. – Ao poder de Deus tudo está submisso mesmo a Virgem , eis que ao poder da Virgem está submisso até o próprio Deus” (Veja o comentário do nº 74. A maneira por que Nossa Senhora está submissa a Deus é muito diferente daquele por que Deus se submeteu deliberadamente a Ela.). Não será razoável que entre tantos escravos à força, os haja também por amor que, de boa vontade e na qualidade de escravos, escolham Maria por sua soberana? O quê? Os homens e os demônios terão seus escravos voluntários, e Maria não os há de ter? O quê? Um rei terá a peito que a rainha, sua companheira, possua escravos, com direito de vida e de morte sobre eles (Veja o comentário do nº 71) porque a honra e o poder de um é a honra e o poder de outro; pode-se então acreditar que Nosso Senhor, que participou, como o melhor dos filhos todo o poder com sua santa Mãe, ache mal que Ela tenha escravos? Terá Ele menos respeito e amor à sua Mãe, que Assuero a Ester e Salomão a Betsabé? Quem ousaria dize-lo ou pensa-lo sequer?
77 – Mas onde me leva a minha pena? Poe que é que me detenho aqui a provar uma coisa tão evidente? Se não querem que alguém se diga escravo da Santíssima Virgem que importa? Que se faça e se diga escravo de Jesus Cristo! É o mesmo que sê-lo da Santíssima Virgem, visto que Jesus é o fruto e a glória de Maria. Faz-se isto de maneira perfeita por meio da devoção em que mais adiante falaremos.

ARTIGO SEGUNDO – NECESSIDADE DE UMA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM, DADA A FRAQUEZA HUMANA
78 - § 1º A verdadeira devoção deve levar-nos a despojar-nos de nós mesmos.
3ª verdade: Visto que o homem é fraco, deve entregar-se totalmente a Maria.
As nossas melhores ações são ordinariamente manchadas e corrompidas pelo mau fundo que há em nós (Comentário: Seria uma concepção muito incompleta e pessimista da natureza humana, considerar apenas o seu aspecto mau. É um erro dizer que a nossa natureza está quase totalmente corrompida, que já não é capaz de fazer bem algum. A natureza humana é boa e capaz de agir bem. Mas pelo pecado original, temos a tendência de nos desviar dos desígnios de Deus. No entanto ficamos com a possibilidade real de largamente resistir a essa tendência e praticar o bem, mesmo naturalmente falando. Essa possibilidade recebeu ainda um retorno sobrenatural pelo fato de participarmos da vida divina. Desse modo, um ato naturalmente bom ganha ainda valor sobrenatural, pelo qual aumenta a glória extrema de Deus e a amizade do homem com Ele. - Veja “Convém saber… I”). Quando se deita água límpida e clara numa vasilha que não tem bom cheiro, ou vinho numa pipa cujo interior está azedo por outro vinho, que teve anteriormente, a água clara e o vinho bom ficam estragados e ganham facilmente o mau cheio. Do mesmo modo, quando deus infunde em nossa alma, corrompida pelo pecado original e atual, as suas graças e orvalhos celestes, ou o vinho delicioso do seu amor, assim também os seus dons, são, ordinariamente, manchados e estragados pelo mau fermento e mau fundo que o pecado deixou em nós. Os nossos atos, mesmo as virtudes mais sublimes, disso se ressentem. É, pois, da mais alta importância, para adquirir a perfeição – que se alcança pela união com Jesus Cristo – esvaziarmo-nos do que há de mau em nós (Comentário: Devemos ter cautela de não conceber de maneira meramente negativa a expressão “esvaziar-se daquilo que há de mau em nós”. O que é mau, o mal, não é um objeto que se possua agarrar, arrancar e deitar fora. O mal é a ausência do bem. Para terminar o mal há, por conseguinte, um só método: adquirir o bem. Neste caso devemos, portanto afirmar que “esvaziar-se daquilo que há de mau em nós” significa: “participar da vida, da bondade de Jesus Cristo”. Quanto mais Jesus vive no homem e o homem com Jesus, tanto melhor ele é.). Doutra forma, Nosso Senhor, que é infinitamente puro e que odeia infinitamente a menor mancha que vê na alma, afastar-nos-á de seus olhos e não se unirá a nós.
79 – Para nos despojarmos de nós mesmos, é preciso, em primeiro lugar, conhecer bem, pela luz do Espírito Santo, nosso fundo mau, a nossa incapacidade para qualquer bem útil à salvação, a nossa fraqueza em todas as coisas, a nossa permanente inconstância, a nossa indignidade de toda a graça, a nossa iniqüidade de toda a parte. O pecado dos nossos primeiros pais arruinou-se a todos quase por completo, azedou-nos, corrompeu-nos, fez-nos inchar como o fermento faz à massa em que é lançado. Os pecados atuais que cometemos, quer mortais, quer veniais embora tenham sido perdoados, aumentaram-nos a concupiscência, a fraqueza, a inconstância e corrupção, deixando maus vestígios na nossa alma… /// O nosso corpo é tão corrupto que é chamado pelo Espírito Santo corpo de pecado (Cfr. Rom. 6, 6; Sal. 50, 7), concebido no pecado, alimentado no pecado, capaz de todo o pecado e sujeito a mil enfermidades. Corrompe-se de dia a dia, e gera somente sarna, vermes e corrupção… /// A nossa alma, unida ao corpo, tornou-se tão carnal que chega a ser chamada carne: “Toda a carne tinha corrompido o seu caminho” (Gen. 6, 12). A nossa única esperança é o orgulho e a cegueira de espírito, o endurecimento do coração, a fraqueza e a inconstância da alma, a concupiscência, a revolta de paixões e as doenças do corpo. Somos, naturalmente, mais orgulhosos que os pavões, mais apegados à terra que os sapos, piores que os bodes, mais invejosos que as serpentes, mais gulosos que os porcos, mais coléricos que os tigres e mais preguiçosos que as tartarugas, mais fracos que caniços e mais inconstantes que os cataventos. De nosso só temos o nada e o pecado e só merecemos a ira de Deus e o inferno eterno (Comentário: Hoje em dia estes exageros retóricos perderam o seu valor. No entanto, também o homem moderno experimenta em si a tendência de fazer de si mesmo o centro do seu pensar, falar, querer e agir, enquanto sabe que Deus deve ser esse centro. Tudo provém de Deus e para Ele há de voltar. Deste modo, o homem, bem intencionado, vê em si nascer o desejo de “se esvaziar de si mesmo”, ou por outra, de participar cada vez mais da vida divina).
80 – Depois disto, será para admirar que Nosso Senhor tenha dito que quem o quisesse seguir devia renunciar a si mesmo e odiar a sua alma? (Comentário: “Odiar-se a si mesmo”, é um termo bílico que São Luís Maria toma ao pé da letra. Mas, sendo este termo um exemplo típico dum absolutismo semítico, não pode-se si mesmo”, significa: amar-se menos do que os outros. Temos disso um bom exemplo na Sagrada Escritura. São Lucas escreve (14, 26): “Se alguém vem a mim e não odeia seu pai, etc… não pode ser meu discípulo”. Porém, São Mateus, que cita a mesma palavra de Jesus, escreve é digno de mim” (10, 37)). Que aquele que amasse a sua alma, a perderia e o que a odiasse, a salvaria? (Cfr. Jo. 12, 25). Esta Sabedoria infinita, que não impõe mandamentos sem razão, não nos manda odiarmos-nos a nós mesmos senão porque somos sumamente dignos de ódio. Nada há tão digno de amor como deus, e nada tão digno de ódio como nós.
81 – Para nos despojarmos de nós mesmos, em segundo lugar, é preciso morremos todos os dias. Isto quer dizer, é preciso renunciar às operações das potências da nossa alma e dos sentidos do nosso corpo (Comentário: Renunciar às suas próprias opiniões, idéias, sentimentos, ideais, etc., constitui um programa meramente negativo. Será preciso uma aproximação mais positiva deste programa para evitarmos revoltas ou pelo menos, perturbações em nós. Não é mister em primeiro lugar renunciar às suas próprias opiniões, mas tê-las em harmonia com a vontade e a sabedoria divinas… Podemos, e temos até a obrigação de fazer uso das nossas potências, e idéias, dos nossos sentimentos, etc., mas só depois de os ter posto em plena concordância com Deus. Desse modo não nos será difícil renunciar a uma idéia nossa se nos encontrarmos perante outra melhor ou igualmente boa – Ver também o 2º comentário do número 78), ou seja: temos de ver como se não víssemos, de ouvir como se não ouvíssemos, de nos servir das coisas deste mundo como se delas nós não servíssemos. É a isto que São Paulo chama “Morrer todos os dias – Quotídie morior” (1 Cor. 15, 31). “Se o grão de trigo cai à terra a não morre, permanece só e não produz fruto – Nisi granum frumenti cadens in terram mortuum fuerit, ipsum solum manet” (Jo. 12, 34-25). Se não morremos para nós mesmos, e se as nossas devoções mais santas não nos levam a esta morte necessária e fecunda, não daremos fruto que valha. Porque então as nossas boas obras serão manchadas pelo amor próprio e pela nossa vontade própria o que fará com que Deus abomine os maiores sacrifícios e as melhores ações que possamos fazer. E, nesse caso, encontrar-nos-emos com as mãos vazias de virtudes e méritos na hora da nossa morte, e não teremos sequer uma centelha de puro amor, pois este só é dado às almas mortais para si mesmas (Comentário: Não convém cair em extremo: deve-se sempre contar com termos intermédios. No amor puro e verdadeiro, deve-se admitir uma graduação, e o se diga do grau de abnegação de si mesmo. Entre as almas mortais pelo pecado e as almas perfeitas, há as que estão a caminho da perfeição. E entre este último grupo há as que ainda mal começaram a caminhar, outras já avançadas e outras ainda que já estão muito perto do fim. Mas todas estão animadas pelo verdadeiro amor) e cuja vida está oculta com Jesus Cristo em Deus (Cfr. 1 Col. 3, 3).
82 – Em terceiro lugar, é preciso escolher entre todas as devoções à Santíssima Virgem aquela que nos leva mais a esta morte para nós próprios, porque é esta a melhor e a mais santificante. Não se julgue, de fato, que tudo o que brilha é ouro, que tudo o que é doce é mel e que tudo o que é fácil e a maior parte das pessoas pratica, é o mais santificante… / Na natureza há segredos para fazer operações naturais em pouco tempo econômica e facilmente. Assim existem também na ordem da graça para fazer operações sobrenaturais em pouco tempo, suavemente, facilmente: despojar-se de si mesmo, encher-se de Deus e tornar-se perfeito… / A prática que quero revelar é um desses segredos de graça, desconhecido pela maior parte dos cristãos, conhecido por poucas almas piedosas, praticado e apreciado por menos ainda. Para começar a descobrir esta prática, eis uma quarta verdade, que é uma conseqüência da terceira.

83 - § 2º A verdadeira devoção deve levar-nos a aceitar a mediação de Maria junto de Jesus Cristo.
4 ª verdade: A nossa insuficiência justifica o intermédio de Maria.
É mais perfeito, porque mais humilde, não nos aproximarmos diretamente de Deus (*), mas servir-nos de um medianeiro (*Comentário: Veja o comentário ao número 31. São Luís não foi feliz ao dizer que a mediação de Jesus e Maria não nos permite aproximar-nos “diretamente” de Deus. A expressão “não se aproximar diretamente de Deus” é muito enganadora. É como se Jesus estivesse entre Deus e nós, e ainda Nossa Senhora entre Jesus e nós. É como se não pudéssemos falar diretamente com Deus, nosso Pai. Nada mais falso. O que o santo autor quer dizer é que, no nosso contrário direto com Deus, “não nos devemos apoiar nos nossos próprios trabalhos, esforços e preparações”, mas que devemos confiar nos méritos de Jesus e na colaboração de Maria Santíssima. P. e. Quando louvamos a Deus, sabemos que só o podemos fazer em união com Jesus; mas, para esse fim, Jesus não se coloca entre Deus e nós. Ele deixa-nos a nós a realização do ato, mas acompanha-nos, dá valor ao nosso louvor; melhor ainda: Jesus deixa-nos a nós acompanhar a vida dele – Cfr. Jo 16, 23-28 -. De Nossa Senhora reconhecemos que está, por vocação, intimamente unida a Jesus em tudo o que diz respeito à Vida sobrenatural dos homens. Temos por conseguinte a certeza de que também Nossa Senhora se une a cada movimento da nossa vida sobrenatural, mas nem a sua companhia, nem a de Jesus diminuem absolutamente nada o fato de a oração ser nossa, de o contato com Deus ser direto - Cfr. Comentário ao número 23 - . Resta-nos dizer que não basta apontar a nossa baixeza perante a divina Majestade para explicar a necessidade de medianeiros. A única razão adequada, que motiva a existência de medianeiros, é a vontade de Deus.), mas servir-nos de um medianeiro. Visto que a natureza está tão corrompida, como acabo de mostrar, é certo que todas as nossas boas obras serão manchadas ou terão pouco peso diante de Deus para o levar a unir-se a nós, a ouvir-nos, se nos apoiarmos nos nossos próprios trabalhos, esforços e preparações para chegarmos até Deus e lhe agradarmos. Não foi sem motivo que Deus nos deu medianeiros junto da sua divina Majestade. Ele viu-nos indignos e incapazes, teve piedade de nós e, para nos dar acesso às suas misericórdias, proporcionou-nos intercessores poderosos junto da sua grandeza. Deste modo negligenciar esses intermediários, aproximar-nos diretamente da própria Santidade sem intercessão alguma, é falta de humildade e de respeito para com um Deus tão santo. É fazer menos caso deste Rei dos reis, do que se faria dum ou príncipe da terra, que não se abordaria sem auxílio dum amigo que falasse por nós.
84 – Nosso Senhor é nosso advogado e medianeiro de redenção junto de Deus Pai. É por Ele que devemos orar, com toda a Igreja triunfante e militante. É por Ele que temos acesso junto da suprema Majestade, não devendo nunca apresentar-nos diante dela senão sustentados e revestidos de seus méritos, como Jacó, que se cobriu com peles de cabrito para receber a bênção de seu pai Isaac.
85 – Mas, não teremos necessidade dum mediador junto do próprio Medianeiro? (Comentário: Também aqui devemos afirmar que a única razão adequada para explicarmos a necessidade de Nossa Senhora, Medianeira Universal, é a vontade de Deus, não a nossa fraqueza. De resto será preciso lembrar-nos do que foi dito no comentário B do nº 31). Será tão grande a nossa pureza que possamos unir-nos diretamente a Ele, e por nós mesmos? Não é Ele Deus, em tudo igual a seu Pai e, por conseguinte, o Santo dos santos, tão digno de respeito como o Pai? Pela sua infinita caridade tornou-se a nossa garantia e o nosso medianeiro junto de Deus, seu Pai, para o aplacar e lhe pagar o que lhe devíamos. Mas será isso uma razão para termos menos respeito e temor à sua majestade e santidade?…/ Digamos, pois, abertamente, com São Bernardo, que temos necessidade dum mediador junto do mesmo Medianeiro, e que Maria Santíssima é a pessoa mais capaz de desempenhar esta função caridosa. Foi por Ela que nos veio Jesus Cristo; é por Ela que devemos ir a Ele. Se receamos ir diretamente a Jesus Cristo, nosso Deus, por causa da sua grandeza infinita, ou da nossa miséria, ou ainda dos nossos pecados, imploremos ousadamente o auxílio e a intercessão de Maria, nossa mãe. Ela é boa e terna; nada tem de austero ou de repulsivo, nada de demasiado sublime ou brilhante. Vendo-a, vemos a nossa pura natureza. Ela não é o sol que, pela vivacidade dos seus raios, poderia cegar-nos por causa da nossa fraqueza. Ela é bela e doce como a lua (Cfr. Cânt. 6, 9) que recebe a luz do sol e a abranda a fim de adapta-la à nossa pequenez. É tão caridosa que não repele nenhum dos que pedem a sua intercessão, por mais pecador que seja. Pois, como dizem os santos, desde que o mundo é mundo, nunca se ouviu dizer que alguém tenha recorrido à Santíssima Virgem com confiança e perseverança, e tenha sido por Ela desamparado. É tão poderosa que nunca foi desatendida nas suas súplicas. Basta que se apresente diante se seu Filho, para lhe pedir alguma coisa: imediatamente Este a atende e a acolhe, amorosamente vencido pelos seios, pelas entranhas e orações da sua muito querida Mãe.
86 – Tudo isto é tirado de São Bernardo e de São Boaventura. Pelo que, segundo eles, temos que subir três degraus para chegar até Deus: o primeiro, que está mais perto de nós e o mais conforme à nossa capacidade, é Maria; o segundo é Jesus Cristo, e o terceiro é Deus Pai. Para ir a Jesus é preciso ir a Maria: Ela é a nossa medianeira de intercessão. Para ir ao eterno Pai é preciso ir a Jesus, o nosso medianeiro de redenção. Ora, pela devoção que a seguir indicarei, observa-se perfeitamente esta ordem.

87 - § 3ª A verdadeira devoção deve-nos fazer perseverar na graça divina.
5ª verdade: A entrega total é o meio mais perfeito para vencer todas as dificuldades.
É muito difícil, atendendo à nossa fraqueza e fragilidade conservar em nós as graças e os tesouros recebidos de Deus: 1º Porque temos este tesouro, mais valioso que o céu e a terra, em vasos frágeis: “Habemos thesaurum istum in vasis ficílibus” (2 Cor.4,7); num corpo corruptível, numa alma fraca e inconstante, que por um nada se perturba e abate.
88 – 2º Porque os demônios, que são ladrões muito finos, querem-nos apanhar de improviso, para nos roubar e despojar. Para isso espreitam noite e dia o momento favorável. Rondam incessantemente, prontos para nos devorar (Cfr. I Pedro 5,8) e nos arrebatar num só momento, por um único pecado, tudo o que ganhamos em graças e méritos durante muitos anos. A sua malícia, a sua experiência, as suas astúcias e o seu número devem-nos fazer temer imensamente esta infelicidade. Já outras pessoas, mais cheias de graça, mais ricas de virtudes, mais fundadas na experiência e elevadas em santidade, foram surpreendidas, roubadas e lamentavelmente despojadas. Ai! Quantos cedros do Líbano, quantas estrelas do firmamento se não têm visto cair miseravelmente e perder, em pouco tempo, toda a sua elevação e claridade! Donde proveio esta estranha mudança? O que faltou não foi a graça, que não falta a ninguém, foi a humildade (Comentário: Convém lembrar-se do que foi dito sobre a graça no comentário ao número 23. Para evitar todos os equívocos, podia-se explicar esta frase deste modo: “O que nunca falta a ninguém é a ajuda de Deus, mas o que pode faltar é a nossa colaboração com essa ajuda”). Julgaram-se mais fortes e mais capaz do que eram; julgaram que podiam guardar os seus tesouros. Fiaram-se e apoiaram-se em si mesmos. Acharam a sua casa bastante segura, os seus cofres bastantes fortes, para guardar o precioso tesouro da graça. Foi por causa desta confiança não apercebida que tinha em si (embora lhes parecesse que se apoiavam unicamente na graça de Deus) que o Senhor, infinitamente justo, permitiu que fossem roubado e abandonados a si mesmos. Ai! Se tivessem conhecido a admirável devoção que vou expor, teriam confiado o seu tesouro a uma Virgem poderosa e fiel, que o teria guardado como seu, considerando isto como um dever de justiça.
89 – 3º É difícil perseverar na justiça, por causa da estranha corrupção do mundo. Ele está, presentemente, tão corrompido que se torna quase inevitável serem os corações religiosos manchados, senão pela sua lama, ao menos pela poeira. Assim, é quase um milagre conservar-se alguém firme no meio desta torrente impetuosa, sem ser submergido ou pilhado pelos piratas e corsários; respirar este ar empestado, sem lhe sentir as más conseqüências. É a Virgem, a única sempre fiel, sobre a qual a serpente jamais teve poder, quem faz este milagre a favor daquelas que a servem da melhor maneira.

CAPÍTULO PRIMEIRO – ESCOLHA DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM.
INDRODUÇÃO
90 – Postas estas cinco verdades, impõe-se, mais do que nunca, fazer uma boa escolha da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, porque há cada vez mais falsas devoções a Nossa Senhora, e é fácil toma-las por verdadeiras. O demônio, como falso moedeiro e enganador fino e experimentado, já enganou e levou à condenação tantas almas, por meio duma falsa devoção a Nossa Senhora, que todos os dias se serve da sua experiência diabólica para perder muitas outras… / Deleita-as e adormece-as no pecado sob pretexto de algumas orações mal rezadas e dumas quantas práticas exteriores que lhes inspira. Assim como um falso moedeiro não falsifica, ordinariamente, senão ouro e prata e muito raramente outros metais, por estes não lhe valerem esse trabalho, também o espírito maligno não falsifica tanto as outras devoções, como as que se referem a Jesus e a Maria: a devoção à Sagrada Comunhão e à Nossa Senhora. Estas são, entre as demais devoções, o que soa o ouro e a prata entre os metais.
91 – Importa muito, portanto, conhecer primeiro as falsas devoções à Santíssima Virgem para as evitar, e conhecer a verdadeira, para abraçá-la. Depois, importa distinguir, entre tantas práticas diferentes desta última, qual a mais perfeita (Veja “Convém saber… F”), a mais agradável à Virgem Santíssima, aquela que dá mais glória e que é mais santificante para nós, para a ela nos apegarmos.

Artigo Primeiro – Sinais da falsa Devoção à Santíssima Virgem.
92 – Conheço sete espécies de falsos devotos e falsas devoções, a saber: 1º os devotos críticos; 2º os devotos escrupulosos; 3º os devotos exteriores; 4º os devotos presunçosos; 5º os devotos inconstantes; 6º os devotos hipócritas; 7º os devotos interesseiros (*Comentário: Ninguém de nós se chamará perfeito a si mesmo, nem pouco referindo-se á sua devoção à Santíssima Virgem. Aquilo que falta à nossa devoção tem vários aspectos, que facilmente reconhecemos nos números que se seguem. Não os leiamos, pois, como se escritos só para os outros – todos temos qualquer coisa disto); mas eles sirvam para aperfeiçoarmos a nossa devoção à Santíssima Virgem).
93 - 1º Os devotos críticos (*Comentário: São Luís Maria não a critica que procura servir a verdade. Ele mesmo deu mostras desta crítica boa - Veja “Convém saber… J”). No número 97 escreve p.e.: “Para confirmar o que dizem e para ainda mais cegarem, citam algumas histórias quem ouviram ou leram em algum livro, histórias verdadeiras ou falsas – isso pouco importa! – Nestas se conta como pessoas mortas em pecado mortal, sem confissão, foram ressuscitadas para se confessarem…” S. Luís não acredita nestas histórias!). Os devotos críticos são, ordinariamente, sábios orgulhosos, espíritos fortes e que se bastam a si mesmos. No fundo têm alguma devoção à Santíssima Virgem, mas criticam quase todas as práticas de devoção que as almas simples tributam singela e santamente a esta boa Mãe, porque não condizem com a sua fantasia. Põem em dúvida todos os milagres e narrações referidas por autores dignos de créditos ou tiradas das crônicas de Ordens religiosas, e que testemunham as misericórdias e o poder da Santíssima Virgem. Vêem com desgosto pessoas simples e humildes ajoelhadas diante dum altar ou imagem da Virgem, às vezes num recanto duma rua, para aí rezar a Deus. Acusam-nas mesmo de idolatria como se estivessem a adorar madeira ou pedra. Dizem que, quanto a si, não gostam dessas devoções exteriores e que não são tão fracos de espírito que vão acreditar em tantos contos e historietas que correm a respeito da Santíssima Virgem. Quando lhes referem os louvores admiráveis que os Santos Padres tecem à Nossa Senhora, ou respondem que isso é exagero, ou explicam erradamente as suas palavras… // Esta espécie de falsos devotos e de gente orgulhosa e mundana é muito para temer e causam imenso mal à devoção a Nossa Senhora afastando eficazmente dela o povo, sob o pretexto de destruir abusos.
94 – 2º Os devotos escrupulosos. Os devotos escrupulosos são pessoas que temem desonrar o Filho honrado a Mãe, rebaixar um, elevando a outra (*Comentário: Verdade é que não se pode louvar a Santíssima Virgem, sem Ela louvar, por sua vez, Jesus. Da parte de Nossa Senhora, portanto, não há perigo de desonrar a Deus. Mas da parte dos homens a questão não é tão simples. Os Padres do Concílio Vaticano II disseram expressamente que há pessoas pouco instruídas, que têm uma devoção desequilibrada a Nossa Senhora. Na vida delas Deus e Jesus ocupam uma posição esquisita. É portanto, necessário ensinar bem o povo para que evite todo o exagero. Que a nossa devoção e pregação estejam firmemente fundadas na doutrina revelada, de maneira a tornar-se muito claro que “só honramos a Virgem no intuito de honrar Cristo, indo a Ela apenas como ao caminho que leva ao fim almejado: Jesus”, como diz São Luís Maria no fim deste número). Não podem suportar que se prestem à Santíssima Virgem louvores muito justos tais como os Santos Padres lhe dirigiam. Não toleram, senão contrariados, que haja mais pessoas de joelhos diante dum altar de Maria que diante do Santíssimo Sacramento. Como se uma coisa fosse contaria à outra, como se aqueles que rezam a Nossa Senhora, não rezassem a Jesus Cristo, por meio dela! Não querem que se fale tantas vezes da Santíssima Virgem, nem que a Ela nos dirijamos tão freqüentemente. // Eis algumas frases que lhes são habituais: Para que servem tantos terços, tantas confrarias e devoções externas à Santíssima Virgem? Há muita ignorância nisto tudo! Faz-se da religião uma palhaçada. Falem-se dos que têm devoção a Jesus Cristo (e entre parênteses digo, que o nomeiam, muitas vezes, sem se descobrirem), isso sim; é preciso pregar Jesus Cristo, eis a doutrina sólida! // Isto que dizem é verdadeiro num certo sentido; mas quanto à aplicação que disto fazem, para impedir a devoção à Virgem Santíssima é muito perigoso. Trata-se duma cilada do inimigo sob pretexto dum bem maior. Pois, nunca se honra mais a Jesus Cristo do que quando se honra muito a Santíssima Virgem. A razão é simples: só honramos a Virgem no intuito de honrar a Cristo, indo a Ela apenas como ao caminho que leva ao fim almejado: Jesus.
95 – A Santa Igreja com o Espírito Santo, bendiz em primeiro lugar a Virgem e só depois Jesus Cristo: “Benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Jesus – Bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”. Não é que Maria seja mais que Jesus, ou igual a Ele: dizê-lo seria uma heresia intolerável. Mas, para mais perfeitamente bendizer Jesus Cristo, é preciso louvar antes a Virgem Maria. Digamos, pois, com todos os verdadeiros devotos escrupulosos: Ó Maria, bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
96 – 3ª Os devotos exteriores. Os devotos exteriores são pessoas que fazem consistir toda a devoção à Santíssima Virgem em práticas externas. Ficam apenas na exterioridade desta devoção, por lhes faltar espírito interior. Rezarão muitos terços à pressa; ouvindo muitas Missas sem intenção; irão sem devoção às procissões; entrarão em todas as confrarias de Nossa Senhora sem mudarem de vida, sem fazerem violência às suas paixões, nem imitarem as virtudes desta Virgem perfeitíssima. Só apreciam o que há de sensível na devoção, se, atenderem ao que tem de sólido (veja o comentário ao número 55). Se não experimentam prazer sensível nas suas práticas, julgam que já não fazem nada, desorientadamente. O mundo está cheio desta espécie de devotos exteriores e não há ninguém como eles para criticarem as almas de oração. Estas aplicam-se ao interior, por ser o essencial, sem todavia desprezar a modéstia exterior que acompanha sempre a verdadeira devoção.
97 – 4º Os devotos presunçosos. Os devotos presunçosos são pecadores entregues às suas más paixões, ou amigos do mundo. Sob o belo nome de cristãos e devotos da Santíssima Virgem escondem ou o orgulho, ou a avareza, ou a impureza, ou a embriaguez, ou a cólera, ou a blasfêmia, ou a maledicência, a injustiça, etc. Dormem em paz, nos seus maus hábitos, sem se esforçarem muito para os corrigir, sob o pretexto de que são devotos de Nossa Senhora. Dizem lá para consigo que Deus lhes perdoará, que não hão de morrer sem confissão e não serão condenados porque rezam o terço, porque jejuam ao sábado, pertencem à confraria do santo rosário ou do escapulário, ou às suas congregações, porque trazem o hábito ou a cadeia da Santíssima Virgem etc. etc. // Se alguém lhes disser que a sua devoção não passa de ilusão do demônio e de perniciosa presunção, que os pode perder, não querem acreditar. Dizem que Deus é bom e misericordioso, que não nos criou para a condenação, que todos pecam, que não morrerão impenitentes, que um bom “Peccavi – Pequei” à hora da morte é suficiente. E, para mais, são devotos de Nossa Senhora, usam o escapulário, rezam diariamente, sem falha e sem vaidade, sete Pai-Nossos e sete Ave Marias em sua honra. E, às vezes, até rezam o terço e o ofício da Santíssima Virgem, e até jejuam! Para confirmar o que dizem e para ainda mais se cegarem, citam algumas histórias que ouviram ou leram em algum livro, histórias verdadeiras ou falsas (isso pouco importa). Nestas se conta como pessoas mortas em pecado mortal sem confissão, foram ressuscitadas para se confessarem porque durante a vida tinham recitado orações ou praticado alguns atos de devoção à Santíssima Virgem. Ou ainda como a alma ficou miraculosamente no corpo até à confissão, ou obteve de Deus contrição e perdão dos seus pecados no momento da morte pela misericórdia da Virgem, sendo por este modo salva. E estes falsos devotos esperam o mesmo.
98 – Nada é tão prejudicial no cristianismo como esta presunção diabólica. Pois poder-se-á dizer com verdade, que se ama e honra a Santíssima Virgem, quando se fere, traspassa, crucifica e ultraja impiedosamente Jesus Cristo, seu Filho, com o pecado? Se Maria se comprometesse a salvar por misericórdia, esta espécie de pessoas, autorizaria o crime, ajudaria a crucificar e ofender seu Filho. Quem ousará sequer pensar coisa semelhante?
99 – A devoção à Santíssima Virgem é, depois da de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, a mais santa e a mais sólida. Por isso digo, que abusar assim dela é cometer um horrível sacrilégio que, depois da Comunhão sacrílega, é o mais imperdoável de todos. Concordo que, para ser verdadeiro devoto da Santíssima Virgem, não é absolutamente necessário ser tão santo que se evite todo pecado, embora isso fosse de desejar, mas, pelo menos, é preciso (e note-se bem o que vou dizer): 1º Ter uma sincera resolução de evitar, ao menos, todo pecado mortal, que ultraja tanto a Mãe como o Filho. 2º Fazer esforços para evitar o pecado. 3º Entrar em confrarias, rezar o terço, o santo rosário ou outras orações, jejuar ao Sábado, etc.
100 – Isto é duma utilidade maravilhosa para a conversão dum pecador, mesmo endurecido. Se o meu leitor está nesse caso, aconselho-o a que o faça, ainda mesmo que tenha já um pé no abismo. Mas que faça estas boas obras unicamente com o fim de obter de Deus, por intercessão da Santíssima Virgem, a graça da contrição e do perdão dos seus pecados, e a graça de vencer os seus maus hábitos. E não será para se conservar pacificamente em estado de pecado, calando o remorso da sua consciência, desprezando o exemplo de Jesus Cristo e dos santos, e as máximas do santo Evangelho.
101 - 5º Os devotos inconstantes. Os devotos inconstantes são aqueles que praticam a devoção à Santíssima Virgem a intervalos e por capricho: ora são fervorosos, ora tíbios; ora parecem dispostos a fazer tudo para servir Nossa Senhora, ora, e pouco depois, já não parecem os mesmos. A princípio abraçarão todas as devoções à Santíssima Virgem, entrarão em suas confrarias, mas depois não observarão as suas regras com fidelidade. Mudam como a lua, e Maria coloca-os com o crescente sob os seus pés, porque são volúveis e indignos de serem contados entre os servos desta Virgem fiel. Estes têm a fidelidade e a constância por herança. Mais vale não se sobrecarregar com tantas orações e práticas de devoção, e fazer pouco com amor e fidelidade, a despeito do mundo, do demônio e da carne.
102 – 6º Os devotos hipócritas. Há ainda outros falsos devotos da Santíssima Virgem, que são os devotos hipócritas. Cobrem os seus pecados e maus hábitos com a capa desta Virgem fiel, a fim de passar pelo que não são aos olhos dos homens.
103 – 7º Os devotos interesseiros. Os devotos interesseiros só recorrem à Santíssima Virgem para ganhar algum processo, para evitar algum perigo, para obter a cura de alguma doença, ou para qualquer outra necessidade deste gênero. Sem isso esquecê-la-iam. Uns e outros são falsos devotos, e não têm aceitação diante de Deus nem de sua Mãe.
104 – Evitemos, portanto, pertencer ao número dos devotos críticos, que não acreditam em nada e criticam tudo; dos devotos escrupulosos, que temem ser demasiado devotos da Santíssima Virgem, por respeito para com Jesus Cristo; dos devotos exteriores, que fazem consistir toda a sua devoção em práticas externas; dos devotos presunçosos, que, ao abrigo da sua falsa devoção à Santíssima Virgem, apodrecem nos seus pecados; dos devotos inconstantes que, por leviandade, variam as suas práticas de devoção, ou as deixam completamente à menor tentação; dos devotos hipócritas, que entram em confrarias e usam as librés da Virgem a fim de passarem por bons; e finalmente, dos devotos interesseiros, que só recorrem à Santíssima Virgem para serem livres dos males do corpo, ou obterem bens temporais.

ARTIGO SEGUNDO – SINAIS DA VEDFDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM.
105 – Depois de termos posto a descoberto e condenado as falsas devoções à Santíssima Virgem, é necessário estabelecer, em poucas palavras, a verdadeira que é: 1º interior; 2º terna; 3º santa; 4º constante; 5º desinteressada.
106 – 1º A verdadeira devoção é interior. A verdadeira devoção à Santíssima Virgem é, em primeiro lugar, interior, quer dizer, parte do espírito e do coração; provém da estima que se tem à Santíssima Virgem, e da alta idéia que se forma das suas grandezas, e do amor que se lhe consagra* (* Comentário: Este parágrafo e os seguintes são importantíssimos para a vida espiritual. O leitor faz bem em completá-los com a leitura dos números 165 e 260, onde São Luís Maria dá uma explicação mais pormenorizada do caráter interior da verdadeira devoção).
107 – 2º A verdadeira devoção é terna. Em segundo lugar, é terna, isto é, cheia de confiança na sua boa mãe. Faz com que uma alma recorra a Maria em todas as necessidades do corpo e do espírito, com muita simplicidade, confiança e ternura. A alma implora o auxílio desta terna Mãe em todo o tempo, lugar e circunstância: nas dúvidas, para ser reerguida; nos desânimos, para ser encorajada; nos escrúpulos, para ser livre deles; nas cruzes, trabalhos e revezes da vida, para ser consolada. Numa palavra, em todos os males físicos ou espirituais, Maria é o seu socorro habitual, não receando ela importunar esta boa Mãe, nem desagradar a Jesus Cristo* (*Comentário: A ternura duma verdadeira devoção à Santíssima Virgem não deve manifestar-se apenas quando nos encontramos em necessidade corporal ou espiritual. A ternura da nossa entrega-total exige também que vivamos com Nossa Senhora as nossas alegrias, que estejamos muito atentos seus desejos, que nos unamos a Ela numa santa conspiração de amor a Deus e ao próximo).
108 – 3º A verdadeira devoção é santa. A verdadeira devoção à Santíssima Virgem é santa, isto é, leva a alma a evitar o pecado e a imitar as virtudes de Maria, particularmente a sua profunda humildade, a sua fé viva, a sua obediência cega, a sua contínua oração, a sua mortificação universal, a sua pureza divina, a sua ardente caridade, a sua paciência heróica, a sua doçura angélica e sabedoria divina. Estas são as dez principais virtudes da Santíssima Virgem.
109 – 4º A verdadeira devoção é constante. Em quarto lugar, a devoção verdadeira é constante, fortalece a alma no bem e eleva-a a não abandonar com facilidade os seus exercícios de devoção. Torna-a corajosa em opor-se ao mundo com as suas modas e máximas; à carne com seus aborrecimentos e paixões, e ao demônio com suas tentações. De modo que uma pessoa verdadeiramente devota da Santíssima Virgem não é volúvel, melancólica, escrupulosa nem receosa. Não quer isto dizer que não caia, ou que não mude algumas vezes na sensibilidade da sua devoção. Mas se cai, estende a mão à sua boa Mãe e levanta-se. Se perde o gosto e a devoção sensível, não se perturba, porque o justo e fiel servo de Maria vive da fé em Jesus e Maria, e não dos sentidos do corpo (Veja o Comentário ao número 55).
110 – 5º A verdadeira devoção é desinteressada. Finalmente, a verdadeira devoção à Santíssima Virgem é desinteressada, pois inspira à alma que não se busque a si mesma, mas só a Deus em sua santa Mãe. O verdadeiro devoto de Maria não serve esta augusta Rainha por espírito de lucro ou de interesse, mas unicamente porque Ela merece ser servida, e Deus nela. Não ama Maria propriamente porque recebe ou espera dela algum bem, mas porque é amável. É por isso que a ama e serve tão fielmente nos desgostos e securas como nas doçuras e no fervor sensível (Veja o comentário ao número 55). Ama-a tanto no Calvário como nas bodas de Caná. Oh! Como é agradável e preciosa aos olhos de Deus e de sua santa Mãe uma tal alma, que não se busca a si mesma nos serviços que lhe presta! Mas como o intuito de que não seja tão rara, que peguei na pena e escrevi o que tenho ensinado com fruto, em público e em particular, nas minhas missões, durante muitos anos (*Comentário: Ninguém se assuste com altas exigências duma verdadeira devoção, formuladas nestes números (106-110)! Assim como não é preciso saber o alfabeto quando se começa a aprender a ler, também não é necessário ser já perfeito antes de abraçar a devoção da entrega total. O que é indispensável é que se esteja de boa vontade para obedecer à Nossa Senhora, e para lhe ficar fiel. Então Ela se encarregará de aperfeiçoar a nossa devoção tirando-lhe tudo o que tem de falso. (Cf. “Convém saber… G”).

CAPÍTULO SEGUNDO – VÁRIAS FORMAS DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM.
INDRODUÇÃO
111 – Muito já disse acerca da Santíssima Virgem, mas muito mais me resta dizer, e infinitamente mais será o que hei de omitir por ignorância, insuficiência, ou falta de tempo, no desígnio que tenho de formar um verdadeiro devoto de Maria e um verdadeiro discípulo que tenho de formar um verdadeiro devoto de Maria e um verdadeiro discípulo de Jesus Cristo.
112 – Oh! Como seria bem empregue o meu trabalho, se este pequeno escrito caísse nas mãos duma alma bem nascida, nascida de Deus e de Maria, não do sangue ou da vontade da carne, nem da vontade do homem, e se este livrinho lhe revelasse e inspirasse, pela graça do Espírito Santo, a excelência e o valor da verdadeira e sólida devoção à Santíssima Virgem, que vou descrever!
Se eu soubesse que o meu sangue criminoso podia servir para fazer entrar no coração as verdades que escrevo em honra da minha querida Mãe e soberana, de quem sou o último dos filhos e dos escravos, servir-me-ia dele em vez de tinta, para escrever as letras. Tenho esperança de encontrar almas boas que, pela sua fidelidade à prática que ensino, compensarão a minha querida Mãe e Senhora das perdas que a minha ingratidão e infidelidade lhe têm causado.
113 – Sinto-me, mais do que nunca, animado a crer e a esperar em tudo aquilo que trago profundamente gravado no coração, e já há muitos anos peço a Deus: que mais tarde ou mais cedo a Santíssima Virgem terá um número nunca igualado de filhos, servos e escravos de amor e que, por este meio, Jesus Cristo, meu Mestre muito amado, reinará nos corações como nunca.
114 – Prevejo que muitos animais rugidores virão enraivecidos para rasgarem com os seus dentes diabólicos este pequeno escrito e aquele de quem o Espírito Santo se serviu para o compor. Pelo menos envolverão este livrinho nas trevas e no silêncio duma arca, a fim de que não apareça (Veja “Convém saber… A”). Atacarão mesmo e perseguirão aqueles que o lerem e puserem em prática. // Mas que importa? Tanto melhor! Esta visão anima-me e faz-me esperar um grande êxito, isto é, um grande esquadrão de bravos e valorosos soldados de Jesus e Maria, de ambos os sexos, que combaterão o mundo, o demônio e a natureza corrompida, nos tempos perigosos que mais que nunca se aproximam! “Qui legit, intelligat – aquele que lê, entenda! Qui potest capere, capiat – Quem pode compreender, compreenda!” (Mat 24, 15 e 19, 12).

ARTIGO PRIMEIRO – PRÁTICAS COMUNS DE VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM
115 – São muitas as práticas interiores da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Eis, em resumo, as principais:
1º Honrá-la como digna Mãe de Deus, com o culto de hiperdulia, ou seja, estima-la acima de todos os outros santos, como a obra-prima da graça, e a primeira depois de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
2º Meditar nas suas virtudes, privilégios e ações.
3º Contemplar as suas grandezas.
4º Dirigir-lhe atos de amor, de louvor e de reconhecimento.
5 º Invoca-la com todo o coração.
6 º Oferecer-se e unir-se a Ela.
7 º Fazer as suas ações com o fim de lhe agradar.
8º Começar, continuar e terminar todas as ações por Ela, nela, com Ela e para Ela, a fim de as fazer por Jesus Cristo, em Jesus Cristo, com e para Jesus Cristo, nosso último fim. Mais adiante explicaremos esta última prática. (Veja os números 257ss.)
116 – A verdadeira devoção à Santíssima Virgem tem igualmente várias práticas exteriores (*), sendo as principais: (*COMENTÁRIO: As práticas exteriores não têm valor se não forem manifestadas das nossas boas disposições espirituais (veja os números 117 e 226). E mesmo assim têm só um valor relativo. Por isso podem ser substituídas por outras ou até omitidas, se houver exigências maiores (Cfr. p.e. número 236):
1º Inscrever-se nas suas confrarias e entrar nas suas congregações. (*COMENTÁRIO: Existe a Arquiconfraria de Maria, Rainha dos Corações, em que se podem mandar inscrever as pessoas que tiveram a consagração de si mesmas a Jesus pelas mãos de Nossa Senhora conforme a doutrina de São Luís Maria de Montfort, exposta nos números 120 ss, e as que têm a firme vontade de se conservar fiéis à sua consagração total. O endereço é: Administração da Arquiconfraria de Maria, Rainha dos Corações. Seminário Monfortino – FÁTIMA. Os estatutos desta Arquiconfraria encontra-se no apêndice.);
2º Entrar nas ordens religiosas instituídas em sua honra.
3º Publicar os seus louvores.
4º Dar esmolas, jejuar e fazer mortificações espirituais ou corporais em sua honra.
5º Trazer as suas librés como o santo rosário, o terço, o escapulário ou a cadeiazinha (Veja o comentário aos números 236ss.).
6º Rezar com modéstia, atenção e devoção o santo rosário (composto de quinze dezenas de Ave Marias, em honra dos quinze principais mistérios de Jesus), ou o terço de cinco dezenas.
Este é a terça parte do rosário, e honra os cinco mistérios gozosos, dolorosos ou gloriosos. Os mistérios gozosos são: a Anunciação, a Visitação, o Nascimento de Jesus Cristo, a Purificação e o encontro de Jesus no Templo. Os mistérios dolorosos são: a Agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras, a sua Flagelação, a Coroação de espinhos, o Carregamento da cruz e a Crucifixão. E os mistérios gloriosos são: a Ressurreição de Jesus, a sua Ascensão, a Descida do Espírito Santo ou Pentecostes, a Assunção da Santíssima Virgem ao céu, em corpo e alma, e a sua Coroação pelas três Pessoas da Santíssima Trindade. Também se pode rezar um terço de seis ou sete dezenas, em honra dos anos que se supõe ter vivido a Santíssima Virgem na terra. Ou ainda a coroinha de Nossa Senhora, composta de três Pai Nossos e doze Ave Marias, em honra da sua coroa de doze estrelas ou privilégios. Igualmente se pode rezar o ofício da Santíssima Virgem, tão universalmente aceito e recitado na Igreja. Ou o pequeno saltério de Nossa Senhora, composto por São Boaventura em sua honra e que é tão terno e devoto que não se pode rezar sem comoção. Ou catorze Pai Nosso e Ave Marias em honra das suas catorze alegrias. Enfim podem rezar-se quaisquer outras orações, hinos e cânticos da Igreja tais como a “Salve Rainha”, a “Alma”, a “Ave Regina coelorum” ou a “Regina caeli” – segundo os diferentes tempos -, a “Ave Maris Stella”, “O gloriosa Domina”, o “Magnificat”, ou outras fórmulas de devoção de que os livros estão cheios.
7º Cantar e fazer com que se cante em sua honra cânticos espirituais. 8° Dirigir-lhe um certo número de genuflexões ou inclinações, dizendo-lhe por exemplo sessenta ou cem vezes cada manhã: “Ave Maria, Virgem fiel”, a fim de obter de Deus por Ela a fidelidade à graça durante o dia. Da mesma maneira pudesse dizer à noite: “Ave Maria, Mãe de misericórdia”, para pedir por Ela perdão a Deus dos pecados cometidos nesse dia. 9º Cuidar das suas confrarias, enfeitar os seus altares, coroar e embelezar as suas Imagens. 10º Levar e fazer com que sejam levadas em procissão as suas imagens, e trazer uma consigo, como arma poderosa contra o espírito maligno. 11º Mandar fazer e colocar imagens suas ou o seu nome, nas igrejas, nas casas, nas portas e entradas das cidades, igrejas e habitações. 12° Consagrar-se a Ela duma maneira especial e solene.
117 – Há ainda numerosas práticas da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, que o Espírito Divino inspirou às almas santas, e que são muito santificadoras. Podem ver-se por extenso no “Paraíso aberto a Filágia” do Reverendo Padre Paulo Barry, da Companhia de Jesus (“Le Paradis ouvert à Philagia” etc, ± 1623). Nesse livro o autor recolheu grande número de devoções praticadas pelos santos em honra da Santíssima Virgem. Estas devoções são duma eficácia maravilhosa para santificar as almas, desde que sejam feitas: 1º com a boa e reta intenção de só agradar a Deus, e de se unir a Jesus Cristo, como a seu fim último, e de edificar o próximo; 2° com atenção, sem distrações voluntárias; 3° com devoção, sem precipitação nem negligência; 4° com modéstia e compostura respeitosa e edificante do corpo.

ARTIGO SEGUNDO – A PRÁTICA PERFEITA DE DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM CONSISTE NA CONSAGRAÇÃO TOTAL DE SI MESMO, OU SEJA, NA SANTA ESCRAVIDÃO DE AMOR
118 – Tenho lido quase todos os dias que tratam da devoção à Santíssima Virgem, e tenho conversado familiarmente com os mais santos e sábios personagens destes últimos tempos. No entanto declaro bem alto que não conheci nem apreendi prática de devoção semelhante à que vou expor (Veja o comentário ao número 131). Esta exige duma alma mais sacrifícios por Deus e esvazia-a mais de si mesma e do seu amor próprio. Conserva-a ainda mais fielmente na graça e a graça nela. Une-a também mais perfeitamente a Jesus Cristo, e, finalmente, é mais gloriosa para Deus, mais útil ao próximo.
119 – Como o essencial desta devoção consiste no interior, que ela deve formar, não será igualmente compreendida por todos. Uns ficarão no que é exterior e não passarão além; e estes serão a maioria. Outros, e serão em pequeno número, penetrarão no interior da devoção, mas subirão um degrau. Quem subirá ao segundo? Quem chegará ao terceiro? E quem aí se estabelecerá duma maneira permanente? Só aquele a quem o Espírito de Jesus Cristo revelar este segredo (*Comentário: se é certo que só relativamente poucas pessoas recebem a graça de entrarem no espírito desta devoção, para que então fazer ainda tanta propaganda dela? A resposta pode ser muito simples: a propaganda é o meio normal de que Deus se serve para distribuir as suas graças. Desta regra geral não devemos excluir arbitrariamente a graça desta devoção especial. No entanto é melhor contar sempre com a perda de muita das sementes. Por isso será prudente, enquanto possível, escolher terra boa e preparada para a sementeira). Será Ele próprio quem conduzirá a alma fidelíssima para lá, para avançar de virtude em virtude, de graça em graça, de luz em luz até que chegue à transformação em Jesus Cristo, à plenitude da sua idade na terra e da sua glória no céu.
120 – § 1° A entrega total a Maria é uma perfeita consagração a Jesus por Ela. Toda a nossa perfeição consiste em sermos conformes a Jesus Cristo, em nos unirmos e consagrarmos a ele. Por isso, a mais perfeita de todas as devoções é, indubitavelmente, aquela que nos conforma, nos une e nos consagração a Jesus Cristo não é mais que uma perfeita e inteira consagração da alma à Santíssima Virgem (*Comentário: Se alguém achar insuficiente a argumentação que São Luís Maria apresenta neste número, basta lembrar-se de que o maior argumento é sempre: Deus deu a Maria um papel especial na economia da salvação, e quer que os homens o reconheçam. A devoção da entrega total é um reconhecimento profundo desse papel). E nisto consiste a devoção que ensino ou, por outras palavras, consiste numa perfeita renovação dos votos e promessas do santo batismo (Veja o comentário ao número 126).
121 – Como fica dito, esta devoção consiste em nos darmos (*) inteiramente à Santíssima Virgem, para que por Ela pertençamos inteiramente a Jesus Cristo. É preciso que lhe demos: (*COMENTÁRIO: São Luís Maria não quer dizer que esta devoção seja já completa só com o ato da entrega total. Seria uma devoção demasiado transitória. Ao ato deve seguir-se uma vida inteira em que se procura ficar fiel a essa entrega, tentando viver com Maria para, unido a Ela, melhor viver com e para Deus, com e para o próximo).
1º o nosso corpo, com todos os seus sentidos e membros;
2º a nossa alma com todas as suas potências;
3º os nossos bens exteriores, chamados de fortuna, presentes e futuros;
4º os nossos bens interiores e espirituais, que são os nossos méritos, virtudes e boas obras passadas, presentes e futuras (*Comentário: Neste trecho e nos números seguintes, o leitor lembre-se de que os “bens interiores, méritos, virtudes…” não são coisas, mas são a vida sobrenatural ou aspectos dela. Explicamos isso no comentário ao número 23). Numa palavra, devemos dar tudo o que temos na ordem da natureza, e na ordem da graça, e tudo o que podemos vir a ter, no futuro, na ordem da natureza, da graça ou da glória. E isto sem excetuarmos nada, nem um centavo, nem um cabelo ou a menor boa ação. E isto por toda a eternidade, sem pretendermos esperar outra recompensa pelo nosso oferecimento e serviços, além da honra de pertencer a Jesus Cristo por Ela e nela, ainda que esta amável Senhora não fosse, como é sempre, a mais liberal e agraciada de todas as criaturas.
122 – É preciso notar, neste ponto, que há dois aspectos nas boas obras que fazemos, a saber: a satisfação e o mérito, ou por outra, o valor satisfatório ou impetratório e o valor meritório (*Comentário: Queremos aqui fazer uma explicação especial do comentário ao número 23 para dissipar algumas idéias erradas. // A vida divina em nós, ou seja amizade com Deus, pode intensificar-se. Isso acontece com cada boa obra, com cada ato feito por amor de Deus ou do próximo. Esta intensificação da amizade divina em nós chama-se mérito ou valor meritório da boa obra. É claro que esta intensificação acarreta necessariamente uma diminuição da nossa tibieza e egoísmo, provocados pelos pecados. A esta circunstância dá-se o nome de satisfação ou valor satisfatório da boa obra. Quanto mais íntima a nossa amizade. Isto implica um ajude a entregar-nos a Ele. Isto é o que se chama valor impetratório da boa obra. Não carece de explicação que a amizade não se pode dar a outras pessoas como se fosse uma maçã, e, conseqüentemente, também são inalienáveis a diminuição de egoísmo, bem como o acréscimo do sentimento da necessidade de ajuda divina. Esta nossa explicação mais teológica do valor das boas obras não concorda portanto, com a explicação materializada que São Luís Maria nos apresenta. // Embora não haja em nossas boas obras nenhum valor alienável, no verdadeiro sentido da palavra, sempre há nelas vantagens para os outros. Quantos a nossa amizade com Deus cresce por ocasião duma boa obra nossa, teremos depois mais influência junto do Altíssimo para intervir em prol dos outros, dos pecadores, das almas do purgatório. Mas não devemos pensar que podemos “pagar a conta” dos outros. São eles mesmos que devem renovar ou intensificar a amizade com Deus, aproveitando as oportunidades que Deus lhes proporciona. Ora, consiste nisto o que fazemos ao oferecemos satisfações a Deus em prol dos outros: pedimos-lhe que dê mais e melhores oportunidades a uma pessoa ou a uma alma, tomando em conta as nossas satisfações, para que ela cresça em amor ou que o amor se lhe purifique. // Não convém, pois, falar nem pensar em méritos como se fosse dinheiro que pudéssemos depositar num banco, nem em valores impetratórios como se se tratasse de créditos com que pudéssemos comprar alguma coisa, nem em satisfações como se fossem moedas com que se pudessem liquidar as dívidas próprias ou alheias). // O valor satisfatório ou impetratório duma boa ação consiste em satisfazer a pena devida ao pecado, ou em alcançar uma nova graça. O valor meritório, ou mérito, consiste em uma boa ação merecer a graça e a glória eterna. Ora, nesta consagração de nós mesmos Á Santíssima Virgem, damos-lhe todo o valor satisfatório ou impetrátório e o valor meritório ou seja, as satisfações e os méritos de todas as nossas boas obras. Damos-lhe os nossos méritos, as graças e virtudes, não para as comunicar a outrem mas para que, como depois diremos (Veja os números 146ss.), Ela no-los conserve, aumente e aperfeiçoe. Os méritos, graças e virtudes, são, pois, propriamente falando, inalienáveis. Só Jesus Cristo, tornando-se a nossa garantia junto do Pai, nos pode comunicar os seus méritos. Damos-lhe as nossas satisfações para as comunicar a quem entender e para maior glória de Deus.
123 – Daqui se segue:
1º que por esta devoção damos a Jesus Cristo tudo o que podemos dar. // Fazemo-lo da maneira mais perfeita, visto ser pelas mãos de Maria. E damos assim muito mais do que pelas outras devoções, em que lhe consagramos parte do nosso tempo, ou parte das nossas boas obras, ou parte das nossas satisfações e mortificações. Aqui tudo fica dado e consagrado, até mesmo o direito de dispor dos bens interiores, e das satisfações que se ganham com as boas obras de cada dia. // ISTO NÃO SE PEDE MESMO EM NENHUMA ORDEM RELIGIOSA. Na vida religiosa, dão-se a Deus os bens de fortuna, pelo voto de pobreza, os bens do corpo pelo voto de castidade, a vontade própria pelo voto de obediência e, às vezes, a liberdade física pelo voto de clausura. Mas não se lhe dá a liberdade ou o direito de dispor do valor das boas obras, não se renuncia, tanto quanto é possível ao que o cristão tem de mais precioso e mais querido quer são os seus méritos e satisfações (*Comentário: Como explicamos no número anterior, não é possível alienar a nossa amizade com Deus, nem as conseqüências e influências dela. Mas podemos sim, renunciar ao direito de aplicar independentemente esta influência em prol de uma certa pessoa, duma certa alma, duma certa intenção… O total-consagrado não quer usar a sua influência junto de Deus senão depende de Nossa Senhora. Se Ela quiser que ele empregue a sua influência em prol de outros, talvez desconhecidos, conforma-se de antemão com esse desejo maternal de Maria. As obrigações e intenções do total-consagrado não sofrem com tal procedimento, porque Nossa Senhora não deixa vencer em generosidade).
124 - 2º Segue-se ainda que uma pessoa, assim voluntariamente consagrada e sacrificada a Jesus Cristo por Maria, já não pode dispor (*) do valor de qualquer das suas boas ações (*Comentário: É preciso acrescentar a palavra independentemente. A consagração não nos reduz a atividade! A nossa atividade é indispensável. Veja o comentário ao nº 122). Tudo o que sofre, tudo o que pensa, diz e faz, tudo isso pertencer a Maria. Ela pode empregá-lo segundo a vontade de seu Filho e para sua maior glória, sem que, todavia, esta dependência prejudique de modo algum as obrigações do estado a que essa pessoa atualmente ou no futuro pertença. Por exemplo, as obrigações dum sacerdote que, por seu ofício, ou por outra razão deve aplicar o valor satisfatório e impetratório da Santa Missa a um particular. Pois esta doação total só se faz conforme a ordem que Deus estabeleceu e os deveres de estado.
125 – 3º Enfim, segue-se que a consagração é feita ao mesmo tempo à Santíssima Virgem como ao meio perfeito que Jesus Cristo escolheu para se unir a nós, e nos unir a Ele. A Nosso Senhor como ao nosso fim último, a quem devemos tudo o que somos, como ao nosso Redentor e nosso Deus.
126 - § 2º A entrega total a Maria é uma perfeita renovação das promessas do batismo. // Como disse, esta devoção podia muito justamente chamar-se uma renovação perfeita dos votos, ou promessas do Santo Batismo (*Comentário: A afirmação de que a devoção da consagração total é um perfeito, parece uma idéia isolada, um pensamento fora do contexto. Isto bem como o modo energético com que o santo autor apresenta este assunto, causa espanto e carece, portanto, duma explicação.). Todo cristão, efetivamente, antes do Batismo, era escravo do demônio, pois lhe pertencia. Ao receber este sacramento, renunciou solenemente, por si ou pela boca do seu padrinho e madrinha, a satanás, à suas pompas e às suas obras. Assim tomou a Jesus Cristo por seu mestre e soberano senhor, a fim de depender dele na qualidade de escravo de amor. É o que se faz pela presente devoção: renuncia-se (como está expresso na fórmula da consagração**), ao demônio, ao mundo, ao pecado e a si mesmo, e a alma dá-se inteiramente a Jesus Cristo pelas mãos de Maria. E ainda se faz mais, porque no batismo fala-se habitualmente pela boca de outra pessoa, isto é, do padrinho e da madrinha. A entrega a Jesus Cristo é feita por intermediários. Mas nesta devoção damo-nos por nós mesmos, voluntariamente, com conhecimento de causa. // No batismo, não nos damos a Jesus Cristo pelas mãos de Maria, ao menos não da maneira expressa, e não damos a Jesus Cristo o valor das nossas boas obras. Ficamos, depois de recebido o sacramento, com plena liberdade de aplicar aquele valor a quem quisermos ou de o reservarmos para nós. Por esta devoção, porém, damo-nos expressamente a Nosso Senhor pelas mãos de Maria, e consagramo-lhe o valor de todas nossas ações.
127 – Os homens, diz São Tomás, fazem do Batismo, o voto de renunciar ao demônio e às suas pompas: “In Baptismo vovent homines abrenunciare diabólo at pompis ejus”. E este voto de ficamos em Cristo, diz Santo Agostinho, é o maior e o mais indispensável: “Votum maximum nostrum quo vovimus nos in Christo esse mansruros” (Epístola 59 ad Paulin). O mesmo dizem os canonistas: “Praecipuum votum est quod in baptismate facimus – O principal voto é aquele que fazemos no Batismo”. No entanto, quem é que guarda este grande voto? Quem cumpre fielmente as promessas do santo Batismo? Não é verdade que quase todos os cristãos quebram a fidelidade prometida a Jesus Cristo no seu Batismo? Donde provirá este desregramento universal, senão do esquecimento em que se vive das promessas e compromissos do Batismo, e do fato de que quase ninguém ratifica por si mesmo o contrato de aliança que fez com Deus, pela pessoa de seus padrinhos!
128 – Isto é muito verdade. O Concílio de Sens foi convocado por ordem de Luís, o Bondoso, para remediar as grandes desordens dos cristãos. Ora, este Concílio entendeu que a principal causa desta corrupção de costumes vinha do esquecimento e da ignorância em que se vivia das promessas do Batismo. E não encontrou melhor meio para remediar tão grande mal, que levar os cristãos a renovar o voto e promessa do santo Batismo.
129 – O catecismo do Concílio de Trento, fiel intérprete das intenções deste santo Concílio, exorta os párocos a fazer o mesmo. Levem os seus fiéis a recordar e crer que estão ligados e consagrados a Nosso Senhor Jesus Cristo como escravos a seu Redentor e Senhor. Eis as suas palavras: “Parochus fidelem populum ad eam rationem cohortabitur, ut sciat aequissimum esse… nos ipsos non secus ac mancipia. Redemptori nostro et Domino in perpetuum addicere et consecrare” (Cat. Conc. Trid., part. I, c. 3,1).
130 – Ora, os concílios, os Padres da Igreja e até a experiência mostram-nos que o melhor meio para remediar os desregramentos dos cristãos, é lembrar-lhes as obrigações do seu Batismo e fazer-lhes renovar os votos que nele emitiram. Portanto, não é razoável que façamos agora duma maneira perfeita, por esta devoção e consagração a Nosso Senhor por meio de sua Mãe Santíssima? Digo de uma maneira perfeita, porque, ao consagramo-nos a Jesus Cristo, nos servimos do mais perfeito de todos os meios, que é a Virgem Santíssima.
131 – § 3º Resposta a algumas objeções.
Não se pode observar que esta devoção é nova ou indiferente, quer dizer sem importância. Não é nova*, pois os concílios, os Padres e vários outros autores antigos e modernos (* Comentário: aqui são Luís Maria Parece contradizer o que escreveu no n° 118. Aliás, nesta matéria o Santo autor tem mais informações que parecem contraditórias. Tinha ele vivido esta devoção tão intensamente, que julga apresenta-la neste livrinho dum modo novo a pessoal, p. e. mais radical, abrangendo mais todas as atividades da vida? ** São Luís escreve em 1712), falam desta devoção a Nossa Senhora ou renovarão dos votos do Batismo, como de coisa praticada anti¬gamente, e que aconselham a todos os cristãos. Não é indiferente ou sem importância, porque a principal fonte de todas as desordens e logo, da condenação dos cristãos, vem do esquecimento e do abandono desta prática.
132 - Poderá alguém dizer que esta devoção, fazen¬do-nos dar a Nosso Senhor, pelas mãos da Santíssima Virgem, o valor de todas as nossas boas obras, orações, mortificações e esmolas, nos impossibilita de socorrermos as almas de nossos parentes, amigos e benfeitores. // Respondo, em primeiro lugar, que não é de crer que os nossos amigos, parentes ou benfeito¬res sejam prejudicados pelo fato de nos termos dedicado e consagrado sem reservas ao serviço de Nosso Senhor e da sua Santa Mãe. Pensá-lo seria fazer uma injúria ao poder e a bondade de Jesus e Maria, que saberão muito bem socorrer os nossos parentes, amigos e benfeitores com o nosso pequeno tesouro espiritual, ou por outros meios. // Em segundo lugar, esta prática não impede que se reze pelos outros, quer sejam vivos ou mortos, embora a aplicarão das nossas boas obras dependa da vontade da Santíssima Vir¬gem. Levar-nos-á, pelo contrario, a orar com mais confiança. Precisamente como uma pessoa rica que tivesse entregado toda a sua fortuna a um grande príncipe, para o honrar melhor, suplicaria com mais confiança a este príncipe, que desse esmola a algum dos seus amigos que lha pedisse. Daria, ate, prazer ao príncipe o proporcionar-lhe assim ocasião de mostrar o seu reconhecimento para com uma pessoa que se despojou para o revestir, e que se fez pobre para o honrar. O mesmo se deve dizer de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem: nunca se deixarão vencer em gratidão.
133 - Dirá talvez outro: se dou a Santíssima Virgem todo o valor das minhas ações para que o aplique a quem quiser, será talvez preciso que sofra muito tempo no purgatório*. (*) COMENTARIO: Só uma concepção pouco teológica pode dar origem a esta objeção, pois parte nitidamente duma idéia comer¬cial do valor duma boa obra: quem der o seu dinheiro todo a outra pessoa, ficará sem nada, não podendo pagar depois as suas próprias contas… Mas o valor duma boa obra não tem nada a ver com isso, como explicamos no comentário ao número 122. Precisamente aquilo que nos salva do purgatório (o amor puro, desinteressado e ardente) e efeito inalienável das nossas boas obras. Portanto, a completamente impossível viver bem (estando em estado de graça) a não crescer ao mesmo tempo em amor para com Deus e o próximo. Quanto mais intenso e desinteressado for o nosso amor, tanto menos precisaremos do purgatório. O fato de renunciarmos ao direito de aplicar a determinada pessoa ou alma a nossa influência junto de Deus, fruto duma boa obra, não enfraquece este nosso amor, mas, pelo contrário, intensifica-o. Ajuda-nos, portanto, a não precisarmos canto do purgatório)
Esta objeção, que nasce do amor próprio e da ignorância acerca da liberalidade de Deus e da Virgem destrói-se por si mesma. Uma alma fervorosa e generosa, que preza mais os interes¬ses de Deus que os seus; que dá a Deus, sem reservas, tudo o que tem, sem poder dar mais, “non plus ultra”; que só anseia pela gloria e pelo reino de Jesus por Maria, e que se sacrifica inteiramente para o conseguir, essa alma genero¬sa e liberal haverá de ser castigada no outro mundo por ter sido mais liberal e mais desinte¬ressada do que as outras? De modo nenhum; e para com essa alma, como veremos mais adiante, que Nosso Senhor e sua Santa Mãe são muito liberais neste mundo e no outro na ordem da natureza da graça e da glória.

ARTIGO TERCEIRO
OS MOTIVOS QUE
RECOMENDAM ESTA DEVOÇÃO
134 - E necessário vermos agora, o mais brevemen¬te possível, os motivos que nos devem tornar recomendável esta devoção, os maravilhosos efei¬tos que produz nas almas fieis, e as suas práticas.
Primeiro motivo: o serviço mais perfeito de Deus.
135 – Na terra não se pode conceber ofício mais elevado que o serviço de Deus e o menor dos servos de Deus é mais rico, mais poderoso e mais nobre que todos os reis e imperadores do mundo, se estes não servem a Deus! Quais não serão então as riquezas, o poder e a dignidade do fiel e perfeito servo de Deus, que se dedique inteiramente ao seu serviço sem reservas, tanto quanto possível? Tal é um fiel e amoroso escravo de Jesus por Maria. Entregou-se todo ao serviço desde Rei dos reis pelas mãos da Sua Santa Mãe, e nada reservou para si. Todo o ouro da terra e as belezas do céu são insuficientes para o pagar.
136 - As outras congregações, associações e con¬frarias erigidas em honra de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, fazem bem no cristianismo, mas não nos levam a dar tudo sem reserva. Apenas prescrevem aos seus associados a obrigação de certas práticas e ações, mas deixam-lhes livres todos os outros atos e momentos da vida. Mas a devoção de que falamos, faz-nos dar incondicio¬nalmente a Jesus e a Maria todos os pensamen¬tos, palavras, ações, sofrimentos e instantes da nossa vida. Deste modo quer velemos, quer dur¬mamos, quer bebamos ou comamos, quer façamos grandes ou pequeninas coisas, pode sempre dizer-se que tudo o que fazemos, embora nisso não pensemos, pertence a Jesus e a Maria em virtude do nosso oferecimento, a não ser que o tenhamos expressamente revogado. Que consolação!
137 - A1ém disso, como já ficou dito (*Veja os números 88 e 110), não há nenhuma outra pratica que nos liberte mais facil¬mente dum certo espírito de propriedade que penetra imperceptivelmente nas melhores ações. O nosso bom Jesus concede esta grande graça em recompensa do ato heróico e desinteressado que se fez, cedendo-lhe, pelas mãos de sua Mãe, o valor das boas obras. Se Ele da cem por um (Cfr. Mat. 19, 29), mesmo neste mundo, aqueles que por seu amor deixam os bens exteriores, temporais, perece¬douros, que recompensa não dará àquele que lhe sacrificar mesmo os bens interiores e espirituais?
138 - Jesus, o nosso grande amigo, deu-se-nos sem reserva, corpo e alma, virtudes, graças e méritos. “Se toto totum me comparavit” diz São Bernar¬do: “Ele ganhou-me todo, dando-se todo a mim”. Não e dever de justiça e de reconhecimento que lhe demos tudo o que pudermos? Ele foi o primeiro a ser liberal para conosco. Sejamo-lo por nosso lado, e vê-lo-emos cada vez mais liberal ainda, durante a nossa vida, na hora da morte e por toda a eternidade: “Cum liberali liberalis erit - Ele será generoso para com aque¬les que são generosos para com Ele”.
Segundo motivo: a imitação de Jesus Cristo e de Deus.
139 - Este bom Mestre não recusou encerrar-se no seio da Santíssima Virgem como um cativo e escravo de amor, nem ser-lhe submisso e, obede¬cer-lhe durante trinta anos, a aqui, repito, que o espírito humano se perde, quando reflete seria¬mente sobre esta maneira de proceder da Sabe¬doria Encarnada. Embora o pudesse fazer, não quis dar-se diretamente aos homens, mas, fê-lo pela Virgem Santíssima. Não quis vir ao mundo na idade de homem perfeito, independente de outrem mas antes como uma pobre e pequenina criança, dependente dos cuidados e sustento de sua Mãe. Esta Sabedoria infinita, que tinha um desejo imenso de glorificar a Deus, seu Pai, e de salvar os homens, não achou meio mais perfeito nem mais rápido para o fazer do que submeter-se a Santíssima Virgem. E era uma submissão em todas as coisas, não somente durante os oito, dez ou quinze primeiros anos da sua vida, como as outras crianças, mas durante trinta anos. E deu mais glória a seu Pai durante esse tempo de sujeição e dependência da Virgem Santíssima, do que lhe teria dado empregando esses trinta anos a fazer prodígios, a pregar a toda a terra, a converter todos os homens; do contrário, teria feito tudo isso! Oh! como glorifica altamente a Deus quem se submete a Maria, seguindo o exemplo de Jesus! // Tendo diante dos olhos um exemplo tão visível e conhecido de todos, somos tão insensatos para julgarmos poder encontrar um meio mais perfeito e mais direto de glorificar a Deus, do que a sua submissão a Maria, a exemplo de seu divino Filho?
140 - Recorde-se aqui, como prova da dependência que devemos ter para com a Mãe de Deus, o que acima disse (*Veja os números 16 a 36). Lá apontei os exemplos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo nos dão da sujeição que devemos à Santíssima Virgem. O Pai não deu nem dá seu Filho senão por Ela, não suscita novos filhos senão por Ela, e só por Ela comuni¬ca as suas graças. Deus Filho não foi formado para todos em geral, senão por Ela. Só por Ela, em união com o Espírito Santo, Jesus a formado e gerado todos os dias (nas almas) e só por Ela comunica os seus méritos e virtudes. O Espírito Santo não formou Jesus Cristo senão por meio dela, só por Ela forma os membros do seu Corpo Místico, e somente por Ela dispensa os seus dons e favores. Poderemos sem extrema cegueira, depois de tantos e tão instantes exemplos da Santíssima Trindade, passar sem Maria, não nos consagrarmos a Ela e nem dependermos dela para irmos a Deus e para nos sacrificarmos a Ele?
141 - Eis algumas passagens latinas dos Padres, que escolhi para provar o que acabo de dizer: “Duo filii Mariae sunt, homo Deus et homo purus; unius corporaliter et alterius spiritualiter mater est Maria. - Maria tem dois filhos, um Homem-Deus e o outro homem puro. Do primei¬ro e Mãe corporalmente e do segundo espiritualmente”. “Haec est voluntas Dei, qui totum nos voluit habere per Mariam; ac proinde, si quid spei, si quid gratiae, si quid salutis, ab ea nove¬rimus redundare. - Esta é a vontade de Deus, que quis quis recebêssemos tudo por Maria. Se, pois, temos alguma esperança, alguma graça, algum dom salutar, saibamos que nos vem dela”. // “Omnia dona, virtutes, gratiae ipsius Spiritus Sancti, quibus vult, et quando vult, quomodo vult, quantum vult per ipsius manus adminis¬trantur. - Todos os dons, virtudes e graças do Espírito Santo são distribuídos pelas mãos de Maria, a quem Ela quer, quando, como e na medida que Ela quer”. // “Quia indignus eras cui daretur, datum est Mariae, ut per eam acciperes quidquid haberes. - Eras indigno de receber as graças divinas, foi por isso que elas foram dadas a Maria, a fim de que recebesses por Ela tudo o que hajas receber” (Estes textos sao respectivamente de: Orígenes e S. Boaventura: Speculum BMV, Lec. 111, § I, 2.1; S. Bernardo: De Aquaeductu, 6; S. Bemardino de Sena: Sermo in Nativit. BV, art. 1, cap. 8; S. Bernardo: Sermo 3 in Vigilia Nat. Dmni, 10).
142 - Deus vê que somos indignos de receber as graças diretamente das suas mãos, diz São Ber¬nardo. Por isso dá-as a Maria a fim de que por Ela recebamos tudo o que Ele nos quis dispensar. E Deus encontra também a sua glória em receber pelas mãos de Maria o reconhecimento, o respei¬to, e o amor que lhe devemos pelos seus benefícios. E, pois, muito justo que imitemos o proce¬dimento de Deus, “para que a graça, - diz ainda São Bernardo, - regresse ao seu Autor pelo mesmo canal por onde veio - Ut eodem alveo ad largitorem gratia redeat quo fluxit” (De Aquaeductu, 18). // E precisamente o que fazemos por esta devoção: oferecemos e consagramos tudo o que somos e tudo o que possuímos a Santíssima Virgem, para que Nosso Senhor receba por seu intermédio a gloria e o reconhecimento que lhe deve¬mos. Reconhecemo-nos indignos e incapazes de nos abeirarmos da sua Majestade infinita só por nós mesmos, e por isso servimo-nos da intercessão da Santíssima Virgem (*COMENTARIO: Nos comentários aos números 83 ss, explicamos que a verdadeira razão por que necessitamos duma Medianeira é a vontade de Deus. Nos mesmos comentários também já falamos sobre a nossa capacidade e dignidade de nos aproximar¬mos diretamente de Deus).
143 - Além disso, trata-se aqui dum ato de profun¬da humildade, virtude que Deus ama acima de todas as outras. Uma alma que se eleva, rebaixa a Deus; uma alma que se humilha, eleva a Deus. Deus resiste aos soberbos e da a sua graça aos humildes (S.Tiago, 4, 6). Se nos humilharmos, julgando-nos indignos (*COMENTARIO: A humildade não consiste forcosamente em julgar-se indigno de qualquer ato: ela reconhece a verdade. Ora, verdade é que Jesus nos santificou com a sua própria vida, tornando-¬nos assim aptos a entrar em contato com Deus. No entanto, verdade é também que não correspondemos aos pianos do divino amor. Podemos considerar-nos, pois, indignos perante a imensa santidade e majestade de Deus, mas podemos também considerar-nos dignos perante a infinita misericórdia dele) de comparecer perante Deus e de nos aproximarmos Dele, Deus desce, abaixa-se para vir a nos, para se comprazer em nós, e para nos elevar apesar da nossa miséria. Mas, pelo contra¬rio quando alguém se aproxima ousadamente de Deus, sem querer medianeiros, Deus esquiva-se e não podemos chegar até Ele. Oh! como Ele ama a humildade de coração! E a esta humildade que leva a prática desta devoção, pois nos ensina a nunca nos aproximarmos de Nosso Senhor por nos mesmos por mais doce e misericordioso que seja. Mas devemos sempre servir-nos da intercessão de Maria para comparecermos diante de Deus, para lhe falarmos, para nos aproximarmos Dele, para lhe oferecermos alguma coisa, ou para nos unirmos e consagrarmos a Ele.
Terceiro motivo: a vantagem para a nossa alma.
144 - A Santíssima Virgem, que e uma Mãe toda doçura e misericórdia, nunca se deixa vencer em amor e liberalidade. Por isso, quando vê que alguém se lhe da totalmente para a honrar e servir despojando-se do que tem de mais querido para a amar, da-se também, inteiramente e duma maneira inefável, a quem tudo lhe deu. Submer¬ge-o no abismo das suas graças e adorna-o com os seus méritos (*COMENTARIO: Maria “adorna-o com os seus méritos… comunica-lhe as suas virtudes”. Como é que podemos justificar esta frase, lembrando-nos desta outra do numero 122: “Só Jesus Cristo… nos pode comunicar os seus méritos”? No comentário aos números 23 e 122 explicamos que virtudes, méritos, etc., são vida de amor que Jesus nos comunica ficando Ele como que o dono desta vida, e podendo nós amar a Deus e ao próximo junto com Ele. Na verdade, deste modo só Jesus pode comunicar a sua vida a outras pessoas. Mas Ele pode servir-se destas últimas para a comunicar ainda a ulteriores indivíduos. Pela nossa influencia e pelo nosso contato podem estes chegar a amar a Deus. De certo modo participam então da nossa vida sobrenatural, mas, em última análise, não é a nossa vida (méritos e virtudes) que comunicamos, mas a de Jesus. Se nós cometêssemos um pecado mortal, se perdêssemos portanto a vida sobrenatural, essas outras pessoas continuariam vivas no Senhor. Dum modo semelhante também Nossa Senhora pode influenciar os homens e viver com eles em contato vivo, mas afinal não lhes comunica então a sua própria vida (os seus méritos e virtudes, diz o texto), mas a de Jesus. Veja também o comentário ao número 206). Dá-lhe o apoio do seu poder e ilumina-o com a sua luz. Abrasa-o no seu amor e comunica-lhe as suas virtudes: a sua humilda¬de, a sua fé, a sua pureza, etc. Torna-se a sua garantia, seu suplemento e o seu tudo perante Jesus. // Enfim, como a alma que se consagrou, e toda de Maria, também Maria e toda dela. Desta maneira pode dizer-se deste fiel servo e filho de Maria, o que São João Evangelista diz de si mesmo, isto e, que ele recebeu a Virgem Santíssima como todo o seu tesouro: “Accepit eam discipulus in sua” ( Jo. 19, 27).
145 - Isto produz na alma, se for fiel, uma grande desconfiança, desprezo e ódio a si mesma (Veja o comentário ao número 80), e uma grande confiança e um grande abandono a Santíssima Virgem, sua amável Soberana. Já não se firma, como antes, nas suas disposições, intenções, méritos, virtudes e boas obras. Porque, tendo feito um sacrifício completo a Jesus por intermédio desta boa Mãe, já não tem senão um tesouro que encerra todos os seus bens e que já não esta em suas mãos, e este tesouro a Maria. // Isso a que faz que a alma se aproxime de Nosso Senhor sem escrúpulo nem terror servil, e que ela o invoque com muita confiança. Os seus sentimentos tornam-se semelhantes aos do piedoso e sábio Padre Pupert. Este, fazendo alusão a vitória de Jacó sobre o Anjo (Cfr. Gen. 32, 22-32), dirige a Santíssima Virgem estas palavras: “O Maria, minha Princesa e Mãe imaculada de Deus feito homem, Jesus Cristo, eu desejo lutar com este Homem, ou seja com o Verbo Divino, armado não com os meus próprios méritos, mas com os vossos. - O Domina, Dei Genitrix, Maria et incorrupta Ma¬ter Dei et hominis, non meis, sed tuffs armatus meritis, cum isto Viro, scilicet Verbo Dei, luctari cupid’. (Rup. prol. in Cantic.). // Ohl Como e poderosa e forte junto de Jesus Cristo a alma armada com os méritos e intercessões da digna Mãe de Deus, que no dizer de Santo Agostinho, venceu amorosamente o Todo-Pode¬roso!
146 - Como nesta devoção entregamos a Nosso Se¬nhor, pelas mãos de sua Santa Mãe, todas as nossas boas obras, esta amável Senhora purifica-¬as, embeleza-as e faz que seu Filho as aceite (*COMENTARIO: Talvez em nenhuma outra pane deste livro São Luis Maria faz apresentação tão materializada de realidades so¬brenaturais como aqui nos números 146 a 150. Precisa duma reflexão teológica a afirmação de que Nossa Senhora purifica as nossas boas obras, as embeleza, as apresenta a seu Filho e as torma agradáveis a Ele. Quando é que podemos dizer que a nossa boa obra é pura? Apenas quando o amor com que a realizamos é puro, sincero, desinteressado, generoso. A única maneira, pois, de purificar os atos é a de purificar o amor, a de o intensificar. Deste modo não há, portanto, purificação direta das nossas boas obras; não é possível contar-lhes a podridão como se fossem maçãs. A Santíssima Virgem, querendo retificar as nossas boas obras, só poderá inspirar-nos melhores intenções, poderá reve¬lar-nos os nossos motivos egoístas para que os exterminemos, poderá convidar-nos a unir-nos ao seu amor ardente, poderá acompanhar-nos durante a obra boa chamando-nos a atenção para a maior gl6ria de Deus. Mas tudo isto é, por conseguinte, antes de mais nada, uma purificação da pessoa que realiza a boa obra e não diretamente da própria obra. É claro que tal purificação só pode dar resultado se a pessoa quer realmente aceitar essa influencia de Maria na sua vida. O mesmo se diga quanto ao aformosear das boas obras. A única coisa que Nossa Senhora pode fazer é, antes e durante a boa obra, mostrar-nos os defeitos nos motivos, nas intenções, no amor com que a fazemos, inspirar-nos meios para suprir aquilo que falta, ajudar-nos a aplicar esses meios. Do mesmo modo ainda nos pode acompanhar enquanto oferecemos a boa obra a Deus. Mas entretanto somos nós que devemos realizar o aperfeiçoamento das nossas boas obras, aperfeiçoando a nós mesmos, colaborando com a valiosa ajuda da nossa Mãe celeste. De igual modo devemos afirmar que a Santíssima Virgem não apresenta as nossas boas obras a Jesus, nem as faz aceitar por Ele, sem a nossa colaboração. As boas obras não são coisas que possam passar para mão de outrem: são meios de mostrarmos o nosso amor para com Deus e o próximo. Maria pode fazer-nos companhia nesta manifestação de amor, ou talvez melhor, nós podemos acompanhar Nossa Senhora e Ela conosco acompanhar Jesus na manifestação de amor comum ao Pai Celeste no Espírito Santo).
(Veja o comentário ao número 23!)
Todo o valor das nossas boas obras depende, portanto, de a nossa vontade estar unida ao amor infinito de Jesus Cristo. Com esse fim procura Nossa Senhora ter uma influencia grande na nossa vontade para maior glória de Deus e a santificação dos homens. Pela entrega total de si mesma, uma pessoa procura assegurar que essa influencia benéfica de Maria possa surtir o máximo efeito).
1° - As mãos da Santíssima Virgem nunca foram manchadas nem ficaram ociosas, e por isso purificam tudo aquilo em que tocam. Uma vez que as nossas boas obras estão nestas mãos tão puras e fecundas, estas tiram a dádiva que lhe fazemos, tudo o que tiver de estragado ou imper¬feito.
147 - 2° - Maria aformoseia-as, enfeitando-as com seus méritos e virtudes (*Veja o comentário ao número 144). E como se um camponês, querendo ganhar a amizade e benevolência do rei, fosse ter com a rainha e lhe entregasse uma maca, que constituísse toda a sua fortuna, a fim de que ela a apresentasse ao rei. A rainha, depois de recebida a pobre e pequena oferta do camponês, poria essa maca numa grande e bela salva de ouro e oferecê-la-ia assim ao rei, em nome do camponês. Assim a maçã, embora por si mesma indigna de ser apresentada a um rei, tornar-se-ia digna de sua majestade, em atenção a salva de ouro e a pessoa que a oferece.
148 - 3° - Maria apresenta as nossas boas obras a Jesus Cristo, porque, do que lhe dão, nada reser¬va para si, como se fosse fim último, mas tudo remete fielmente a Jesus. O que se lhe dá, dá-se necessariamente a Jesus. Se a louvam e glorifi¬cam, Ela louva e glorifica Jesus. Quando a lou¬vam e bendizem, a Santíssima Virgem canta hoje, como outrora ao ser louvada por Santa Isabel: “Magnificat anima mea Dominum - A minha alma glorifica o Senhor”. (Luc. 1,46).
149 – 4º - Faz com que Jesus aceite essas boas obras, por menor e mais pobre que seja a oferta para este Santo dos santos e Rei dos reis.
Quando se apresenta a Jesus alguma coisa em próprio nome e apoiada na sua habilidade e disposição pessoais, Jesus examina o dom. E, muitas vezes, Ele rejeita-o por estar manchado por amor próprio tal como outrora rejeitou os sacrifícios dos Judeus manchados pela vontade própria. Mas quando se lhe apresenta alguma coisa pelas mãos puras e virginais da sua bem amada Mãe, toca-se-lhe no ponto fraco, se me e licito empregar esta expressão. Já não considera tanto o que se lhe dá, como a sua boa Mãe, que lho apresenta. Não olha tanto para donde lhe vem esse presente, como para Aquela por quem o recebe. Assim Maria que nunca a repelida, mas sempre bem acolhida por seu Filho, faz com que sua Majestade receba com agrado tudo quanto lhe apresenta, seja grande ou pequeno. Basta que seja Maria a oferecer para que Jesus receba e aceite. Era o grande conselho que São Bernardo dava aqueles que conduzia a perfeição: “Quando quiserdes oferecer alguma coisa a Deus, tende cuidado de a oferecer pelas mãos muito agradáveis e muito dignas de Maria, se não quiserdes ser repelidos - Modicum quid offerre desideras, manibus Mariae offerrendum tradere cura, si non vis sustinere repulsam”. (S. Bernar¬do, Lib. de Aquaed.)
150 - Não a isto mesmo o que a própria natureza inspira aos pequenos em relação aos grandes, como já vimos? Por que não nos levaria a graça a fazer o mesmo para com Deus, que esta infini¬tamente acima de nós, e diante de quem somos menos que um átomo? Temos, mais, uma advo¬gada tão poderosa que nunca foi repelida, tão hábil que conhece todos os segredos para ganhar o coração de Deus, tão boa e caridosa que não repele ninguém, por pequeno ou mau que seja. // Mais adiante (*Veja os números 183 a 212) mostrarei na historia de Jacó e Rebeca, a imagem verdadeira das verdades que menciono.
Quarto motivo: A maior glória de Deus.
151 - Esta devoção, fielmente praticada, a um meio excelente para fazer com que o valor de todas as nossas boas obras seja utilizado para a maior glória de Deus. Quase ninguém age com este fim tão nobre, embora a isso estejamos obrigados. Seja por não sabermos em que esta a maior glória de Deus, seja porque a não queremos. Mas a Santíssima Virgem, a quem cedemos o valor e o mérito das nossas boas obras, sabe perfeitamente onde reside a maior glória de Deus e não faz nada será ser para esse fim. Por isso um perfeito servo desta Rainha, inteiramente consagrado a Ela da forma que dissemos, pode dizer afoitamente que o valor de todas as suas ações, pensamentos e palavras a empregado para a maior glória de Deus, a não ser que expressamente revogue o seu oferecimento. Poderá haver algo mais consola¬dor para uma alma que ama a Deus, com um amor puro e desinteressado, e que estima a glória e os interesses divinos mais do que os seus próprios interesses?!
Quinto motivo: a união com Cristo.
Esta devoção é um caminho fácil, curto, perfeito e seguro para chegar à união com Deus, na qual consiste a perfeição cristã.
a) Caminho fácil. É um caminho fácil, que Jesus Cristo abriu ao vir até nós, e onde não se encontra obstáculo algum para chegar até Ele. Pode-se, na verdade, chegar à união divina por outros caminhos, mas será por muito mais cruzes e mortes misteriosas com muito mais dificuldades, que só a custo serão vencidas. Será preciso passar por noites escuras, por combates e agonias misteriosas, por cima de montanhas escarpadas, por cima de espinhos agudíssimos e por desertos horríveis. Mas pelo caminho de Maria passa-se mais suave e tranquilamente. Também aqui se encontram, e certo, rudes combates a travar e grandes dificul¬dades a vencer. Mas esta boa Mãe e Senhora toma-se tão presente e tão próxima dos seus fieis servos para os iluminar nas suas trevas, esclare¬cer nas suas duvidas, confirmar no meio dos seus temores, sustentar nas lutas e dificuldades, que este caminho virginal para encontrar Jesus Cris¬to a realmente um caminho de rosas e mel a vista dos outros. Houve alguns santos, mas em peque¬no número, como Santo Efrém, São João Da¬masceno, São Bernardo, São Bernardino, São Boaventura, São Francisco de Sales, etc., que passaram por este caminho ameno para ir a Jesus Cristo. O Espírito Santo, Esposo fiel de Maria, tinha-lho indicado por uma graça singular. Os outros santos, porém, que são em maior número, embora todos tenham sido devotos da Santíssima Virgem, não entraram, ou entraram muito pouco, nesta via. Foi por isso que sofreram provas mais rudes e perigosas.
153 - Mas então donde vem, dir-me-á algum fiel servo de Maria, que os servos fiéis desta boa Mãe tem tantas ocasiões de sofrer, e mais até do que outros que dela não são tão devotos? Contradi¬zem-nos, perseguem-nos, caluniam-nos, não os suportam, ou então caminham em trevas interio¬res e por desertos onde não há a mínima gota do orvalho celeste. Se esta devoção a Santíssima Virgem torna mais fácil o caminho que conduz a Jesus Cristo donde vem que sejam eles os mais crucificados?
154 - Respondo: É bem verdade que os mais fiéis servos da Santíssima Virgem são os seus maio¬res favoritos. Por isso são eles que recebem dela as maiores graças e favores do céu, a saber, as cruzes. Mas sustento que são também os servos de Maria que levam essas cruzes com mais facilidade, com maior mérito e glória. Aquilo que deteria mil vezes outras almas, ou as faria cair, não os detém nem uma só vez e fá-los avançar. É que esta Mãe, toda cheia de graça e de unção do Espírito Santo, adoça todas estas cruzes, que lhes prepara, no mel da sua doçura materna e na unção do puro amor. Deste modo eles recebem¬-nas alegremente como nozes cobertas de açúcar, ainda que em si sejam muito amargas pessoa que deseja ser devota e viver piedosa¬mente em Jesus Cristo, consequentemente há de sofrer perseguição (Cfr. 2 Tim. 3, 12) e levar todos os dia a sua cruz. Julgo que tal pessoa nunca levará grandes cruzes ou não as levará alegremente nem até ao fim, sem uma terna devoção a Santíssima Vir¬gem, que e a doçura das cruzes. Do mesmo modo ninguém poderá comer, sem se fazer grande violência, que não será duradoura, nozes verdes que não sejam adoçadas em açúcar.
155 - b) Caminho curto. Esta devoção à Santíssima Virgem é um caminho curto para encontrar Jesus Cristo, quer porque ninguém se perde nele, quer porque, como acabo de dizer, se avança por ele com mais alegria e facilidade e, portanto, com mais prontidão. // Avança-se mais em pouco tempo de submissão e dependência de Maria, que durante anos inteiros de vontade própria e de apoio em si mesmo. Pois o homem obediente e submisso a Maria Santíssima cantará vitórias notáveis sobre todos os seus inimigos. Quererão estes impedi-lo de caminhar, faze-lo recuar ou cair, e verdade. Mas, com o apoio, a ajuda e a guia de Maria, sem cair, sem recuar e mesmo sem se atrasar, avança¬rá a passos de gigante para Jesus Cristo, pelo mesmo caminho por onde, como está escrito, Jesus veio até nos a passos de gigante e em pouco tempo.
156 - Por que julgais que Jesus Cristo viveu tão pouco tempo na terra e que, nos poucos anos que nela passou, viveu quase sempre em submissão e obediência a sua Mãe? Ah! E que, tendo mor¬rido cedo viveu muito, e muito mais que Adão, cujas perdas vinha reparar, embora este vivesse mais de novecentos anos. E Jesus Cristo viveu muito porque viveu muito unido e submisso a sua santa Mãe, para obedecer a Deus, seu Pai. A razão disto é:
1º - Aquele que honra sua mãe a semelhante ao homem que junta tesouros, como diz o Espírito Santo. Isto e, aquele que honra Maria, sua Mãe, até se submeter a Ela e a obedecer-lhe em todas as coisas, tornar-se-á em breve muito rico, pois amontoa diariamente tesouros, pelo segredo desta pedra filosofal: “Qui honorat matrem, quase qui thesaurizat” (Ecli. 3,5).
2º - É no seio de Maria que encerrou e gerou um homem perfeito e que pôde conter Aquele que nem o universo inteiro pode compreender nem conter, é no seio de Maria, digo, que os jovens se tornam velhos em luz, em santidade, em experiência e sabedoria e que atingem em poucos anos a plenitude da idade de Jesus Cristo (“A plenitude da idade de Jesus Cristo” é uma expressão de São Paulo (Ef. 4,13) que significa: a perfeição em Jesus Cristo). Isto baseia-se numa interpretação espiritual da seguinte palavra do Espírito Santo: “Senectus mea in misericórdia uberi – a minha velhice está na misericórdia do seio” (Sal. 91, 11).
157 - c) Caminho perfeito. Esta prática de devoção à Santíssima Virgem é um caminho perfeito para ir e para se unir a Jesus Cristo, porque Maria Santíssima é a mais perfeita e a mais santa das puras criaturas e Jesus Cristo, que veio a nós de maneira perfeita, não escolheu outro caminho para a sua grande e admirável viagem. O Altíssimo, o Incompreensível, o Inacessível, Aquele que é, quis vir a nós, pequeninos vermes da terra, que nada somos. E como se fez isto? O Altíssimo desceu perfeita e divinamente até nós por meio da humilde Maria, sem nada perder da sua divindade e santidade. É igualmente por Maria que os pequeninos devem subir, perfeita e divinamente, até ao Altíssimo, sem nada perder da sua imensidade. É também por Maria que nos devemos deixar conter e conduzir perfeitamente, sem nenhuma reserva. O Inacessível aproximou-se, unir-se estreitamente e até pessoalmente à nossa humildade por intermédio de Maria, sem nada perder da sua majestade. É também por Maria que nos devemos deixar conter e conduzir perfeitamente, sem nenhuma reserva. O Inacessível aproximou-se, uniu-se estreitamente e até pessoalmente à nossa humanidade por intermédio de Maria, sem nada perder da sua majestade. É também por Maria que nos devemos aproximar de Deus e unir à divina Majestade perfeita e estreitamente, sem receio de sermos repelidos. Enfim, Aquele que é, quis vir ao que não é, e fazer que, o que não é, se transforme em Deus ou naquele que é. // Deus fê-lo perfeitamente, dando-se e submetendo-se à jovem Virgem Maria, sem deixar de ser, no tempo, Aquele que é desde toda a eternidade. É ainda por Maria que nos podemos tornar semelhantes a Deus pela graça e pela glória, embora nada sejamos. Basta entregarmo-nos a Ela tão perfeita e inteiramente que já nada sejamos em nós mesmos mas tudo nela, sem receio de nos enganarmos.
158 – Abram-me um caminho novo para ir a Jesus Cristo, calcetado (pavimentado) com todos os méritos dos bem-aventurados, ornado com todas as suas virtudes heróicas, iluminado e enfeitado com a luz e a beleza de todos os anjos, e que os anjos todos e os santos nele se encontrem para conduzir, defender e sustentar aqueles e aquelas que por ele queiram seguir. Com certeza absoluta, digo-o ousadamente e digo a verdade, eu escolheria, de preferência a este caminho tão perfeito o caminho imaculado de Maria: “Posuit immaculatam viam meam” (Cfr. Sal. 17, 33), caminho ou via sem nódoa alguma, sem mancha nem pecado original ou atual, sem sombra nem trevas. E se o seu amável Jesus vier segunda vez, na sua glória, à terra (como é certo), para nela reinar, não escolherá outra via para a sua vinda, senão Maria Santíssima por quem veio tão segura e perfeitamente da primeira vez. A diferença que há entre a primeira e a última vinda, é que a primeira foi secreta e escondida, e a segunda será gloriosa e triunfante; mas são ambas perfeitas porque ambas por intermédio de Maria. Ah, meu Deus! Eis um mistério que não se compreende. “Hic taceat omnis língua – Que todas as línguas aqui emudeçam”.
159 – d) Caminho seguro. Esta devoção à Santíssima Virgem é um caminho seguro para ir a Jesus Cristo e alcançar a perfeição, unido-nos a Ele. // Esta prática de devoção que ensino não é nova (Veja o comentário ao número 131). O Sr. Boudon, falecido há pouco (Foi em 1702) em odor de santidade, diz numa obra (“Le Saint Esclavage i’admirable Mère de Dieu”) que escreveu sobre esta devoção, que ela é tão antiga que não se lhe pode marcar com precisão o início. É, no entanto, certo que já mais de 700 (Já há vestígios desta devoção em tempos mais remotos. O Rei Dagoberto 11, que morreu em 679, consagrou-¬se a Santíssima Virgem, na qualidade de escravo (Cfr. Kronenburg: Maria’s Heerlijkheid I, pag. 98). Santo Ilidefonso, Bispo de Sevilha de 680-690, declara-se servo de Maria (Summa Aurea X, 935). Encontraram-se tamb6m alguns epígrafos do Papa João V11 (705-707), de quem consta que se fez escravo de Maria. (Summa Aurea X, 627)) anos se encontrem vestígios dela na Igreja. // Santo Odilão, abade de Cluny, que viveu cerca do ano de 1040, foi um dos primeiros a praticar publicamente esta devoção na França, como se vê na sua vida. // O Cardeal Pedro Damião refere que no ano de 1016 (O manuscrito diz: “1076″, mas esta data não pode ser, porque São Pedro Damião morreu em 1072), o bem-aventurado Marinho, seu irmão, se fez escravo da Santíssima Virgem, na presença do seu diretor e duma maneira muito edificante. Pôs urna corda ao pescoço, tomou a disciplina e colocou sobre o altar uma certa quantia, como sinal da sua dedicação c consagração a Santíssima Virgem. Manteve-se tão fiel a este ato durante toda a vida que mereceu, na hora da morte, ser visitado e consolado pela sua amável Soberana, e receber dos seus lábios a promessa do paraíso, como recompensa dos seus serviços. // Cesário Bolando (Deve ser Cesário de Heisterbach, que era cisterciense bem corno Valtero de Birbaque (van Bierbeek). Este último faleceu em 1222) faz menção dum ilustre cavaleiro, Valtero de Birbaque, parente próximo dos duques de Lovaina, que por volta de 1300, fez esta consagração de si mesmo à Santíssima; Virgem. A mesma devoção foi praticada por muitos particulares ate ao século dezessete, em que se tomou publica.
160 – O Padre Simão de Roias, da Ordem da Trindade, também chamada da Redenção dos Cativos, pregador do rei Filipe III, pôs em voga esta devoção em toda a Espanha (em 1611) e na Alemanha. Obteve de Gregório XV, a instâncias de Filipe III, grandes indulgências para todos aqueles que a praticassem. // O Padre de los Rios, da Ordem de Santo agostinho, aplicou-se com o Padre de Roias, seu íntimo amigo, a difundir esta devoção, por meio de seus escritos e pregações, na Espanha e na Alemanha (Espalhou esta devoção principalmente na Bélgica, sendo os principais centros Lovaina, Malices e Bruxelas (Cfr. SDumma Áurea X, 923)). Compôs um grosso volume, intitulado: “Hierarquia Mariana” (Editado em Antuérpia em 1641), em que trata com tanta piedade como erudição, da antigüidade, excelência e solidez desta devoção.
161 – No século passado, os Reverendos Padres Teatinos estabeleceram esta devoção na Itália, na Sicília e na Sabóia (Os Padres Teatinos começaram a pregar esta devoção entre 1600 e 1610). // O Padre Estanislau Falácio”, da Companhia de Jesus, promoveu-a maravilhosamente na Polônia (Depois de se ter inscrito na confraria dos escravos de Nossa Senhora em Lovaina, o Rei da Polônia, Vladislavo IV, encarregou os Padres Jesuítas de pregar esta devoção no seu reino – Cfr. Summa Áurea, 142 ss)). // O Padre de los Rios, no livro já citado, refere o nome dos príncipes, princesas, duques e car¬deais de vários reinos que abraçaram esta devoção. // O Padre Cornélio de Lápide, tão louvável por sua piedade como por sua profunda ciência, foi encarregado, por diversos bispos e teólogos, de examinar esta devoção. Depois de maduro exa¬me teceu-lhe louvores dignos da sua piedade, no que foi seguido por muitas outras grandes perso¬nalidades. // Os Reverendos Padres Jesuítas, sempre zelo¬sos no serviço da Santíssima Virgem, apresenta¬ram ao duque Fernando de Baviera, então Arce¬bispo de Colônia, em nome dos congreganistas da mesma cidade, um pequeno tratado (Intitulado: “Mancipium Virginis – A Escravidão da Virgem”, Colônia 1634 (Cfr. Kronenburg: Maria`s Heerlijkheid VII, 316-317) sobre a dita devoção. Aquele prelado tinha-lhe dado a sua aprovação e a licença de o imprimir, e exor¬tou todos os párocos e religiosos da sua diocese a propagar esta sólida devoção, na medida das suas forças.
162 - O Cardeal de Bérulle, cuja memória e abençoada em toda a Franca, foi um dos mais zelosos em espalhar a mesma devoção neste país, apesar de todas as calunias e perseguições que lhe le¬vantaram os críticos e os libertinos (Veja o comentário ao número 126. São Luis Maria não conhece bem a historia decorrida em torno do Cardeal de Bérulle e da sua propagação desta devoção. Entre os “críticos e libertinos” havia muitos Padres Jesuítas e Carmelitas que tinham queixas fundadas contra o Cardeal e a sua maneira de propagar a devoção da escravidão. No entanto houve também elementos bem intencionados que aproveitaram esta ocasião para espalhar as suas idéias erradas. Por isso tornou-se uma questão muito confusa). // Acusaram-no de inovação e de superstição. Escreveram e publicaram contra ele um folheto difamatório e serviram-se, (ou antes, fê-lo o demônio por intermédio deles), de mil estratage¬mas para o impedir de propagar esta devoção na Franca. Mas este grande e santo homem respon¬deu as calunias só com a sua paciência, e as objeções, contidas no referido libelo, com um pequeno escrito (O referido escrito de Bérulle chama-se Lê Narré Sabemos que São Luís Maria o leu) em que as refuta vigorosa¬mente. Nesse escrito mostra como esta devoção se funda no exemplo de Jesus Cristo, nas nossas obrigações para com Ele e nas promessas que fizemos no batismo. E particularmente com esta. ultima razão que fecha a boca aos seus adversários. Faz-lhes ver que esta consagração a Santíssima Virgem e, por suas mãos, a Jesus Cristo, não e mais que a perfeita renovão das promes¬sas do batismo. Diz coisas muito belas sobre esta pratica, como se poderá ver nas suas obras.
163 - Refere o livro de Boudon (Citado na nota do número 159) os nomes dos diversos Papas que aprovaram esta devoção, os teólogos que a examinaram, as perseguições que suportou e venceu, e milhares de pessoas que a abraçaram sem que jamais Papa algum a tenha condenado. Nem seria possível fazê-lo sem der¬rubar os próprios fundamentos do cristianismo. // E, pois, verdade assente que esta devoção não e nova. Se não esta vulgarizada. e por ser precio¬sa demais para ser apreciada e praticada por toda a gente.
164 - Esta devoção é um meio seguro para ir a Jesus Cristo, porque o próprio da Santíssima Virgem conduzir-nos com segurança a Ele, como o próprio de Jesus conduzir-nos seguramente ao eterno Pai. E que os espirituais não caiam no erro de pensar que Maria seja um impedimento para chegar à união divina. Seria possível que Aquela que achou graça diante de Deus, para todos em geral e para cada um em particular, fosse obstáculo a uma alma para encontrar a grande graça da união com Deus? Seria possível que Maria pu¬desse impedir uma alma de se unir perfeitamente a Deus, visto que Ela foi cheia e superabundou em graças e que viveu tão unida e transformada em Deus que Ele teve de se encarnar Nela, pudes¬se impedir uma alma de se unir perfeitamente a Deus? // E bem verdade que a visão de outras criaturas, embora santas, poderia talvez retardar a união divina em certas circunstancias. Mas não Maria, como já disse e não me cansarei de repetir. Uma das razões porque tão poucas almas atingem a plenitude da idade de Jesus Cristo, é que Maria, hoje como sempre, a Mãe do Filho e a Esposa fecunda do Espírito Santo, não esta sufi¬cientemente formada nos seus corações. Quem deseja possuir o fruto bem maduro e formado deve ter a arvore que o produz. Quem deseja o fruto de vida, Jesus Cristo, deve ter a arvore de vida, que e Maria. Quem quer ter em si a ação do Espírito Santo, deve ter a sua fiel e indissolúvel Esposa, Maria Santíssima, que o torna fértil e fecundo como já disse noutro lugar (Veja os números 21 e 36) dissemos.
165 - Estejamos, portanto, certos de que quanto mais presente tivermos Maria nas nossas orações, contemplações, ações e sofrimentos, se não pode ser numa visão distinta, definida, pelo menos numa vista geral e imperceptível, tanto mais perfeitamente encontraremos Jesus Cristo. Ele esta sempre em Maria, grande, poderoso, operante e incompreensível, mais que no céu ou em qualquer outra criatura do universo. Assim, muito ao contrário, Maria Santíssima, toda per¬dida em Deus, esta tão longe de se tornar um obstáculo para as almas perfeitas para chegar a união com Deus, que não houve ate hoje nem jamais haverá criatura alguma que nos ajude mais eficazmente nesta grande obra. Ela comunicar-nos-á as graças para este fim: “Ninguém é cheio do pensamento de Deus senão por Ti - Nemo cogitatione Dei repletur nisi per Te”, diz um santo (São Germano de Constantinopla: Sermo 2 In Dormit). Livrar-nos-á ainda das ilusões e enganos do espírito maligno.
166 - Onde esta Maria, não esta o demônio. Um dos sinais infalíveis de que uma alma é conduzida pelo bom espírito e que possua uma grande devoção a Maria, e que pense e fale nela. É esta a opinião dum santo ((São Germano de Constantinopla: Orat. in Encoenia ven. Oedis B. V.) que acrescenta que, assim como a respiração e um sinal certo de que o corpo não esta morto, assim o pensamento freqüente e a amorosa invocação de Maria é prova de que a alma não esta morta pelo pecado.
167 - Diz a Igreja e o Espírito Santo que a conduz, que só Maria esmagou todas as heresias: “Sola cunctas hereses interemisti in universo mun¬do” (Oficio da Santíssima Virgem. 1º Ant. do 3º Noct.). Por isso um fiel devoto de Maria nunca cairá na heresia ou na ilusão pelo menos formal¬mente, por mais que os críticos resmunguem. Poderá sim errar materialmente, tomar por ver¬dade uma mentira e por bom o espírito maligno, ainda que mais dificilmente que qualquer outra pessoa. Mas mais cedo ou mais tarde, conhecerá a sua falta e o seu erro material, e quando o conhecer, não se obstinar de forma alguma em crer ou sustentar o que tinha julgado verdadeiro.
168 - Portanto, todo aquele que, sem temor de ilu¬são, comum às pessoas de oração, quiser avançar no caminho da perfeição e encontrar com segu¬rança e perfeitamente Jesus Cristo, abrace de coração dilatado - “corde magno et animo volen-ti” (Cfr. 2 Mac. 1,3) - esta devoção à Santíssima Virgem, que talvez ainda não conheça. Que entre neste exce¬lente caminho que não conhecia e que lhe indico: “Excellentiorem viam vobis demonstro” (Cfr. ICor. 12,31). É um caminho aberto por Jesus Cristo, a Sabedoria Encarnada, nosso único Chefe. Os membros que o trilharem não podem enganar-se. // É um caminho fácil, devido à plenitude da graça e da unção do Espírito Santo que o enche. Quem por ele caminha não se cansa nem recua. É um caminho curto, que em pouco tempo nos leva a Jesus Cristo. É um caminho perfeito, onde não há lama nem poeira, nem a menor impureza de pecado. Enfim, é um caminho seguro, que nos conduz a Jesus Cristo e à vida eterna, reta e seguramente, sem desvios nem para a direita nem para a esquerda. Entremos neste caminho, e avancemos por ele, noite e dia, até à plenitude da idade de Jesus Cristo (Veja o comentário ao número 156).
169 - Sexto motivo: Uma grande liberdade interior. Esta prática de devoção dá uma grande liber¬dade interior àqueles que a observam fielmente. É a liberdade dos filhos de Deus. Como por esta devoção nos tornamos escravos de Jesus Cristo, consagrando-nos totalmente a Ele nesta qualida¬de, este bom Mestre recompensa o cativeiro amoroso em que nos colocamos da seguinte maneira: lº - Tira à alma todo o escrúpulo e todo o temor servil que só serve para a apertar, enre¬dar e atrapalhar. 2º - Dilata o coração para uma santa confiança em Deus fazendo-lhe ver nele seu Pai. 3º - Inspira-lhe um amor terno e filial.
170 - Sem me deter em provar esta verdade por meio de razões, contento-me com citar um fato histórico que li na vida da Madre Inês de Jesus. Era religiosa jacobina do convento de Langeac, em Auvergne, e faleceu nesse mesmo local em odor de santidade no ano de 1634. Não tinha ainda mais de sete anos quando já sofria de grandes penas de espírito. Foi então que ouviu uma voz dizer-lhe que, se desejava ser livre de todas as suas penas e protegida contra todos os seus inimigos, se tornasse o mais depressa possí¬vel escrava de Jesus e de sua santa Mãe. Mal re¬gressou a casa, deu-se inteiramente como escra¬va a Jesus e a sua santa Mae, embora não conhe¬cesse até àquela data esta devoção. Tendo encon¬trado uma cadeia de ferro, pô-la à cinta e usou-a até a morte. Depois desta ação cessaram todas as suas penas e escrúpulos. Ficou em tanta paz e li¬berdade de coração, que ensinou esta prática a várias pessoas - que nela fizeram grandes pro¬gressos - entre outros ao Sr. Olier, fundador do seminário de São Sulpício e a outros sacerdotes e eclesiásticos do mesmo seminário. Um dia apareceu-lhe a Santíssima Virgem, e pôs-lhe ao pescoço uma cadeia de ouro, testemunhando-lhe assim a alegria que sentia por ela se ter feito escrava sua e de seu Filho. Santa Cecília, que acompanhava a Santíssima Virgem, disse-lhe: “Felizes os fiéis escravos da Rainha do céu, porque gozarão a verdadeira liberdade: Tibi servire libertas - servir-te é liberdade”.
171 - Sétimo motivo: Causa de grandes bens para o próximo. Outro motivo que nos pode levar à prática desta devoção, são os grandes bens que dela receberá o nosso próximo. Por esta prática exer¬cemos a caridade para com ele duma maneira eminente. Pois damos-lhe, pelas mãos de Maria, o que temos de mais caro, ou seja o valor satisfa¬tório de todas as nossas boas obras, sem excluir o mínimo bom pensamento ou o mais leve sofri¬mento. Consentimos que todas as satisfações que adquirimos e havemos de adquirir até à morte, sejam aplicadas, segundo a vontade da Santíssima Virgem, ou pela conversão dos peca¬dores, ou pela libertação das almas do purgató¬rio (Veja o comentário ao número 122). // Não será isto amar perfeitamente o nosso pró¬ximo? Não é isto ser verdadeiro discípulo de Jesus Cristo, que se reconhece pela caridade? (Cfr.Jo. 13,35). Não é este o meio de converter os pecadores sem perigo de vaidade, e de libertar as almas do purgatório quase sem fazer mais nada além do que nos impõem os deveres de estado?
172 - Para se apreciar a excelência deste sétimo motivo seria preciso conhecer o bem que é a con¬versão dum pecador ou a libertação duma alma do purgatório. É um bem infinito, maior do que criar o céu e a terra (Veja o comentário aos números 146 ss), pois é dar a uma alma a posse de Deus. Quando, por esta prática, se livrasse apenas uma alma do purgatório, durante toda a vida, ou se convertesse apenas um peca¬dor, não bastaria isso para levar todo homem ver¬dadeiramente caridoso a abraçá-la? // Mas é preciso notar que as nossas boas obras, passando pelas mãos de Maria, recebem um aumento de pureza (Cfr. Santo Agostinho: Tract. 72 in Joannem, a médio) e, por conseguinte, de méri¬to e de valor satisfatório e impetratório. Tornar-se-iam assim muito mais eficazes para aliviar as almas do purgatório e converter os pecadores, do que se não passassem pelas mãos virginais e generosas de Maria. O pouco que por Ela se dá sem vontade própria e com uma caridade muito desinteressada, torna-se verdadeiramente pode¬roso para aplacar a cólera de Deus e atrair a sua misericórdia. Na hora da morte talvez se verifi¬que que uma pessoa, que tenha sido realmente fiel a esta prática, livrou, por este meio, muitas almas do purgatório e converteu muitos pecadores, embora só tenha praticado as ações ordiná¬rias do seu estado. Que alegria no momento do juízo! Que glória para a eternidade!
173 - Oitavo motivo: Meio admirável de perseverança. Enfim, o que de certo modo nos impede mais fortemente ainda para esta devoção à Santíssima Virgem, é ser ela o meio admirável para perseve¬rarmos na virtude e sermos fiéis. Por que é que a maior parte das conversões dos pecadores não são duradouras? Por que recaem eles tão facil¬mente no pecado? Por que é que a maior parte dos justos, em vez de ir de virtude em virtude e de alcançar novas graças, perde muitas vezes as poucas virtudes e graças que possuem? Esta desgraça provém, como já acima mostrei (Veja os números 78-89 e os seus respectivos comentários), de que, sendo o homem tão corrupto, tão fraco e inconstante se fia em si próprio, se apoia nas suas próprias forças e se julga capaz de guardar o tesouro das suas graças, virtudes e méritos. // Por meio desta devoção, confiamos à Santís¬sima Virgem - e sabemos como Ela é fiel - tudo o que possuímos. Tomamo-la como depositária universal de todos os nossos bens da natureza e da graça (Veja o comentário ao número 23). Confíamo-nos à sua fidelidade, apoiamo-nos no seu poder, fundamo-nos na sua mise¬ricórdia e caridade, a fim de que conserve e aumente as nossas virtudes e méritos, apesar dos esforços que o demônio, o mundo e a carne fazem para no-los roubar. Dizemos-lhe como um bom filho à sua mãe e um fiel servo à sua senhora: “Depositum custodi - Guardai o meu depósito” (Cfr. 1 Tim. 6, 20). Minha boa Mãe e Senhora, reconhe¬ço que, por vossa intercessão, recebi até hoje mais graças de Deus do que merecia. A minha triste experjência me ensina que trago este tesou¬ro num vaso muito frágil, e que sou demasiado fraco e miserável para o conservar em mini: “Adolescentulus sum ego et contemptus - Sou novo e desprezado” (Cfr. Sal. 118, 141). Recebei, por favor, em de¬pósito tudo quanto possuo, e conservai-mo por vossa fidelidade e poder. Se me guardardes, nada perderei; se me sustentardes, não hei de cair; se me protegerdes, estarei ao abrigo dos meus ini¬migos.
174 - É o que diz São Bernardo, em termos formais para nos inculcar esta prática: “Quando Ela vos sustém, não caís; quando vos protege, nada temeis; quando vos conduz, não vos cansais; quando vos é favorável, chegais ao porto da salvação - Ipsa tenente, non corruis; ipsa protegente, non me-tuis; ipsa duce, non fatigaris; ipsa propitia, per-venis”. (Sermo super Missus est, 17). São Boa ventura parece dizer-nos a mesma coisa em termos ainda mais formais: “A Santíssima Vir¬gem, diz ele, não é apenas detida na plenitude dos santos, mas Ela retém e guarda os santos na plenitude deles, para que esta não diminua. Impede que as suas virtudes se dissipem, que os seus méritos pereçam, que se percam as suas graças, e que os demónios lhes façam mal. En¬fim, impede que Nosso Senhor os castigue, quando pecam. - Virgo non solum in plenitudine sanctorum detinetur, sed etiam in plenitudi-ne sanctos detinet, ne plenitudo minuatur; deti¬net virtutes ne fugiant; detinet rnerita ne pereant; detinet gratias ne effluant; detinet daemones ne noceant; detinet Filium ne peccatores percutiat”. (Speculum B.M.V., lect. 7, § 6).
175 - A Virgem Santíssima é a Virgem fiel que, pela sua fidelidade a Deus, repara as perdas que a infiel Eva causou por sua infidelidade. Obtém de Deus a fidelidade e a perseverança para todos os que se lhe dedicam. Por isso um santo a compara a uma âncora firme, que os retém e impede de naufragar no meio do mar agitado deste mundo, onde tantos perecem por se não segurarem a esta âncora sólida. “Nós ligamos as almas à vossa esperança, como a uma âncora firme. - Animas ad spem tuam sicut ad firmam anchoram alligamus” (São João Damasceno, Sermo I in Dormit. B. M. V.). // Foi a Ela que mais se uniram os santos que se salvaram, e que uniram os outros, para perseve¬rarem na virtude. Felizes, pois, mil vezes felizes os cristãos que agora se agarram fiel e inteira¬mente a Maria, como a uma âncora firme. As investidas das tempestades deste mundo não os farão soçobrar, nem perder os seus tesouros celestes. Felizes os que se acolhem a Ela, como à arca de Noé! As águas do dilúvio do pecado, que afogam a tantos, não os prejudicarão, porque “qui operantur in me non pecabunt - aqueles que em mim trabalham na sua salvação, não peca¬rão” (Cfr. Ecli. 24, 30), repete a Santíssima Virgem com a Sabedoria. // Felizes os pobres filhos da infeliz Eva, que se ligam à Mãe e Virgem fiel, que sempre permane¬ce fiel e nunca se desmente: “Fidelis permanet, se ipsam negare non potest” (Cfr.2Tim.2, 13). Ela ama sempre os que a amam: “Ego diligentes me diligo” (Cfr. Prov. 8, 17) com um amor não apenas afetivo, mas efetivo e efi¬caz. Porque os impede, por meio de graças abun¬dantes, de recuar na virtude, ou de cair no cami¬nho, perdendo a graça de seu Filho.
176 - Esta boa Mãe recebe sempre, por pura carida¬de, tudo o que lhe damos em depósito. E, uma vez que o recebeu como depositária, é obrigada em justiça (COMENTÁRIO: Não convém aplicar termos e conceitos jurídicos à vida sobrenatural. É essencialmente uma vida de amor que se sente ofendida quando alguém lhe vem lembrar as exigências da justiça como norma de ação. Ela quer muito mais, quer entregar-se incondicionalmente ao amado e não limitar-se a satisfazer apenas as exigências da justiça) a no-lo guardar, em virtude do contrato de depósito. Do mesmo modo uma pessoa, a quem eu tivesse confiado mil cruzeiros, seria obrigada a guardar-mos e se, por negligência, eles se viessem a perder, em boa justiça seria ela a responsável. Mas não, nunca a fiel Maria deixará perder, por negligência, o que lhe tiver sido confiado. Seria mais fácil passarem o céu e a terra, do que Ela ser negligente e infiel para os que nela confiam.
177 - Pobres filhos de Maria, a vossa fraqueza é extrema, grande a vossa inconstância e bem corrompida a vossa natureza. Fostes tirados, é certo, do mesmo barro corrompido de que os filhos de Adão e Eva. Mas não desanimeis por isso. Consolai-vos, alegrai-vos, eis o segredo que vos ensino, segredo desconhecido pela maioria dos cristãos, mesmo pelos mais piedo¬sos. // Não guardeis o vosso ouro e a vossa prata nos vossos cofres, já forçados pelo espírito maligno que vos roubou. Eles são pequenos, velhos e fracos demais para guardar tão grande e precioso tesouro. Não ponhais a água pura e cristalina da fonte nos vossos vasos estragados e infectados pelo pecado. Se o pecado já não existe em vós, ficou pelo menos o seu odor e a água se contami¬nará. Não deiteis os vossos vinhos finos em vossos tonéis velhos, que já foram cheios de mau vinho; ficariam estragados e em perigo de se perderem (COMENTÁRIO: Os números 177-182 devem ser lidos à luz dos comentários aos números 78 e 23).
178 - Embora me compreendais, almas predestina¬das, quero falar mais claramente. Não confieis o ouro da vossa caridade, a prata da vossa pureza, as águas das graças celestiais, e o vinho dos vossos méritos e virtudes, a um saco roto, a um cofre velho e arrombado, a uma vasilha estraga¬da e contaminada como sois vós. Do contrário, sereis roubados pelos ladrões, isto é, pelos demônios, que procuram e espiam noite e dia o tempo propício para o fazer. Do contrário, estra¬gareis, pelo mau odor do vosso amor próprio, da confiança em vós mesmos e da vossa própria vontade, tudo o que de mais puro Deus vos dá. // Colocai, lançai no seio e no coração de Maria todos os vossos tesouros, todas as vossas graças e virtudes. Ela é “vaso espiritual, vaso honorífi¬co, vaso insigne de devoção - vas spirituale, vas honorabile, vas insigne devotionis”. Depois que o próprio Deus se encerrou neste vaso com todas as suas perfeições, tornou-se todo espiritual, e fez-se a morada das almas mais espirituais. Tornou-se honorífico, e trono de honra dos maiores príncipes da eternidade. Tornou-se in¬signe em devoção e a morada dos mais ilustres em doçura, em graças e virtudes. Enfim, tornou-se rico como uma casa de ouro, forte como a torre de Davi e puro como uma torre de marfim.
179 - Ah! Como é feliz aquele que deu tudo a Maria, que se confia e perde em tudo e por tudo em Maria! É todo dela e Ela é toda dele. Pode dizer ousadamente com Davi: “Haec facta est mihi (Cfr. Sal. 118,56) - Maria foi feita para mim”; ou com o discípulo amado: “Accepi eam in mea (Cfr. Jo. 19, 27) - recebi-a como toda a minha riqueza”; ou com Jesus Cristo: “Omnia mea tua sunt, et omnia tua mea sunt (Cfr.Jo. 17, 10) - tudo o que é meu é teu, e tudo o que é teu é meu”.
180 - Se, ao ler isto, algum crítico imaginar que falo com exagero e levado por devoção desmedida, pobre dele! Não me compreende, ou porque é um homem carnal, que não entende as coisas do espírito, ou porque pertence ao mundo e não pode receber o Espírito Santo, ou porque é orgu¬lhoso e crítico, e condena ou despreza tudo o que não percebe. Mas as almas que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vonta¬de do homem, mas de Deus e de Maria, essas compreendem- me e apreciam, e é para elas que eu escrevo.
181 - No entanto retomo a matéria interrompida, dizendo a uns e a outros que Maria Santíssima é a mais honesta e liberal de todas as simples criaturas. Nunca se deixa vencer em amor e liberalidade, e em troca dum ovo dá um boi como diz um santo; quer dizer, por pouco que se lhe der, Ela dá muito daquilo que recebeu de Deus. Se, pois, uma alma se lhe entrega sem reservas, Ela também se lhe dá toda, contanto que a alma ponha nela, sem presunção, toda a sua confiança, trabalhando, por sua vez, em adquirir as virtudes e em vencer as suas paixões.
182 - Que os fiéis servos da Santíssima Virgem digam, portanto, com a ousadia de São João Damasceno: “Tendo confiança em Vós, ó Mãe de Deus, serei salvo. Tendo a vossa proteção, nada temerei. Com o vosso socorro combaterei e porei em debandada os meus inimigos: porque a vossa devoção é uma arma de salvação, que Deus dá aos que quer salvar. - Spem tuam habens, o Deipara, servabor; defensionem tuam possidens, non timebo; persequar inimicos meos et in fugam vertam, habens protectionem tuam, et auxi-lium tuum; nam tibi devotum esse est arma quaedam salutis quae Deus his dat quos vult salvos fieri”. (Joan. Damas. Ser. de Annuntiat.).

EXCURSO: FIGURA BÍBLICA DESTA DEVOÇÃO
REBECA - JACÓ
183 - De todas as verdades que acabo de escrever, em relação a Santíssima Virgem, e a seus filhos e servos, da-nos o Espírito Santo uma imagem admirável, na Sagrada Escritura (Leia “Convém saber… H”). E a historia de Jacó, que recebeu a bênção de seu pai Isaac, devido aos cuidados e diligências de sua mãe Rebeca. Ei-la, como a narra o Espírito Santo (A narração da história de Jacó (Cfr. Gen. 27) no número 184 é feita por São Luís Maria, e não é, portanto, uma citação literal da Sagrada Escritura). De¬pois acrescentarei a sua explicação.
184 - Esaú tinha vendido o direito de primogenitu¬ra a seu irmão Jacó. Vários anos mais tarde, Rebeca, mãe dos dois irmãos que amava terna¬mente Jacó, assegurou-lhe esta primazia por meio dum Santo expediente, todo cheio de mistérios. // Isaac, sentindo-se muito velho, quis abençoar os seus filhos antes de morrer. Chamou então Esaú, o filho que amava, e disse-lhe que fosse capar alguma coisa para ele comer a fim de em seguida lhe dar a sua benção. Rebeca avisou imediatamente Jacó do que se passava, e man¬dou-o buscar dois cabritos do rebanho. Logo que este os entregou a sua mãe, ela preparou deles para Isaac o que sabia que ele gostava. Vestiu Jacó com as roupas de Bali, que ela guardava. Cobriu-lhe as mãos e o pescoço com a pele dos cabritos, para que o pai, que era cego, julgasse, pela pele da mão, que era Bali, embora ouvisse a voz de Jacó. Efetivamente Isaac, surpreendido ao ouvir-lhe a voz, que julgou ser a de Jacó, mandou-o aproximar-se. Tendo-lhe apalpado as mãos cobertas de pele, disse que, na verdade, a voz era de Jacó, mas que as mãos eram de Esaú. Depois de ter comido e de ter aspirado, ao beijar o filho, o aroma do seu vestido perfumado, abençoou-o, desejando-lhe o orvalho do céu e a fecundidade da terra. Estabeleceu-o senhor de todos os seus bens, e concluiu a bênção por estas palavras: “Aquele que to amaldiçoar, seja também maldito, e o que to abençoar seja cumulado de bênçãos”. // Mal Isaac tinha acabado de pronunciar estas palavras, entrou Esaú trazendo já preparado o que tinha apanhado na capa, para que o pai o abençoasse em seguida. Este santo patriarca ficou tornado de extrema surpresa, ao compreender o que se tinha passado. Mas, longe de retratar o que fizera, confirmou-o, ao contrario, pois reconhe¬cia neste proceder, claramente, o dedo de Deus. Então, Esaú irrompeu em grandes brados, como nota a Escritura e, vociferando contra a fraude do irmão, perguntou ao pai se tinha só uma bênção. Notam neste ponto os santos Padres que Esaú e a imagem daqueles que, conciliando facilmente Deus com o mundo, querem gozar ao mesmo tempo as consolações do céu e as da terra. Isaac, movido pelos gritos de Esaú, abençoou por fim, mas com uma bênção terrena, e submeten¬do-o ao irmão. Concebeu Esaú, por isso, ódio tão profundo contra Jacó, que, para matá-lo, só esperava pela morte do pai. E Jacó não teria podido evitar a morte, se Rebeca, sua querida mãe, o não tivesse salvo pelas diligências e bons conselhos que lhe deu, e ele seguiu.
185 - (a) Esaú e os réprobos. Antes de explicar esta história, tão cheia de beleza, a preciso notar que, Segundo todos os santos Padres e interpretes da Sagrada Escritura, Jacó representa Jesus Cristo e os predestinados, enquanto Esaú figura os réprobos (São Luis Maria fala muitas vezes em predestinados, réprobos, predestinação, etc. A pergunta que muitas pessoas se fazem quando ouvem falar neste assunto a se Deus realmente destina pessoas à condenação. A resposta deve ser nega¬tiva, porque tal procedimento seria absolutamente contrário ao infinito amor de Deus. E seu desejo que todos os homens se salvem, e foi para esse fim que se fez homem, que padeceu, morreu e ressuscitou. A cada homem será dada a graça suficiente para se salvar. Se se perder, será por falta de colaboração. O fato de Deus saber já desde toda a eternidade quem correspondera a graça a quem não diminui a liberdade do homem. As pessoas de boa vonta¬de. apesar das suas fraquezas e pecados, podem fomentar em si a esperança da salvação, porque reconhecerão os seus fracassos e tentarão recomeçar a sua vida, por isso podem contar com a miseri¬córdia de Deus. Não se pode, pois, falarem em predestinação no sentido de Deus determinar antecipadamente umas pessoas para a felicidade eterna, outras para a condenação. Mas a Sagrada Escritura fala ainda de predestinação em sentido diferente. E uma eleição, uma escolha que Deus faz, pela qual chama uma pessoa ou um grupo de pessoas para o servirem de maneira especial. Deste modo a escolhido Abraão e com ele todo o povo de Israel; de entre este povo haverá “um resto” que ficará mais fiel a esse serviço especial de Deus, e deste “resto” surgira “o Servo de Javé” a quem Deus chama “o meu eleito” (Is 42, 1): é Jesus Cristo, nosso Salvador. Do mesmo modo Deus separou para si reis, patriarcas, profetas, sacerdotes, levitas para o servir de maneira singular. Ainda hoje consideramo-lo uma eleição ou predestinação, quando alguém receber a vocação religiosa ou sacerdotal. Mas nunca nos devemos esquecer que tal predestinação acarreta não só ajuda e amizade especial de Deus, mas também uma tarefa e um dever particular, que se devem cumprir. Se alguém aceitar o convite de Deus, devera mostrar com o seu zelo a dedicação que a digno da amizade especial que Deus lhe oferece. Onde há eleitos (predestinados). Há também os que não foram escolhidos (para um serviço especial de Deus). Há certos autores que facilmente designam todos os não-escolhidos como “réprobos”, não fazendo distinção entre a reprovação definitiva e o fato de não ser es¬colhido para uma tarefa especial no serviço de Deus. Os mesmos autores supõem também facilmente culpados aqueles que não foram escolhidos para servir a Deus dum modo particular. São Luis Maria é um desses autores. Veja o comentário ao número 30).. Basta exa¬minar o procedimento dum e doutro para verifi¬cá-lo.
1º- Esaú, o primogênito, era forte e robusto de corpo, destro e hábil no manejo do arco e na arte da caca.
2º - Quase não parava em casa e, confiando apenas na sua força e engenho, trabalhava sem¬pre fora.
3º - Não se esforçava muito por agradar a Rebeca, sua mãe, e não fazia nada para isso.
4º - Era tão guloso, e apreciava tanto a comida que vendeu o direito de primogenitura por um prato de lentilhas.
5º - Como Caim, era muito invejoso de seu irmão Jacó, que encarniçadamente perseguia.
186 - Eis a conduta dos réprobos.
1º - Fiam-se na sua força e diligências para os negócios temporais. São muito fortes, muito hábeis e esclarecidos para as coisas da terra, mas muito fracos e ignorantes nas coisas do céu: In terrenis fortes, in caelestibus debiles. Por isso:
187 - 2° - Nunca ou quase nunca permanecem em sua casa, ou seja, no seu intimo. O intimo e a casa interior e essencial que Deus deu a cada homem para que, a seu exemplo, nela habite, pois Deus permanece sempre em si mesmo. Os réprobos não amam o recolhimento, nem a espiritualida¬de, nem a devoção interior, e tem por espíritos fracos, beatos e rudes, os que são interiores e retirados do mundo, e que trabalham mais inte¬rior que exteriormente.
188 - 3° - Os réprobos pouco se preocupam com a devoção a Santíssima Virgem, Mãe dos predes¬tinados. E verdade que não a odeiam formalmen¬te. Algumas vezes tributam-lhe louvores, dizem que a amam e praticam, até, alguma devoção em sua honra. Mas, de resto, não suportariam que alguém a amasse ternamente, porque não tem para com Ela as ternuras de Jacó. Acham sempre que dizer as práticas de devoção a que se entre¬gam fielmente os bons filhos e servos de Maria, para merecer o seu afeto. Não julgam esta devoção necessária para a salvação, e acham que basta não odiar formalmente a Santíssima Vir¬gem e não desprezar abertamente a sua devoção. Julgam ter ganho a estima da Santíssima Virgem e ser seus servos rezando e mastigando algumas orações em sua honra, sem ternura para com Ela e sem emenda para a sua própria vida.
18 9 - 4° - Estes réprobos vendem o seu direito de primogenitura, isto é, os gozos do paraíso, por um prato de lentilhas que são os prazeres da terra. Riem, bebem, divertem-se, jogam, dançam etc… sem se preocuparem, como Esaú, de se tornarem dignos das bênçãos do Pai celeste. Numa pala¬vra, só pensam na terra, só amam a terra, só falam e agem para a terra e seus gozos, vendendo por um breve momento de prazer, por uma vã fuma¬ça de honra e um pedaço de terra dura, amarela ou branca, a graça batismal, a veste da sua inocência, a sua herança celeste.
190 - 5° - Enfim, os réprobos odeiam e perseguem continuamente os predestinados, aberta ou dis¬farcadamente. Molestam-nos, desprezam-nos, criticam-nos, contrariam-nos, injuriam-nos, roubam-nos, enganam-nos, empobrecem-nos, escorraçam-nos, e reduzem-nos a pó. Quanto a eles, fazem fortuna, buscam os seus deleites, vivem alegremente, enriquecem, engrandecem-¬se e levam vida folgada.
191 - (b) Jacó e os predestinados. 1° - Jacó, o mais novo, era de compleição fraca, manso, pacifico, e estava habitualmente em casa para merecer a estima de sua mãe Rebeca, a quem amava ternamente. Se acaso saia, não era por sua própria vontade, nem pela confiança que tinha nas suas habilidades, mas para obedecer a sua mãe.
192 - 2° - Amava e honrava sua mãe, pelo que ficava em casa junto dela. A sua maior alegria era vê-1a, evitava tudo o que lhe pudesse desagradar e fazia tudo o que julgava que lhe dava gosto. Tudo isto aumentava o amor que Rebeca lhe consagrava.
193 - 3° - Em todas as coisas se mostrava submisso a sua querida mãe, obedecendo-lhe inteiramen¬te em tudo, prontamente sem demora, e amoro¬samente sem se queixar. Ao menor sinal da sua vontade, o pequenino Jacó corria e trabalhava. Acreditava, sem raciocinar, em tudo o que Rebe¬ca lhe dizia. Por exemplo, quando ela o mandou ir buscar dois cabritos, a fim de preparar de comer para Isaac, Jacó não lhe objetou que bastava um para a refeição duma só pessoa, mas, sem discutir, fez o que ela lhe dissera.
194 - Tinha uma grande confiança na sua que¬rida mãe. Como não se fiava de modo nenhum no seu próprio saber, apoiava-se unicamente nos cuidados e proteção da mãe. Chamava por ela em todas as necessidades e consultava-a em todas as duvidas. Por exemplo, quando lhe perguntou se, em vez da bênção, não receberia a maldição do pai, acreditou e confiou nela quando ela 1he disse que tomaria sobre si essa maldição.
195 - 5º - Finalmente, imitava, na medida das suas forças, as virtudes que via em sua mãe. Parece que uma das razoes por que permanecia sedentário em casa, era o querer imitar a mãe, que era tão virtuosa, e fugir das mas companhias, que cor¬rompem os costumes. Por este meio, tornou-se digno de receber a dupla bênção de seu querido pai.
196 - Esta é também a conduta dos eleitos na vida de cada dia.
1° - Conservam-se em casa com sua mãe. Quer dizer que gostam do retiro, são interiores e dão a oração. Mas fazem isto seguindo o exemplo e em companhia de sua mãe, a Virgem Santíssima, cuja glória reside toda no interior (Cfr. Sal. 44, 14) e que, durante toda a vida, tanto amou o retiro e a oração. É verdade que aparecem algumas vezes no mundo, mas a para obedecer a vontade de Deus e de sua querida Mãe, para cumprir os seus deveres de estado. Por maiores que sejam, na aparência, as coisas que fazem exteriormente, estimam muito mais as coisas que fazem dentro de si, no interior, em companhia da Santíssima Virgem. É aí que realizam a grande obra da sua perfeição, em comparação com a qual todas as outras não passam de jogos de criança. Seus irmãos e irmãs trabalham exteriormente com muita força, habilidade e sucesso no meio do louvor e aplauso do mundo. Mas eles sabem, pela luz do Espírito Santo, que há muito mais glória, vantagem e prazer em permanecer escon¬didos no recolhimento com Jesus, seu modelo, numa inteira e perfeita submissão a sua Mãe. Sabem que isto vale muito mais que efetuar no mundo por si mesmos maravilhas de natureza e de graça, como tantos Esaús e condenados. “Glória et divitiae in domo ejus” (Cfr. Sal. 1 11, 3) - a gloria de Deus e a riqueza dos homens encontraram-se na casa de Maria. // Senhor Jesus, como são amáveis os vossos tabernáculos! O passarinho achou a casa onde morar, e a rola um ninho onde abrigar os seus filhinhos. Oh! Como é feliz o homem que habita em casa de Maria, onde Vos fostes o primeiro a habitar! É nesta morada dos predestinados que o homem recebe socorro de Vós só, e que dispõe no seu coração subidas e degraus de todas as virtudes, para se elevar a perfeição neste vale de lagrimas. “Quam dilecta tabernacula tua etc. - Quão deliciosas as vossas moradas etc.” (Cfr. Sal. 83, 2)
197 – 2º - Os eleitos amam ternamente e honram de verdade a Santíssima Virgem, como sua boa Mãe e Senhora. Amam-na não só com os lábios, mas em verdade; honram-na não só exterior¬mente, mas no fundo do coração. Evitam, como Jacó, tudo o que pode desagradar-lhe, praticam fervorosamente tudo o que julgam poder atrair a sua benevolência. Trazem-lhe e dão, não dois cabritos, como Jacó a Rebeca, mas o corpo e a alma, com tudo o que deles depende e que estavam figurados nos dois cabritos de Jacó. Isto.
1 - para que Ela os receba como coisa que lhe pertence;
2 - para que os mate e faça morrer para o pecado e para si mesmos, despojando-os da sua própria pele e do seu amor próprio. É por este meio que agradam a seu Filho Jesus, que só quer para seus amigos e discípulos os que estão mor¬tos para si mesmos (Esta alínea deve ser lida a luz dos comentários feitos ao numero 81);
3 - para que Ela os prepare Segundo o gosto do Pai celeste e para sua maior glória, que Ela conhece melhor do que nenhuma outra criatura;
4 - para que esse corpo e essa alma, por seus cuidados e intercessão bem purificados de toda a mancha, bem mortos, bem despojados e prepara¬dos, sejam um manjar delicado, digno do paladar e da bênção do Pai celeste: Não e isto o que hão de fazer as almas predestinadas, que apreciem e pratiquem a consagração perfeita a Jesus Cristo pelas mãos de Maria, que nos ensinamos, que¬rendo assim mostrar a Jesus e a Maria um amor afetivo e corajoso?
Os réprobos dizem bastante que amam Jesus, que amam e honram Maria, mas não a com tudo o que tem (Cfr. Prov. 3, 9) e não até ao ponto de lhes sacrificar o corpo com seus sentidos e a alma com as suas paixões, como os predestinados.
198 - Os eleitos são submissos e obedientes a Santíssima Virgem, como a sua boa Mãe. Nisto seguem o exemplo de Jesus Cristo que, dos trinta e três anos que viveu na terra, empregou trinta a glorificar seu Pai, por uma perfeita e inteira submissão a sua santa Mãe. Obedecem-lhe se¬guindo exatamente os seus conselhos, como o pequeno Jacó seguia os de Rebeca. Esta disse¬-lhe: “Aquiesce consiliis meis - meu filho, segue os meus conselhos” (Gen. 27, 8). Obedecem-lhe ainda como os convidados das bodas de Cana, a quem a Santíssima Virgem disse: “Quodcumque dixerit vobis facite - Fazei tudo o que meu Filho vos disser” (Cfr. Jo. 2, 5). Por ter obedecido a sua mãe, Jacó recebeu a bênção como por milagre, visto que por natureza não lhe cabia. Os convidados das bodas de Caná, devido a terem seguido o conse¬lho da Virgem Santíssima, foram honrados com o primeiro milagre de Jesus Cristo que ai trans¬formou a água em vinho a pedido de sua Mãe. De igual modo, todos os que até ao fim dos séculos receberem a bênção do Pai celeste e forem hon¬rados com as maravilhas de Deus, não receberão essas graças senão em conseqüência da sua per¬feita obediência a Maria. Os Esaús, pelo contra¬rio, perdem a bênção por falta de submissão a Santíssima Virgem.
199 - 4° - Os eleitos têm uma grande confiança na bondade e no poder da Virgem Santíssima, sua boa Mãe. Reclamam sem cessar o seu socorro; consideram-na como a sua estrela polar, que os levara a bom porto. Descobrem-lhe as suas penas e necessidades, com muita abertura de coração. Confiam nas suas entranhas de misericórdia e doçura para, por sua intercessão, alcançarem o perdão de seus pecados, ou para saborearem as suas doçuras maternais, no meio das suas penas e sofrimentos. Lançam-se mesmo, escondem-se e perdem-se duma forma admirável no seu amoroso e virginal seio, para serem abrasados do puro amor, para ai serem purificados das meno¬res manchas, e para encontrarem Jesus, que ai reside como em seu mais glorioso trono. Oh, que ventura! “Não julgueis, diz o abade Guerric (Sermo in Assumptione, 4), que haja maior felicidade em habitar no seio de Abraão que no seio de Maria, pois o Senhor ai colocou o seu trono. - Ne credideris maioris esse felicitatis habitare in sinu Abrahae quam in sinu Mariae, cum in eo Dominus posuerit thronum suum”. // Os réprobos, ao contrário, põem toda a sua confiança em si mesmos. Não comem senão o alimento dos porcos como o filho pródigo; não se alimentam senão de terra como os sapos, e só amam as coisas visíveis e exteriores como os mundanos. Não apreciam as doçuras do seio e das entranhas de Maria. Não sentem um certo apoio e uma certa confiança que os predestina¬dos sentem para com a Santíssima Virgem, sua boa Mãe. Amam miseravelmente a sua fome das coisas exteriores, como diz São Gregório (Homilia 36 in Evang.), por¬que não querem provar a doçura que lhes esta preparada dentro de si mesmos e dentro de Jesus e de Maria.
200 - 5° - Os predestinados, finalmente, seguem os caminhos da Santíssima Virgem, sua boa Mãe. Isto é, imitam-na, e é nisto que consiste verdadei¬ramente a sua felicidade e devoção, e que mos¬tram o sinal infalível da sua predestinação. É o que lhes diz esta boa Mãe: “Beati qui custodiunt vias meas” (Cfr. Prov. 8, 32) - bem-aventurados os que praticam as minhas virtudes e caminham nas pegadas da minha vida, com o auxílio da divina graça. São felizes neste mundo, durante a vida, pela abun¬dância das graças e doçuras (Sobre o valor relativo das consolações sensíveis falamos já no comentário ao número 55) que da minha plenitude (É necessário lembrar-se de que Nossa Senhora não tem nenhuma grandeza sobrenatural a não ser partici¬pando da plenitude de Jesus Cristo. Veja o comentário ao número 23) lhes comunico, mais abundantemen¬te que aqueles que não me imitam de tão perto. São felizes na morte que a doce e tranqüila, e a que assisto ordinariamente, para Eu própria os conduzir as alegrias eternas. Finalmente, serão felizes na eternidade, porque nunca nenhum dos meus servos dedicados, que imitou as minhas virtudes durante a vida, se veio a perder. // Os réprobos, pelo contrario, são infelizes durante a vida, na morte e na eternidade, porque não imitam as virtudes de Maria. Contentam-se com pertencer, as vezes, as confrarias, rezar a1gumas orações em sua honra ou praticar qual¬quer outra devoção externa. // O Santíssima Virgem, minha boa Mãe, como são felizes, repito-o num transporte de intima alegria, como são felizes aqueles e aquelas que, não se deixando seduzir por uma falsa devoção para convosco, seguem fielmente os vossos caminhos, os vossos conselhos e as vossas or¬dens! Mas quão desgraçados e malditos aqueles que, abusando da vossa devoção, não guardam os mandamentos de vosso Filho: “Maledicti omnes qui declinant a mandatis tuis - Malditos todos aqueles que se afastam dos vossos manda¬mentos” (Cfr. Sal. 118, 21).
201 - (c) Rebeca e Maria. Vejamos agora os amorosos serviços que a Santíssima Virgem, como a melhor de todas as mães, presta aos seus fieis servidores, que se lhe deram da maneira que disse, e segundo a figura de Jacó.
1° - Ela ama-os. “Ego diligentes me diligo - eu amo aqueles que me têm amor” (Prov. 8, 17). Ama-os porque a sua verda¬deira Mãe; ora uma mãe ama os seus filhos, fruto das suas entranhas. // Ama-os por gratidão, visto que efetivamente eles a amam como sua boa Mãe. Ama-os porque, sendo predestinados, Deus lhes tem amor: “Ja¬cób dilexi, Esau autem odio habui - Amei Jacó e odiei Esaú” (Mal. 1, 2-3). Ama-os, porque se lhe consagra¬ram inteiramente e se tornaram seu quinhão e sua herança: “In Israel haereditare - Recebe Israel por tua herança” (Ecli. 24, 13).
202 - Ama-os ternamente, e com mais ternura que todas as mães juntas. Juntai, se puderdes, todo o amor natural que as mães do mundo inteiro tem pelos seus filhos, num só coração de mãe, para com um único filho: certamente essa mãe amará muito esse filho. No entanto, verdade e que Maria ama ainda mais ternamente seus filhos do que aquela mãe amaria o seu. // Ela não os ama apenas com afeto mas também efetivamente. O seu amor por eles e ativo e efetivo, como e mais ainda que o de Rebeca por Jacó. Eis o que esta boa Mãe, de quem Rebeca era apenas a imagem, realiza para obter a seus filhos a bênção do Pai celeste.
203 - 1 - Espreita, como Rebeca, as ocasiões favoráveis para lhes fazer bem, para os engrandecer e enriquecer. Ela vê claramente em Deus os bens e os males, os bons e os maus sucessos, as bênçãos e as maldiçoes divinas. Por isso dispõe de longe todas as coisas, para livrar os seus servos de toda a espécie de males, e para os cumular de todos os bens. Assim, se se apresen¬tar a ocasião de alcançar uma boa fortuna em Deus pela fidelidade de alguma criatura a qual¬quer alta missão, a fora de dúvida que Maria obterá esta graça um dos seus filhos e servos fieis, juntamente com a graça de tudo levar a cabo fielmente. “Ipsa procurat negotia nostra”, diz um Santo: “Ela própria se ocupa dos nossos interesses”.
204 - 2 - Dá-lhes bons conselhos, como Rebeca a Jacó: “Fili mi, aquiesce consiliis meis - Meu filho, segue os meus conselhos”. E, entre outros conselhos, inspira-lhes o de lhe trazerem dois cabritos, isto e, o corpo e a alma, para lhos consagrarem, para que Ela prepare um festim agradável a Deus, e de fazerem tudo o que seu Filho, Jesus Cristo, ensinou com suas palavras e exemplos. Se não a diretamente que lhes da estes conselhos, da-lhos pelo ministério dos anjos, cuja maior honra e prazer e obedecer a alguma das suas ordens para baixar a terra e vir em socorro de algum dos servidores dela.
205 - 3 - Quando lhe levamos e consagramos o corpo e a alma, e tudo o que deles depende, sem nada excetuar, que faz esta boa Mãe? (COMENTARIO: Este número a quase uma repetição do número 197. O leitor lembre-se, portanto, do comentário que ai fizemos). Aquilo que outrora fez Rebeca aos dois cabritos que Jacó lhe trouxe: Mata-os e fá-los morrer para a vida do velho Adão; esfola-os e tira-lhes a pele natural, que são as inclinações da natureza, o amor próprio, a vontade própria e todo o apego a criatura. Purifica-os de suas manchas, impurezas e pecados. // Prepara-os ao gosto de Deus e para sua maior gloria. Como só Ela conhece perfeitamente o gosto divino e a maior gloria do Altíssimo, também só Ela pode aprontar e preparar, sem se enganar, o nosso corpo e a nossa alma segundo esse gosto infinitamente elevado a essa glória infinitamente escondida e eterna.
206 - 4 - Esta boa Mãe, tendo recebido a oferta perfeita que lhe fizemos de nos mesmos e dos nossos méritos e satisfações, por meio da devoção que expus, e tendo-nos despojado dos nossos velhos hábitos, prepara-nos e torna-nos dignos de comparecer diante de nosso Pai celeste. Ves¬te-nos com as roupas limpas, novas, preciosas e perfumadas de Esaú (COMENTARIO: São Luís Maria não escapa a defeitos humanos! Aqui esqueceu-se de que tinha apresentado Esaú como o tipo dos réprobos (cfr. 185 ss). É por isso, um pouco estranho ver aparecer Esaú agora como tipo de Jesus… Embora os peritos da Sagrada Escritura, geralmente, reconheçam que certas passagens bíblicas, podem ter um sentido mais profundo, são sempre muito prudentes quando começam a explica-¬las. Sabem, que, regra geral, o sentido mais profundo não esta nos pormenores mas no teor geral da passagem. São Luis Maria não guarda essa prudência, mas tem a desculpa de escrever conforme o costume do seu tempo. Aparece-nos aqui outra materialização do nosso contato vivo com Deus. A nossa vida sobrenatural não se devia comparar com um vestido, com uma coisa. Veja o comentário ao numero 23), o primogênito, isto é, de Jesus Cristo, seu Filho. Ela guarda estas vestes em sua casa, quer dizer, tem-nas em seu poder, sendo a tesoureira e dispensadora universal dos méritos e das virtudes de Jesus Cristo, seu Filho. E Maria pode dá-los e comunica-los a quem quer, quando quer, como quer e na medida que quer, como já acima (Veja os números 25 e 141) vimos. Envolve as mãos e o pescoço de seus servos com a pele dos cabritos mortos e esfolados, isto e, adorna-os com os méritos e o valor das ações deles mesmos. É verdade que Maria mata e mortifica o que há de impuro e imperfeito nas suas pessoas; mas não perde nem dissipa todo o bem que a graça neles operou. Guarda-o e aumenta-o para fazer dele o ornamento e a força de seu pescoço e mãos, ou seja, para lhes dar fortaleza em levar o jugo do Senhor, que assenta no pescoço, e para operarem grandes coisas para gloria de Deus e salvação de seus pobres irmãos. Maria da um novo perfume e uma nova graça a essas vestes e ornamentos, comunicando-lhes as suas próprias vestes, quer dizer: os seus méritos e virtudes (No princípio deste número São Luís Maria diz que Nossa Senhora comunica os méritos e virtudes de Jesus; agora afirma que Ela também comunica os seus próprios méritos e virtudes. Inevitavelmente dá com que isso a impressão de que se trata de coisas separadas. Mas na realidade trata-se da única vida de Jesus, vivida por Ele mesmo como o “dono”, e por Maria em união com Ele. Portanto, não convém falar das virtudes de Maria como se existissem independentes das de Jesus. O Concílio Vaticano II insistiu muito em evitar essa separação artificialmente de Jesus e Maria, e em propagar claramente que a Santíssima Virgem não tem outra grandeza sobrenatural que a de participar da grandeza de Jesus. Jesus Cristo é o centro independente; Ele é a única fonte de grandeza sobrenatural. Veja também o comentário ao número 144), que Ela lhes legou em testamento ao morrer, como diz uma santa religiosa do século passado, morta em odor de santidade, e que o soube por revelação. Deste modo, todos os seus domésticos, fieis servos e escravos, estão duplamente vestidos com as vestes de seu Filho e as suas: “Omnes domestici ejus vestiti sunt duplicibus” (Cfr. Prov. 31, 21). É por isso que não tem a recear o frio de Jesus Cristo, branco como a neve, que os réprobos, despidos e desprovidos dos merecimentos de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem, não poderão suportar.
207 - 5 - Enfim, consegue-lhes a benção do Pai celeste, embora naturalmente a não devessem receber por não ser os primogênitos, e apenas filhos adotivos. Com estas vestes inteiramente novas, muito preciosas e muito perfumadas, e com o corpo e a alma bem preparados e apronta¬dos, aproximam-se confiadamente do leito de repouso do Pai celeste. Ele ouve e conhece-lhes a voz, que e a do pecador; apalpa-lhes as mãos, cobertas de peles; sente o aroma dos seus vesti¬dos; come com prazer o que Maria, a Mãe deles, lhe preparou. E, reconhecendo neles os méritos e o bom odor de seu Filho e de sua Santa Mãe, dá-lhes uma dupla bênção. Quer dizer: a bênção do orvalho do céu (De rore coeli), que e a graça divina, semente da glória: “Benedixit nos in omni benedictione spirituals in Christo Jesus - Deus abençoou- nos em Jesus Cristo com toda a bênção espiritual”. E da- ihes mais a bênção da fecundidade da terra (De pinguedine terrae), isto é, este Pai bondoso dá-lhes o pão quotidiano e uma suficiente abundancia dos bens deste mun¬do. Fá-los senhores dos outros seus irmãos, os réprobos, embora esta primazia nem sempre se manifeste neste mundo, que passa num momen¬to. Neste mundo são muitas vezes os réprobos que dominam: “Peccatores effabuntur et gloriabun¬tur - Os pecadores se vangloriarão com discursos e se exaltarão… Vidi impium superexaltatum et elevatum - Vi o ímpio exaltado e elevado”. Mas essa primazia não deixa por isso de ser verdadeira e aparecera manifestamente no outro mundo, pela eternidade afora. Lá os justos, no dizer do Espírito Santo, dominarão e imperarão sobre as nações: “Dominabuntur populis - Dominarão sobre as nações” (As citações latinas deste número referem-se respectivamente a Gen. 27, 28; Ef. 1, 3; Gen. 27, 28; Sal. 93, 3-4; Sal. 36,35; Sab. 3, 8). Sua Majestade não se contenta só com abençoar as suas pessoas e os seus bens, mas estende a sua bênção a quantos os abençoarem, e a sua maldição a todos os que os amaldiçoarem e perseguirem.
208 – 2ª - Ela sustenta-os. O Segundo dever de caridade que a Santíssima Virgem exerce para com os seus fiéis servos, e que os provê de tudo, quanto ao corpo e quanto à alma. Dá-lhes vestes duplas, como acabamos de ver. Alimenta-os com os manjares escolhidos da mesa de Deus. Dá-lhes a comer o pão de vida que Ela própria formou: “A generationibus meis implemini” - Meus filhos, diz-lhes Ela pela boca da Sabedoria, enchei-vos dos meus frutos, isto é, de Jesus, o fruto de vida, que Eu dei a luz para vos. “Venite, comedite panem meum et bibite vinum quod miscui vobis”, “Comedite et bibite, et inebriamini, carissimi”. Vinde, repete-lhes noutro lugar, comei o meu pão, que e Jesus, e bebei o vinho do seu amor, que para vos preparei com o leite do meu peito. Por Ela ser a tesoureira e a dispensadora do Altíssimo, prepara uma boa parte, e a melhor parte, para alimentar e sustentar os seus filhos e servos. Sacia-os com o pão vivo, inebria-os com o vinho que gera as virgens. Leva-os aos seios: “Ad ubera portabimini”. Dá-lhes tanta facilidade em levar o jugo de Jesus Cristo, que quase não lhe sentem o peso, devido ao óleo da salvação em que o faz apodrecer: “Jugum eorum computrescet a facie olei” (As citações latinas deste numero referem-se respectivamente a Ecli. 24, 26; Prov. 9, 5; Cant. 5, 1; Is. 66, 12; Is. 10, 27)
209 – 3ª - Guia-os. O terceiro bem que a Santíssima Virgem faz aos seus fieis servos, e que Ela os conduz e dirige segundo a vontade de seu Filho. Rebeca condu¬zia seu filho Jacó e dava-lhe bons conselhos, de tempos a tempos, quer para atrair sobre ele a bênção de seu pai, quer para o subtrair ao ódio e a perseguição de Esaú, seu irmão. // Maria que é a estrela do mar, conduz todos os seus servos fieis a bom porto. Mostra-lhes os caminhos da vida eterna e faz-lhes evitar os passos perigosos. Leva-os pela mão nas veredas da justiça e sustenta-os, quando estão prestes a cair, e, quando caem, levanta-os. Repreende-os, como Mãe caridosa, quando erram e chega mesmo, por vezes, a castiga-los amorosamente. Poderá um filho obediente a Maria, sua Mãe nutrícia e diretora esclarecida, perder-se nos caminhos da eternidade? “Ipsam sequens non devias - Seguindo-a, diz São Bernardo (Veja o número, 174), não vos perdeis”. Não receeis que um verdadeiro filho de Maria seja enganado pelo espírito maligno e caia em alguma heresia formal. Onde e Maria que guia, não há lugar nem para o demônio com as suas ilusões nem para os heréticos com as suas sutilezas. “Ipsa tenente non corruis - quando Ela vos sustem, não cais”.
210 - 4° - Defende-os e protege-os. O quarto beneficio que a Santíssima Virgem presta a seus filhos e fieis servos, e que os defende e protege contra os seus inimigos. Rebe¬ca, por meio dos seus cuidados e diligencias, livrou Jacó de todos os perigos em que se encon¬trava. Livrou-o particularmente da morte que seu irmão Esaú lhe teria provavelmente dado, como outrora Caim a seu irmão Abel, tanto era o ódio e a inveja que lhe tinha. Maria, a boa Mãe dos predestinados, abriga-os sob as asas da sua proteção, como a galinha aos seus pintainhos. Fala-lhes, abaixa-se até eles, condescende com as suas fraquezas. Cerca-os para os livrar do milhafre e abutre, acompanha-os como um exér¬cito posto em linha de batalha: “Ut castrorum acies ordinata” (Cfr. Cant. 6, 3). Um homem rodeado por um exército bem disciplinado de cem mil homens, poderá temer os seus inimigos? Um fiel servo de Maria, cercado pela sua proteção e pelo seu poder imperial, tem ainda menos a temer. Esta boa Mãe e poderosa princesa dos céus enviaria batalhões de milhões de anjos em socorro de um dos seus servos, antes que se pudesse jamais dizer que um fiel servo de Maria, que nela confiara, tinha sucumbido ante a malícia, o número e a força dos seus inimigos.
211 - 5ª - Intercede por eles. Enfim, o quinto e último grande bem que esta Mãe amável presta a seus fieis devotos e que intercede por eles junto de seu Filho. Apazigua¬-o com suas orações, une-os a Ele com laços muito íntimos e mantém-nos nessa único. / Rebeca fez aproximar Jacó do leito de seu pai e o bom homem tocou-o, abraçou-o e até o beijou com alegria. Sentiu-se contente e saciado com a carne bem preparada que Jacó lhe trouxe, e tendo aspirado com grande prazer os preciosos aromas das roupas dele, exclamou: “Ecce odor filii mei sicut odor agri pleni, cui benedixit Dominus - Eis que o perfume de meu filho a semelhante ao aroma dum campo fecundo, que o Senhor abençoou” (Gen. 27, 27). Esse campo fecundo, cujo perfume regozijou o coração do pai, não a outro senão o das virtudes e méritos de Maria. Ela a um campo cheio de graça, onde Deus Pai semeou, qual grão de trigo dos eleitos, o seu Filho único. // Oh, como um filho perfumado pelo bom odor de Maria e bem acolhido por Jesus Cristo, Pai dos séculos futuros! Como se une, rápida perfeitamente a Ele! Já atrás” (Veja o número 156) o mostramos mais demoradamente.
372 - 212 - Além disto, depois de ter cumulado de favo¬res os seus filhos e fieis servos, depois de ter obtido a benção do Pai celeste, e a único com Jesus Cristo, conserva-os em Jesus Cristo e Jesus Cristo neles. Guarda-os e vela sempre por eles, para que não venham a perder a graça de Deus, e a cair nas ciladas do inimigo; “In plenitudine sanctos detinet - Detém os santos na sua plenitu¬de”, e fá-los perseverar ate ao fim, como vimos. // Eis a explicação desta grande e antiga figura da predestinação e da condenação, tão pouco conhecida e tão cheia de mistérios.

ARTIGO QUARTO
OS EFEITOS DA ENTREGA TOTAL SÃO EXCELENTES
213 - 1° - Conhecimento e desprezo de si próprio. Meu querido irmão, convence-te de que, se fores fiel às praticas interiores e exteriores que to indicarei mais adiante, conheceras, pela luz que o Espírito Santo te dará por intermédio de Maria, sua querida esposa, o teu fundo mau, a tua corrupção e incapacidade para todo bem. E em conseqüência desse conhecimento, desprezar-¬te-ás e sentiras horror em pensar em ti. Conside¬rar-te-ás como um caracol, que tudo estraga com a sua baba, ou como um sapo, que tudo envenena com a sua peçonha, ou como uma serpente ma¬liciosa, que só procura enganar (Este modo de falar sobre o homem é muito defeituoso como já mostramos nos comentários ao número 78 ss). Finalmente, a humilde Maria to comunicara a sua profunda humildade e fará com que to desprezes a ti mesmo mas não aos outros, (São Luís Maria deixa-se levar a exageros nesta matéria. Como podemos desprezar-nos a nós mesmos se Deus acha motivo em nós para nos amar tanto? As mesmas razões que temos para estimar os outros existem também, de alguma forma, em nós; e as mesmas razões para nos desprezarmos a nós mesmos encontramo-las também, de certa forma, nos outros. Alias, temos na Sagrada Escritura textos que nos levam a uma atitude mais positiva e mais equilibrada p.e. “O meu preceito a que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 15, 12). “Amarás… o teu próximo como a ti mesmo. E Jesus disse-lhe: Respondeste bem; faz isso e viverás (Lc 10, 27-28). Já explicamos os textos que falam do ódio a si mesmo: veja o comentário ao número 80) e gostes de ser desprezado.
214 – 2º’- Participação da fé de Maria. A Santíssima Virgem far-te-á participar da sua fé, que foi maior, na terra, que a dos patriar¬cas, profetas, apóstolos e todos os santos. Agora que reina nos céus, já não tem essa fé, pois vê claramente todas as coisas em Deus, pela luz da glória. No entanto, por permissão do Altíssimo, não perdeu a sua fé ao entrar na glória; conser¬vou-a, a fim de a conservar na Igreja militante nos seus mais fiéis servos e servas. Por isso, quanto mais benevolência granjeares desta au¬gusta princesa e Virgem fiel, mais pura fé terás em todo o teu proceder: (No que se segue, os membros da Legião de Maria reconhecerão facilmente a oração final da “tessera”. Este texto, para o qual São Luis Maria foi procurar inspiração no livro de H. Boudon; “L’Esclavage de l’admirable Mère de Dieu”, pig. 208 ss, serviu de modelo a essa oração da Legião de Maria) uma fé viva que fará com que não te preocupes mais com o que é sensível e extraordinário; uma fé viva e animada de caridade, que te levará a fazer tudo unicamen¬te movido pelo puro amor; uma fé firme e inquebrantável como um rochedo, que te fará perma¬necer constante e firme no meio das tempestades e tormentas; uma fé ativa e penetrante que, como misteriosa gazua, to dará entrada em todos os mistérios de Jesus Cristo, nos fins últimos do homem, e no coração do próprio Deus; uma fé corajosa que, sem hesitações, te fará empreender e levar a cabo grandes coisas pela causa de Deus e salvação das almas; enfim, uma fé que será o teu archote luminoso, a tua vida divina, o teu tesouro escondido da divina Sabedoria, a tua arma onipotente de que to serviras para iluminar os que estão nas trevas e sombras da morte, para abrasar os que são tíbios e precisam do ouro ardente da caridade, para dar vida aos que mor¬reram pelo pecado, para tocar e prostrar, com as tuas palavras doces e poderosas, os corações de mármore e os cedros do Líbano e, finalmente, para resistir ao demônio e a todos os inimigos da salvação.
215 – 3º - Libertação do temor servil e dos escrúpulos. Esta Mãe do amor formoso tirará do teu coração todo escrúpulo e temor servil. Abri-lo-á, dilatá-lo-á, para que corra pelo caminho dos mandamentos de seu Filho, com a Santa liberda¬de dos filhos de Deus e para infundir nele o puro amor de que Ela possui o tesouro. E assim, já não procederás como até aqui por terror de Deus, que e Caridade, mas pelo puro amor. Olhá-lo-ás como teu Pai bondoso, a quem procurarás agra¬dar incessantemente, a quem falarás confiada¬mente como um filho fala a seu bom pai. Se por infelicidade, vieres a ofendê-lo, humilhar-te-ás imediatamente na sua presença, pedir-lhe-ás humildemente perdão, estender-lhe-ás a mão com toda a simplicidade, e levantar-te-ás amoro¬samente, sem perturbação, nem inquietação, e continuarás a caminhar para Ele sem desânimo.
216 - 4° - Grande confiança em Deus e Maria. A Santíssima Virgem encher-te-á duma gran¬de confiança em Deus e nela própria:
* Porque já não te aproximarás de Jesus por ti mesmo, mas sempre por esta boa Mãe.
* Porque, tendo-lhe dado todos os teus méritos, graças e satisfações, para que deles disponha a sua vontade, Ela te comunicará as suas virtudes e te revestirá de seus méritos. Deste modo podes dizer confiadamente a Deus: “Eis Maria, a vossa escrava; que se faça em mim segundo a vossa palavra - Ecce ancilla Domini, fiat mihi secun¬dum verbum tuum” (Cfr. Luc. 1, 38).
* Porque te deste inteiramente de corpo e alma a Ela que é liberal com os liberais e ainda mais do que eles. Em troca Ela entregar-se-á a ti de maneira maravilhosa mas verdadeira, e poderás dizer-lhe afoitadamente: “Tuus sum ego, salvum me fac - Eu sou vosso, Virgem Santíssima, salvai-me” (Cfr. Sal. 118, 94); ou (como já disse) com o discípulo amado: “Accepi te - Eu Recebi-Vos, Santa Mãe, como todo o meu bem” (Cfr. Jo. 19, 27).
Poderás dizer ainda, com São Boaventura: “Ecce Domina salvatrix mea, fiducialiter agam, et non timebo, quia fortitudo mea et laus mea in Domino es tu”… E noutra passagem: “Tuus totus ego sum, et omnia mea tua sunt Virgo gloriosa, super omnia benedicta, ponam te ut signaculum super cor meum, quia fortis est ut mors dilectio tua”. - “Minha querida Senhora e salvadora, agirei com confiança e sem temor, porque Vos sois a minha força e o meu louvor no Senhor!”… “Eu sou todo vosso, e tudo o que tenho, Vos pertence; ó gloriosa Virgem, bendita acima de todas as coisas criadas, por-Vos-ei como um selo sobre o meu coração, porque o vosso amor e forte como a morte”(Psalt. Maj. B. V. Cant. instar Is. 12, 2 e Psalt. Maj. B. V. Cant. instar Ex. 15). Poderás dizer a Deus, com os sentimentos do profeta: “Domine, non est exal¬tatum cor meum, neque elati sunt oculi mei, neque ambulavi in magnis, neque in mirabilibus super me; si non humiliter sentiebam, sed exal¬tavi animam meam; sicut ablactatus est super matre sua, ita retributio in anima mea - Senhor, nem o meu coração, nem os meus olhos tem motivo algum para se elevar e orgulhar, nem para buscar coisas grandes e maravilhosas. Mas, nem por isso sou humilde, mas levantei e animei a minha alma pela confiança. Sou como um menino privado dos prazeres da terra e encostado ao seio de sua mãe, e é nesse seio que sou cumulado de bens” (Sal. 130, 1-2).
* O que aumentara ainda mais a tua confiança nela, a que a fizeste depositaria de tudo o que tinhas de bom, para to guardar ou para o dar aos outros. Terás menos confiança em ti e muito mais nela que e o teu tesouro. Oh! Que confiança e que consolação para uma alma poder dizer que o tesouro de Deus, onde Ele guardou o que tem de precioso, a também o seu tesouro! “Ipsa est thesaurus Domini - Ela é, diz um Santo, o tesouro do Senhor” (Idiota: In Contemplatione B. M. V).
217 – 5º - Comunicação da alma e do espírito de Maria. A alma da Santíssima Virgem comunicar-se¬-á a ti para glorificar o Senhor, o seu espírito ocupará o lugar do teu para se regozijar no Senhor, seu Salvador, contanto que te tornes fiel às práticas desta devoção. “Sit in singulis anima Mariae, ut magnificet Dominum; sit in singulis spiritus Mariae, ut exultet in Deo - Que a alma de Maria esteja em cada um para glorificar o Se¬nhor; que o espírito de Maria esteja em cada um para se alegrar em Deus” (S. Ambrósio: Expositio in Luc. lib. 2, n° 26. - COMENTARIO: A comunicação da alma a do espírito de Maria não se deve conceber literalmente, mas no sentido de um contato in¬timo e vivo entre Nossa Senhora e nós, tal como explicamos no comentário ao número 23). AH, QUANDO VIRÁ ESSE FELIZ TEMPO, - diz um Santo homem dos nossos dias, todo perdido em Maria, - AH, QUANDO CHEGARÁ ESSE FELIZ TEMPO EM QUE MARIA SANTÍSSIMA SERÁ CONSTITUÍDA SENHORA E SOBERANA DOS CORAÇÕES, PARA OS SUBMETER PLENAMENTE AO IMPÉRIO DO SEU GRANDE E ÚNICO JESUS? QUANDO É QUE AS ALMAS RESPIRARÃO MARIA, COMO OS CORPOS RESPIRAM O ÁR? ACONTECERÃO ENTÃO COISAS MARAVILHOSAS NESTE MUNDO. Porque o Espírito Santo, encon¬trando a sua amada Esposa reproduzida nas almas, descerá abundantemente sobre elas e enchê-las-á de seus dons, particularmente do dom da sabedoria, para nelas operar maravilhas de graça. Meu querido irmão, quando virá esse tempo feliz, esse século de Maria, em que muitas almas escolhidas e obtidas do Altíssimo por Maria, perdendo-se a si mesmas no abismo do interior dela, se tornarão copias vivas de Maria, para amar e glorificar a Jesus Cristo? Esse tempo só virá quando a devoção que ensino for conhe¬cida e praticada; “Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae - PARA QUE VENHA O REINO DE MARIA”.
218 – 6º - Transformação das almas em Maria a imagem de Cristo. Se a árvore da vida, que é Maria, for bem cultivada na nossa alma, pela fidelidade as pra¬ticas desta devoção, dará fruto a seu tempo, e o seu fruto não a outro senão Jesus Cristo. Vejo tantas almas piedosas que buscam Jesus Cristo, umas por uma via e uma pratica, outras por outra. E muitas vezes, depois de terem traba¬lhado muito durante a noite, podem dizer: “Per totam noctem laborantes, nihil cepimus - Embo¬ra tenhamos trabalhado durante toda a noite, não apanhamos nada”. E nós podíamos dizer-lhes: Laborastis multum et intulistis parum - traba¬lhastes muito e lucrastes pouco. Jesus Cristo é ainda muito fraco em vós” (Os textos latinos deste número referem-se a Luc. 5, 5 e Ageul, 6). Mas no caminho imaculado de Maria e nesta divina pratica que ensino, trabalha-se de dia, trabalha-se num lugar santo e trabalha-se pouco. Em Maria não há noite, porque Ela não teve do pecado nem a menor sombra. Maria a um lugar Santo, o Santo dos Santos, onde os santos são formados e mol¬dados.
219 - Peço-te que notes o que disse: os santos são moldados em Maria. Há grande diferença em fazer uma figura em relevo a golpes de martelo e de cinzel, e fazer uma figura lançando-a numa forma. Os escultores e estatuários trabalham muito para fazer imagens do primeiro modo, e precisam de muito tempo. Mas a fazer imagens da segunda maneira, trabalha-se pouco e fazem ¬se rapidamente. Santo Agostinho chama a Santíssima Virgem forma Dei, forma de Deus, for¬ma própria para formar e moldar deuses*. “Si formam Dei to appelem digna existis - Sois digna de ser chamada forma de Deus” (S. Agostinho: Sermo 208). Aquele que e lançado nesta forma divina depressa é formado e moldado em Jesus Cristo e Jesus Cristo nele. Facilmente e em pouco tempo se tornara deus (Expressão poética para dizer: homens unidos a Deus, ou homens transformados em Deus. Do mesmo modo o Sal. 81, 6 diz: “Sois deuses e todos filhos do Altíssimo’”. Jesus serviu-se uma vez deste texto para se defender (Cfr. Jo. 10, 31 ss)), pois e lançado na própria forma que formou um Deus.
220 - Parece-me que posso muito bem comparar os diretores e as pessoas devotas, que querem for¬mar Jesus Cristo em si ou nos outros por meio de práticas diferentes desta, a escultores. Estes, confiando no seu engenho, diligência e arte, dão uma infinidade de golpes de martelo e cinzel na pedra dura ou num pedaço de madeira mal poli¬da, para dela fazerem uma imagem de Jesus Cristo. E as vezes não conseguem representar Jesus Cristo ao vivo, quer por falta de conheci¬mento e experiência da pessoa de Jesus, quer por causa de um golpe mal dado, que estragou a obra. Mas, quanto aos que abraçam este segredo de graça que lhes apresento, comparo-os, com razão, a fundidores e moldadores que acharam a forma tão bela de Maria, na qual Jesus Cristo foi natural e divinamente formado. Não confiando na sua própria habilidade, mas unicamente na bondade da forma, lançam-se e perdem-se em Maria, para se tomarem o retrato vivo de Jesus Cristo.
221 - Ó bela e verdadeira comparação! Mas quem a compreendera? Desejo que sejas tu, meu queri¬do irmão. Mas lembra-te que só se lança na forma o que está fundido e liquido. Isto quer dizer que deves destruir e fundir em ti o velho Adão, para que em Maria te transformes no novo.
222 - 7° - A maior glória de Jesus Cristo. Por esta prática, fielmente observada, darás a Jesus Cristo mais gloria num mês, do que por qualquer outra, embora mais difícil, em muitos anos. Eis aqui as razões do que afirmo:
a - Porque fazendo as tuas ações pela Santíssima Virgem, como esta prática ensina, renun¬cias as tuas próprias intenções e operações (Veja o comentário ao número 81), embora boas e conhecidas, para, por assim dizer, te perderes nas da Santíssima Virgem, muito embora to sejam desconhecidas. Deste modo entras na participação da sublimidade das suas intenções. A pureza destas foi tanta que Ela glorificou mais Deus pela mínima das, suas obras (p. e. fiar na sua roca ou dar alguns pontos), do que São Lourenço pelo cruel martírio que sofreu na grelha, e mesmo do que todos os santos pelas suas mais heróicas ações. E assim durante a sua permanência, na terra, adquiriu uma plenitude indizível de graças e méritos. Seria mais fácil contar as estrelas do céu, as gotas de água do mar e os grãos de areia das praias, do que os seus méritos e graças (Lembre-se o leitor de que graças, etc., não são coisas que se possam contar ou juntar). Ela deu mais gloria a Deus do que todos os anjos e santos lhe deram ou jamais darão. O prodígio de Maria! Só prodígios de graças sois capaz de fazer nas almas que querem perder-se em vos.
223 - b - Porque esta prática faz com que uma alma considere nada, tudo o que pensa ou faz por si mesma (Veja o comentário ao número 143). Apóia-se e compraz-se apenas nas disposições de Maria para se aproximar de Jesus e mesmo para lhe falar. Assim mostra muito mais humildade do que as almas que agem por si mesmas e se apoiam e deleitam, imperceptivel¬mente, nas suas disposições. Conseqüentemente essa alma da muito mais glória a Deus, que só é glorificado perfeitamente pelos humildes e pe¬quenos de coração.
224 - c - Porque a Santíssima Virgem digna-se receber, por grande caridade, a oferta das nossas ações em suas mãos virginais, e dá-lhes assim uma beleza e um brilho admiráveis (Veja o comentário ao número 146). É Ela própria que as oferece a Jesus Cristo, e não há dúvida de que Nosso Senhor a assim mais glori¬ficado do que se lhas oferecêssemos nos mesmos com as nossas mãos criminosas.
225 - d - Finalmente, porque nunca pensas em Maria sem que Maria, em teu lugar pense em Deus, e nunca louvas Maria sem que Ela contigo louve e honre a Deus. Maria só a Deus se refere, e bem lhe poderíamos chamar a relação de Deus, por¬que Ela só existe em relação com Ele, ou o eco de Deus, porque Ela só diz e repete: “Deus”. Quan¬do dizes Maria, Ela diz Deus. Santa Isabel lou¬vou-a e proclamou-a bem-aventurada, porque tinha acreditado; Maria, o eco fiel de Deus, cantou: “Magnificat anima mea Dominum - A minha alma glorifica o Senhor” (Luc 1, 46). O que Maria fez nessa ocasião, fá-lo todos os dias. Quando a louvamos, amamos e honramos ou lhe damos alguma coisa, é a Deus que louvamos, amamos e honramos, é a Deus que damos por Maria e em Maria.

Artigo Quinto – Práticas Particulares desta Devoção.
226 - § 1º - Práticas exteriores.
Embora o essencial desta devoção consiste no interior, não deixa de compreender várias práticas exteriores, que não se devem negligenciar. “Haec oportiut facere et illa non omittere É preciso fazer isto, mas não omitir aquilo” (Cfr. Mat. 23,23). Quer porque as práticas exteriores bem feitas ajudam as interiores; quer porque lembram ao homem, que sempre se guia pelos sentidos, o que faz ou deve fazer. Também podem edificar ao que as vêem, o que não sucede com as puramente interiores. Portanto, que nenhum mundano critique nem aqui meta o nariz, para dizer que a verdadeira devoção reside no coração, que é preciso evitar as exteriores, que pode haver nisso vaidade, que é preciso ocultar a devoção etc… Respondo-lhes com o meu Mestre: “Que os homens vejam as vossas obras boas, e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Cfr. Mat. 5, 16). Não que se devem fazer as ações e devoções exteriores, como diz São Gregório (Homil 2 In Evang.), para agradar aos homens e tirar daí algum motivo de louvor, pois isso seria vaidade. Mas por vezes fazem-se diante dos homens com o fim de agradar a Deus e de, por este meio, o fazer glorificar, sem a preocupação do desprezo ou louvor dos homens… / Mencionei apenas em resumo algumas práticas exteriores, a que chamo exteriores não porque sejam feitas sem o interior, mas porque têm qualquer coisa de exterior, que as distingue das que são puramente interiores.

227 - 1 – Preparação para a consagração total.
Primeira prática:
(Os Doze Dias)
Esta devoção particular da entrega total não está erigida em confraria, embora isso fosse de desejar (Comentário No tempo de São Luís já existiam confrarias desta devoção, mas ele não o sabia. Na França conhecemos uma em Marcelha (1658) e outra em Paris-São Germano, na capela do hospital. Para os que querem viver esta devoção há atualmente a possibilidade de se inscrever na Arquiconfraria de Maria Rainha dos Corações (mudou de nome para “associação”). Veja o comentário ao número 116.). Ora, aqueles e aquelas que quiserem seguir esta devoção, primeiro empregarão pelo menos doze dias a esvaziar-se do espírito do mundo, contrário ao de Jesus Cristo, conforme já disse na primeira parte desta preparação para o Reino de Jesus Cristo (Leia “Convém saber… B e C”). Depois empregarão três semanas em encher-se de Jesus Cristo, por meio da Santíssima Virgem. Eis a ordem que se pode observar (Comentário: São Luís Maria dá um exemplo de preparação nos números 228-234. Esta pode ser substituída por qualquer outra à livre escolha).
(A Primeira Semana)
228 – Durante a primeira semana, aplicarão todas as suas orações e atos de piedade a pedir o conhecimento de si mesmos e a contrição de seus pecados; farão tudo em espírito de humildade. Para isso poderão, se quiserem, meditar no que eu disse sobre o nosso fundo mau, e considerar-se durante os seis dias dessa semana, como caracóis, lesmas, sapos, porcos, serpentes, bodes. Ou meditem estas três palavras de São Bernardo: “Cogita quid fueris, sêmen putridum; quid sis, vas stercorum, futurus sis esca vermium – Pensa no que fostes, um pouco de lama; no que és, um pouco de estrume; no que serás, alimento de vermes” (Leia os comentários aos números 78-80). Pedirão a Nosso Senhor, e ao Divino Espírito Santo que os esclareça, repetindo as palavras: “Domine, ut videam – Senhor, que eu veja”; ou “Noverim me-que me conheça”; ou “Veni Sacte Spiritus – Vinde, Espírito Santo”. Rezarão todos os dias a Ladainha do Espírito Santo” e a oração que se lhe segue, indicada na primeira parte desta obra (Comentário: Nestes números São Luís Maria refere-se muitas vezes à primeira parte que se perdera). Recorrerão à Santíssima Virgem, pedindo-lhe esta grande graça, que deve ser o fundamento de todas as outras. Para isso dirão todos os dias o “Ave Maris Stella” e a ladainha de Nossa Senhora.
(A Segunda Semana)
229 – Na segunda semana aplicar-se-ão em todas as orações e obras de cada dia, a conhecer a Santíssima Virgem. Pedirão este conhecimento ao Espírito Santo, podendo ler e meditar o que sobre isto dissemos. Rezarão, como na primeira semana, a ladainha do Espírito Santo e o “Ave Maris Stella” ajuntando um rosário cada dia, ou pelo menos um terço, por esta intenção.
(A Terceira Semana)
230 – Empregarão a terceira semana a conhecer Jesus Cristo. Poderão ler e meditar o que a este respeito dissemos, e ler a oração de Santo Agostinho (Veja o número 67), que vem no princípio desta segunda parte. Poderão dizer e repetir, com o mesmo Santo, mil e mil vezes ao dia: “Noverim te – Senhor, que eu Vos conheça”, ou então: “Domine, ut videam – Senhor fazei que eu veja quem Vós sois”. Rezarão, como nas semanas precedentes a ladainha do Espírito Santo e o “Ave Maris Stella”, e acrescentarão todos os dias a ladainha de Jesus (Existem duas: a do Santo Nome de Jesus, e a do Sagrado Coração de Jesus).
231 – No fim dessas três semanas confessar-se-ão e comungarão coma intenção de se darem a Jesus Cristo na qualidade de escravos de amor, pelas mãos de Maria. E depois da comunhão, que se esforçarão por fazer segundo o método abaixo indicado (Veja os números 266 ss.), dirão a fórmula da consagração, que também acharão mais adiante (Comentário: Esta fórmula também se perdeu. Vai no Apêndice a fórmula tirada de outra obra de São Luís Maria: “Amor à Sabedoria Eterna”, e ainda outra mais recente). Deverão escrevê-la ou mandá-la escrever se não estiver impressa, e assiná-la no mesmo dia em que a fizerem.
232 – Será bom que nesse dia paguem algum tributo a Jesus Cristo e a sua Santíssima Mãe, quer como penitência da sua passada infidelidade às promessas do batismo, quer para protestar a sua dependência do domínio de Jesus e Maria. Esse tributo será segundo a devoção, e a capacidade de cada um: poderá ser um jejum, uma mortificação, uma esmola, uma vela. Ainda mesmo que não dessem mais que a homenagem de um alfinete, mas de todo o coração, isto bastaria, pois Jesus só olha à boa vontade.
233 – Uma vez por ano, pelo menos, renovarão a mesma consagração, no mesmo dia em que a fizeram, observando as mesmas práticas durante três semanas… / Poderão renovar tudo o que fizeram todos os meses, e mesmo todos os dias, com estas breves palavras: “Tuus totus ego sum, et omnia mea tua sunt – EU SOU TODO VOSSO E TUDO O QUE TENHO VOS PERTENCE, O MEU AMÁVEL JESUS, POR MARIA, VOSSA SANTA MÃE”.

234 - 2- A Coroinha da Santíssima Virgem.
Segunda prática:
Rezarão diariamente durante toda a vida, mas sem a isso se obrigarem, a coroinha da Santíssima Virgem. Esta compõe de três Pai Nossos e doze Ave Marias, em honra dos doze privilégios e grandezas da Santíssima Virgem. Esta prática é muito antiga e funde-se na Sagrada Escritura. São João (Cfr. Apc. 12,1) viu uma mulher coroada de doze estrelas, vestida de sol e tendo a lua debaixo dos pés. Segundo os intérpretes (Entre outros: São Bernardo: Sermo super Signum Magnum, 3; e S. Agostinho: Tract. de Symbolo ad Cat. Llb. IV, cap I) essa mulher é a Santíssima Virgem.
235 – Há várias maneiras (publicamos uma no Apêndice) de a recitar bem, e seria demasiado longo mencioná-las. O Espírito Santo ensiná-las-á aos que mais fiéis forem a esta devoção. Para a rezar na sua forma mais simples, será, no entanto, preciso dizer, no princípio: “Dignare me laudare te tuos – Permiti que Vos louve, ó Virgem Santíssima, a dai-nos forças contra os nossos inimigos”. Em seguida reza-se o Credo, depois um Pai Nosso, quatro Ave Marias, e um Glória, e novamente um Pai Nosso, quatro Ave Marias, e assim por diante. No fim disto o “Sub tuum praesidium”.

236 - 3 – Uso das cadeiazinhas.
Terceira prática:
É muito louvável, muito glorioso e útil para os que se tornaram escravos de Jesus em Maria, que usem umas cadeiazinhas de ferro. Estas ser-lhes-ão um sinal da sua escravidão de amor, e serão bentas com uma bênção própria, abaixo indicada (Esta bênção também se perdeu)… / Estes sinais exteriores não são, na verdade, essenciais, e pode muito bem passar-se sem eles, embora se tenha abraçado esta devoção (Comentário: Tem havido, no decorrer dos tempos, muitas aberrações no uso destas cadeiazinhas: vaidade, hipocrisia e superstição. Não admira, pois, que haja alguns decretos das Congregações Romanas (Cfr. Analecta Júris Pontificii, 1ª série, col 757) a proibir estas cadeias em certas condições. Sendo assim, e visto que São Luís Maria não lhes liga valor absoluto, as cadeiazinhas já não se usam, e aconselha-se às pessoas que gostam de trazer um sinal exterior da sua consagração total, que usem para esse fim uma medalha, um anel ou qualquer outro objeto significativo. Afinal, todos esses objetos são apenas um símbolo dos nossos laços espirituais, cfr 237: “Atraí-los-ei com cadeias de caridade”. Convém, portanto, não exagerar o valor dos sinais materiais: não são feitiços! Alguém podia ficar com essa impressão, lendo p. e. 239 C. Leia mais pormenores sobre o valor das práticas exteriores no comentário ao número 116). Mas os escravos de amor sacudiram as cadeias vergonhosas da escravidão do demônio a que o pecado original e talvez os pecados atuais os tinham reduzido.,Por isso não posso deixar de louvar aqueles e aquelas que se sujeitaram voluntariamente à gloriosa escravidão de Jesus Cristo, e se gloriam, com São Paulo (Cfr. Ef. 3, 1 e Filem. 9), de estar em cadeias por amor de Jesus Cristo. Estas cadeias são mil vezes mais preciosas, embora de ferro e sem brilho algum, que todos os colares de ouro dos imperadores.
237 – Ainda que outrora não houvesse nada de mais difamante do que a cruz, presentemente esse madeiro é o que há de mais glorioso no cristianismo. O mesmo se diga dos ferros da escravidão. Entre os antigos e, mesmo hoje, entre os pagãos nada há de mais ilustre do que essas cadeias de Jesus cristo. Elas livram-nos e preservam-nos dos infames laços do pecado e do demônio. Dão-nos a liberdade e ligam-nos a Jesus e a Maria não por imposição e força como os forçados, mas por caridade e amor como filhos. “Traham eos in vinculis caritatis (Oséias, 11, 4) (São Luís Maria escreveu erradamente “Oséias 4,11”) – Atraí-los-ei com cadeias de caridade”, diz Deus pela boca dum profeta. Estas cadeias são, por conseguinte, fortes como a morte e, de certo modo, mais fortes ainda nas pessoas que forem fiéis em usar estes gloriosos sinais até a morte. Pois, embora a morte destrua seus corpos, reduzindo-os à podridão, não destruirá os laços da sua escravidão, pois, sendo de ferro, não se corrompem facilmente. E talvez no dia da ressurreição da carne, no grande momento do juízo final, essas cadeias, que lhes ligarão ainda os ossos, constituam parte da sua glória e sejam transformadas em gloriosas cadeias de luz. Felizes, portanto, mil vezes felizes, os ilustres escravos de Jesus em Maria, que usarem estas cadeias até à sepultura!
238 – Eis a razões por que se usam estas cadeiazinhas:
A – Para que os cristãos se lembre dos votos e promessas do seu batismo. Para que se recorde da renovação perfeita que deles fez, por meio desta devoção, e da estreita obrigação em que está de lhes ser fiel. O homem conduz-se, muitas vezes, mais pelos sentidos do que pela fé pura, esquecer-se facilmente das suas obrigações para com Deus, se não houver qualquer coisa exterior que lhas faça lembrar. Ora, estas cadeiazinhas servem maravilhosamente para lembrar ao cristão as cadeias do pecado e da escravidão do demônio, de que o batismo o livrou. Lembram também a dependência de Jesus Cristo em que o homem se colocou pelo santo batismo, bem como a ratificação que dela fez ao renovar as suas promessas. Uma das razões por que tão livremente como se nada tivessem prometido a Deus, como os pagãos, é que não trazem nenhum sinal exterior que os faça lembrar disso.
239 - B – Para mostrar que não nos envergonhamos de ser escravos e servos de Jesus Cristo, e que, renunciamos à funesta escravidão do mundo, do pecado e do demônio.
240 - C – Para servirem de garantia e preservação das cadeias do pecado e do demônio. Pois temos de trazer ou cadeias do pecado e do demônio, ou cadeias de caridade e salvação. “Vincula peccatorum aut vincula caritatis”.
241 – Ah! Meu querido irmão, quebremos as cadeias dos pecados e dos pecadores do mundo e dos mundanos, do demônio e dos seus sequazes e lancemos para longe de nós o seu jugo funesto: “Dirumpamus vincula eorum et projiciamus a nobis jugum ipsorum” (Os textos latinos deste número referem-se respectivamente a Sal. 2, 3; Ecli. 6, 25; Ecli. 6, 26; Ecli. 6, 24). Para me servir das palavras do Espírito Santo: “Ponhamos os pés, nos seus gloriosos ferros, e o pescoço nos seus grilhões – Injice podem tuum in compedes Hillius et in torques illus collum tuum”. “Curvando os ombros, levemos a Sabedoria, que é Jesus Cristo, sem aborrecemos as suas cadeias – Subjice humerum et porta illam, et ne acedieris vinculis ejus”. Nota-se que antes de dizer estas palavras, o Espírito Santo vai preparando a alma, para que não venha a rejeitar este importante conselho. Eis as suas palavras: “Audi fili, et accipe consilium intellectus, et ne abjicias consilium meuum – Ouve, meu filho, e recebe um conselho de sabedoria, e não rejeiteis o meu conselho”.
Permite-me, meu querido amigo, que eu me uma ao Espírito Santo, para te dar o mesmo conselho: “Vincula illus alligatura salutaris (Os textos latinos deste número referem-se respectivamente a Ecli 6, 31; Jô. 12, 32 e Oséias 11,4) – as suas cadeias são cadeias de salvação”. Jesus Cristo, do alto da cruz, deve atrair tudo a si, livre ou forçadamente. Ele atrairá os réprobos com as cadeias de seus pecados a fim de os acorrentar, como forçados e demônios, á sua ira eterna e à sua justiça vingadora. Mas atrairá particularmente nestes últimos tempos, os predestinados, com cadeia de caridade: “Omnia traham eos in vinculis caritatis – Atraí-los-ei com cadeias de caridade”.
242 – Estes escravos de amor de Jesus Cristo, estes prisioneiros de Jesus Cristo, “vincti Christi”, podem usar as cadeias ao pescoço, nos braços, à cinta ou nos pés. O Padre Vicente Caraffa, sétimo Geral da Companhia de Jesus que faleceu em odor de santidade em 1643, trazia uma argola de ferro nos pés, como sinal da sua servidão, e dizia que lamentava não poder arrastar publicamente as suas cadeias. A Madre Inês de Jesus, de quem já falamos (Veja o número 170), usava uma corrente de ferro à volta da cintura. Umas pessoas usaram-na ao pescoço como penitência pelos colares de pérolas que tinham trazido no mundo. Outras usaram-na nos braços, para se lembrarem, nos seus trabalhos manuais, de que eram escravos de Jesus Cristo.

243 - Celebração especial da festa da Anunciação.
Quarta prática.
Terão especial devoção ao grande mistério da Encarnação do Verbo, celebrado no dia 25 de março. É o mistério próprio desta devoção, visto que ela foi inspirada pelo Espírito Santo:
Primeiro, para honrar e imitar a inefável dependência que o Filho de Deus quis ter de Maria, para glória de seu Pai e para nossa salvação. Esta dependência manifesta-se duma maneira particular neste mistério, em que Jesus Cristo está cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, e onde depende dela em todas as coisas. Segundo, para agradecer a Deus as graças incomparáveis que deu a Maria e, particularmente, por a ter escolhido para sua tão digna Mãe, escolha que se realizou neste mistério. Estes são os dois fins principais da escravidão de Jesus Cristo em Maria.
244 – Nota, por favor, como eu digo habitualmente: “escravo de Jesus em Maria, escravidão de Jesus em Maria”. Pode realmente dizer-se, como muitos o fizeram até aqui, “escravo de Maria, escravidão de Maria”. Mas parece-me preferível dizer “escravo de Jesus em Maria”, como aconselhava o Padre Tronson, Superior geral do Seminário de São Sulpício, célebre por sua rara prudência e piedade consumada -, a um sacerdote (Este sacerdote foi o próprio São Luís Maria) que o consultava sobre este assunto. E eis as razões.
245 – A. Estamos num século orgulhoso, em que abundam os sábios soberbos, os espíritos fortes e críticos, que acham que dizer às práticas de piedade mais fundadas e mais sólidas. A fim de não lhes fornecer, sem necessidade, um pretexto de crítica, vale mais dizer-se “escravo de Jesus Cristo” do que “escravo de Maria” (Lembre-se o leitor do que foi dito sobre a idéia da escravidão na vida espiritual no comentário ao título antes do número 68). Assim denomina-se esta devoção mais de acordo com o caminho e meio para lá chegar, que é Maria. Apesar disso, podemos, na verdade, usar sem escrúpulos ambas as denominações, como eu mesmo faço. Por exemplo, um homem que vai de Orleães a Tours pelo caminho de Ambroise pode muito bem dizer que vai a Ambroise e para Tours; que é viajante para a Ambroise e para Tours. No entanto, a diferença é que Ambroise é apenas o caminho direto para ir a Tours, e que só Tours é o seu fim último e o termo da sua viagem.
246 – B. O principal mistério que se celebra e honra nesta devoção é o mistério da Encarnação, no qual se pode ver Jesus em Maria, encarnado no seu seio, Por isso vem mais a propósito dizer: “escravidão de Jesus em Maria”, de Jesus habitando e reinando em Maria, conforme a bela oração de tantos homens célebres: “Ó Jesus, que viveis em Maria, vinde e vivei em nós, no espírito da vossa santidade etc” ( Comentário: Uma célebre oração da “Escola Francesa”que, completa, reza assim “Ó Jesus que viveis em Maria, vinde e vivei em nós, vossos servos, no espírito da vossa santidade, na plenitude do vosso poder, na perfeição dos vossos caminhos, na verdade das vossas virtudes, na comunhão dos vossos mistérios. Dominai as forças inimigas com o vosso Espírito para a glória do Pai – Amém”.)
247 – C. Este modo de falar mostra mais claramente a íntima união que existe entre Jesus e Maria. Estão unidos tão intimamente que um está todo no outro: Jesus todo em Maria e Maria toda em Jesus. Ou antes, Ela já não existe: é Jesus que é tudo nela. Seria mais fácil separar a luz do sol que Maria de Jesus. Pelo que se pode chamar a Nosso Senhor, Jesus de Maria, e à Santíssima Virgem, Maria de Jesus.
248 – O tempo não permite deter-me aqui, para explicar as excelências e grandezas deste mistério de Jesus vivendo e reinando em Maria, ou da Encarnação do Verbo. Por isso contento-me com dizer, em duas palavras, que este é o primeiro dos mistérios de Jesus Cristo, o mais oculto, o mais elevado e o menos conhecido. Foi neste mistério que, de acordo com Maria, Jesus escolheu todos os eleitos, escondido no seu seio que, por isso, é chamado, pelos santos, “aula sacramentorum – a sala dos segredos divinos” (S. Ambrósio: De Instit. Virg. Cap. 7, nº 50). Foi neste mistério que Jesus operou todos os mistérios que depois se seguiram na sua vida, pela aceitação que deles fez. “Jesus ungrediens mundum dicit: Ecce venio ut faciam, Deus, voluntatem tuam – Jesus, entrando no mundo, disse: Eis que venho para fazer a tua vontade, ó Deus” (Cfr. Heb. 10, 5-9). Por conseguinte este mistério é um resumo de todos os outros; encerra a vontade e a graça de todos. Finalmente é o trono da misericórdia, da liberdade e da glória de Deus… / Trono da sua misericórdia para nós; porque como só por Maria nós podemos aproximar de Jesus, só por meio dela o podemos ver e lhe podemos falar (Veja o comentário ao número 83). Jesus, que atende sempre a sua querida Mãe, concede neste mistério a sua graça e misericórdia aos pobres pecadores. “Adeamos ergo cum fiducia ad thronum gratiae – Vamos, pois, com confiança ao trono da graça” (Cfr. Heb. 4,16)… / É ainda o trono da sua liberdade para com Maria. Porque, enquanto o Novo Adão permaneceu neste verdadeiro paraíso terrestre, operou tantas maravilhas escondidas, que nem os anjos nem os homens as podem compreender. É por isso que os santos chamam a Maria “a magnificência de Deus – magnificentia Dei” como se “Deus só em Maria fosse magnífico – Solummodo ibi magnificus Dominus” (Cfr. Is. 33,21)… / É também o trono da sua glória para o Pai celeste, porque foi em Maria que Jesus Cristo aplacou perfeitamente seu Pai, irritado com os homens. Foi nela que Jesus reparou cabalmente a glória que o pecado lhe tinha roubado. No sacrifício que fez da sua vontade e de si mesmo, Jesus deu mais glória a Deus do que jamais lhe teriam dado todos os sacrifícios da Antiga Lei. Enfim, foi em Maria que Jesus deu ao Pai uma glória infinita, que Este nunca recebera ainda do homem.

249 – 5 – A Ave Maria e o rosário.
Quinta prática.
Terão muita devoção em rezar a Ave Maria, ou Saudação Angélica. Poucos cristãos, embora esclarecidos, conhecem o valor, o mérito, a excelência e a necessidade desta oração. Foi preciso que a Santíssima Virgem aparecesse repetidas vezes a grandes santos muito esclarecidos, como São Domingos, São João Capistrano, o Bem-aventurado Alano da Rocha, para lhes mostrar o mérito desta oração. Compuseram grossos volumes sobre as maravilhas da sua eficácia na conversão das almas. Publicaram altamente e publicamente pregaram que, tendo a salvação do mundo começado pela Ave Maria, a salvação de cada alma em particular está ligada a esta oração. Foi esta oração que fez dar à terra seca e estéril o fruto de vida, e é esta mesma oração que, rezada com devoção, deve fazer germinar nas nossas almas a palavra de Deus, e fazer brotar o fruto de vida, que é Jesus Cristo. Disseram ainda que a Ave Maria é um celeste orvalho que rega a terra, isto é, a alma, para lhe fazer produzir fruto a seu tempo. E a alma que não for regada por esta oração ou orvalho celeste não dará fruto, mas apenas silvas e espinhos, não estando longe de ser amaldiçoada (Cfr. Heb. 6,8).
250 – Eis o que a santíssima virgem revelou ao Bem-aventurado Alano da Rocha, conforme é referido no seu livro “De dignitate Rosarii”, e depois citado por Cartagena. “Fica sabendo, meu filho, e fá-lo saber a todos, que um sinal provável e próximo de condenação eterna é ter aversão, tibieza e negligência em rezar a Saudação Angélica, que salvou todo mundo. – Scias enim et secure intelligas et inde late omnibus patefacias, quod videlicet signum probabile este t propinquum aeternae salutationem angelicam, totius mundi reparationem” Lib, de Dignit. Cap. 2. Palavras tão consoladoras quão terríveis, que dificilmente se acreditariam se não tivéssemos esse santo por garantia e, antes dele, São Domingos e depois muitos grandes personagens que se lhes seguiram, com a experiência de muitos séculos. Efetivamente sempre se verificou que os que trazem o sinal da condenação, como todos os hereges (Leia o comentário ao número 30), os ímpios, os orgulhosos e os mundanos odeiam e desprezam a Ave Maria nem o terço. Têm-lhes horror; preferiam trazer consigo uma serpente a um terço. Os orgulhosos, embora católicos, como têm as mesmas inclinações que seu pai Lúcifer, também desprezam ou votam indiferença à Ave Maria, considerando o terço como uma devoção para mulherzinhas, própria para os ignorantes e analfabetos. Pelo contrário, a experiência tem mostrado que aqueles e aquelas que apresentam grandes sinais de predestinação, amam, saboreiam e rezam com prazer a Ave Maria, e que quanto mais são de Deus, mais gostam desta oração. Foi o que a Santíssima Virgem ao bem-aventurado Alano depois das palavras que acabo de citar.
251 – Não sei como isto se faz nem por quê, mas não deixa de ser uma realidade: não tenho melhor segredo para conhecer se uma pessoa é de Deus, do que ver se ela gosta de rezar a Ave Maria e o terço. E digo: gosta porque pode acontecer que uma pessoa esteja na impossibilidade natural ou mesmo sobrenatural de a rezar, mas sempre gosta e inspira-a aos outros.
252 – Almas predestinadas, escravas de Jesus em Maria, ficai sabendo que a Ave Maria é a mais bela de todas as orações, depois do Pai Nosso. É a saudação mais perfeita que podemos dirigir a Maria, porque é a que o Altíssimo lhe transmitiu por um Arcanjo, a fim de lhe ganhar o coração. E foi tão poderosa, pelos encantos secretos de que está cheia, que Maria consentiu na Encarnação do Verbo, apesar da sua profunda humildade. Será também por meio desta saudação que lhe ganharemos infalivelmente o coração, se a dissemos como convém.
253 – A Ave Maria bem rezada, isto é, com atenção, com devoção e modéstia, é, segundo os santos, a adversária que põe o demônio em fuga, e o martelo que o esmaga. É a santificação da alma, a alegria dos anjos, a melodia dos predestinados, o Cântico do Novo Testamento, o gozo de Maria e a glória da Santíssima Trindade. A Ave Maria é um orvalho do céu, que torna fecunda; é um beijo puro e amoroso que se dá a Maria. É uma rosa vermelha que se lhe apresenta, uma pérola preciosa que se lhe oferece, e um pouco de ambrósia e de néctar divino que se lhe apresenta. Todas estas comparações são dos santos.
254 – Peço-te instantemente, pelo amor que te tenho em Jesus e Maria, que não te contentes com rezar a coroinha de Nossa Senhora, mas que rezes o terço cada dia, e mesmo, se tiveres tempo, o rosário quotidiano. Se o fizeres, bendirás na hora da morte o dia e o momento em que me acreditaste. Depois de teres semeado nas bênçãos eternas no céu: “oui seminat in benedictionibus, de benedictionibus et metet – Aquele que semeia nas bênçãos, bênçãos recolherá também” (2 Cor. 9,6).

255 – O Magnificat.
Sexta prática.
Para agradecer a Deus as graças que concedeu à Santíssima Virgem, as almas escondidas dirão muitas vezes o Magnificat, a exemplo da Bem-aventurada Maria de Oignies e de vários outros santos. É a única oração e a única composição da Santíssima Virgem, ou antes, que Jesus compôs nela porque Ele falava pela boca de Maria. Este é o maior sacrifício de louvor que Deus recebeu na lei da graça. Por outro lado, é o mais humilde e reconhecido, por outro, o mais sublime e elevado de todos os cânticos. Há nele mistérios tão grande e escondidos que os anjos os ignoram. Gerson, doutor muito piedoso e sábio, gastou uma parte da vida a compor tratado plenos de erudição e piedade, sobre os mais difíceis temas. Mas foi só depois, no fim da vida, que empreendeu, a tremer, explicar o magnificat, para assim coroar todas as suas obras. Diz-nos num volume infólio, que sobre ele compôs coisas admiráveis sobre o belo e divino Cântico. Entre outras coisas diz que a própria Santíssima Virgem o recitava muitas vezes particularmente depois da Sagrada Comunhão, em ação de graças. O erudito Benzônio, explicando também o Magnificat, conta muitos milagres operados pela sua virtude. Diz que os demônios tremem e se põem em fuga, quando ouvem as palavras: “Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis sui – Manifestou o poder do seu braço e confundiu os soberbos nos pensamentos de seus corações” (Luc. 1,51).

256 – O desprezo do mundo.
Sétima prática.
Os fiéis de Maria devem desprezar, odiar e fugir muito do mundo corrupto (Comentário:Não devemos ter uma idéia demasiado simplista do “mundo corrupto”. O mundo só é mau enquanto é egoísta e não devotado a Deus e ao seu serviço caritativo do próximo. Por isso é possível encontrar o “mundo corrupto” nas ações aparentemente mais santas, por serem realizadas com motivos egoístas. Do mesmo modo devemos chamar santas as ações aparentemente muito “deste mundo”, desde que se procure realiza-las para cumprir a vontade divina e para servir o próximo), e servir-se das práticas de desprezo do mundo, que indicamos na primeira parte (Esta parte perdeu-se).

257 - § 2º - Práticas interiores.
As práticas exteriores desta devoção, que acabo de referir, não devem omitir-se por negligência ou desprezo, na medida em que o estado e a condição de cada um o permite. Mas além destas práticas exteriores há ainda práticas interiores, muito santificantes para aqueles que o Espírito Santo chama a uma alta perfeição.
Consistem, numa palavra, EM FAZER TODAS AS AÇÕES POR MARIA, COM MARIA, EM MARIA E PARA MARIA, a fim de mais perfeitamente as fazer POR JESUS CRISTO, EM JESUS E PARA JESUS.

258 – 1º - Fazer tudo por Maria.
Primeira prática.
É preciso fazer todas as ações por Maria, o que equivale a dizer que devemos obedecer em tudo à Santíssima Virgem, e conduzir-nos em tudo pelo seu espírito, que é o Espírito Santo de Deus. “Aquele que são conduzidos pelo Espírito Santo de Deus, são filhos de Deus – Qui Spiritu Dei aguntur, ii sunt filii Dei” (Rom. 8, 14). Aqueles que são conduzidos pelo espírito de Maria, são filhos de Maria e, por conseguinte, filhos de Deus como já mostramos (Veja o número 30). Entre tantos devotos da Santíssima Virgem, devotos verdadeiros e fiéis, são só aqueles que se deixam conduzir pelo seu espírito. Disse que o espírito de Maria era o Espírito Santo de Deus, porque Ela nuca se conduziu pelo seu próprio espírito, mas sempre pelo de Deus. Este de tal modo tomou posse dela, que passou a ser o seu próprio espírito. É por isso que Santo Ambrósio diz: “Sit in singulis etc. – Que a alma de Maria esteja em cada um para glorificar o Senhor; que o espírito de Maria esteja em cada um para se alegrar em Deus”(Veja o número 217). Como é feliz a alma quando – a exemplo dum irmão jesuíta, chamado Rodrigues e falecido em odor de santidade (Canonizado por Leão XIII, a 15 de Janeiro de 1888), - ela é toda governada e possuída pelo espírito de Maria. O espírito de Maria é um espírito suave e forte, zeloso e prudente, humilde, corajoso, puro e fecundo!
259 – A fim de que uma alma se deixe conduzir por este espírito de Maria, é preciso: 1º - Renunciar ao seu próprio espírito, às suas próprias luzes e vontades antes de fazer alguma coisa, p.e. antes de fazer oração, de celebrar ou assistir à Santa Missa, antes de comungar etc… Porque as trevas do nosso espírito próprio e a malícia da nossa vontade e obras poriam obstáculo ao santo espírito de Maria, se as seguíssemos, embora nos parecessem boas (Veja o comentário ao número 81)… / 2º - É preciso que nos entreguemos ao espírito de Maria, para sermos movidos e conduzidos do modo que Ela quiser. Temos de nos pôr, de nos abandonar nas mãos do artífice, como a cítara nas mãos dum bom tocador. Precisamos de nos perder e entregar a Ela, como uma pedra que se atira ao mar (Comentário: Não convém que nos imaginemos instrumentos mortos na mão de Deus ou de Maria. Temos a obrigação de trabalhar,, porque sem a nossa colaboração, Nossa Senhora não pode fazer nada. Veja o comentário ao número 146). Isto fazemo-lo nós muito simplesmente, num instante, por um olhar do espírito, um pequeno movimento da vontade, ou verbalmente, dizendo p.e.: “Renuncio a mim mesmo e dou-me a Vós, ó minha querida mãe!” Embora não se exprime doçura alguma sensível neste ato de união, ele não deixa de ser verdadeiro, assim como se alguém dissesse (o que Deus não permita): “Dou-me ao demônio”. Se o dissesse com sinceridade, embora sem qualquer mudança sensível, não seria menos realmente do demônio… / 3º - É preciso renovar este mesmo ato de oferecimento e de união, de tempos a tempos, durante a ação ou depois dela. Quanto mais o repetir (Comentário: A quantidade das repetições só terá algum proveito se procurarmos faze-las cada vez com mais amor. Nesse caso são verdadeiramente um meio poderoso de união com Deus e Maria) tanto mais depressa a alma se santificará a mais depressa chegará à união com Jesus Cristo, pois esta segue-se sempre à união com Maria, visto o espírito de Maria ser o de Jesus.

260 - 2º - Fazer tudo com Maria.
Segunda prática.
Devem fazer-se todas as ações com Maria. Para isso poremos em todas as ações os olhos nela, como no modelo acabado de toda a virtude e perfeição. É o modelo formado pelo Espírito Santo numa simples criatura, para nós o imitarmos, na medida das nossas limitadas forças. É preciso, portanto, que vejamos em cada ação como Maria a fez ou faria se estivesse no nosso lugar (Comentário: o conselho que São Luís Maria dá de ver “em cada ação como Maria a fez ou faria se estivesse em nosso lugar”, parece absurdo. Poderemos saber como Nossa Senhora fez qualquer coisa? E, se soubermos, a coisa aparentemente igual que o ideal da imitação de Cristo ou de Maria, não está na simples reprodução dum ato deles, mas em procurar viver a nossa união com Eles, em tudo o que fazemos, pensamos, dizemos, etc.. Por isso, parece-nos mais real o conselho que São Luís Maria dá logo a seguir: “Examinar e meditar as grandes virtudes que Ela praticou, embora julguemos indispensável acrescentar que, além da meditação e do exame, também deve haver esforços por se unir a essas virtudes para ser unidos à Fonte delas, Jesus Cristo). Devemos, para isso, examinar e meditar as grandes virtudes que Ela praticou durante a vida. São particularmente: - a sua fé viva pela qual acreditou, sem hesitar, na palavra do anjo. Acreditou fielmente, constantemente, até ao pé da cruz, no Calvário; - a sua profunda humildade, que a fez esconder-se, calar-se, submeter-se a tudo e pôr-se no último lugar; - a sua pureza divina que não teve nem jamais terá igual sob o céu e, numa palavra, todas as suas outras virtudes… / Lembremos-nos, torno a repetir (veja os números 219ss), que Maria é a grande, a única forma de Deus própria para formar imagens de Deus, facilmente e em pouco tempo. Uma alma que achou deveras esta forma e nela se perdeu, em breve se transformará em Jesus Cristo, que este molde representa ao natural.

261 – 3º Fazer tudo em Maria.
Terceira prática.
É preciso fazer todas as ações em Maria (Comentário: o aspecto da nossa convivência com a Santíssima Virgem, expresso por “fazer tudo em Maria”, refere-se ao auge da intimidade desse contato vivo. Não se trata tanto de atos concretos, mais sim da disposição pela qual nos pomos e queremos ficar conscientemente sob a influência vivificadora de Maria. É um estado místico. É por isso que não encontramos nestes números conselhos ascéticos, mas, sim, uma descrição simbólica deste estado. As atividades enumeradas (Veja o número 264) aconselham algo diferente da atividade ascética: “ficar lá com complascência, desça e perder-se sem reservas”. O simbolismo é a linguagem própria da literatura mística. Escusado é dizer que, neste simbolismo, palavras como “seio de Maria”, perdem o seu sentido literal). Para bem compreender esta prática, é preciso saber que a Santíssima Virgem é o verdadeiro paraíso terrestre do Novo Adão, e que o antigo paraíso não era mais que a sua imagem. Pois há neste paraíso terrestre riquezas, belezas, raridades e doçuras inexplicáveis, que o Novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou. Foi neste paraíso que Ele achou as suas delícias durante nove meses, que operou as suas maravilhas e ostentou as suas riquezas com a magnificência dum Deus. Este lugar santo só possui terra virgem imaculada. Desta foi formado e se alimentou o Novo Adão, sem qualquer nódoa ou mancha, pela operação do Espírito Santo que aí habita. É neste paraíso terrestre que está verdadeiramente a árvore da vida, que deu Jesus Cristo, o fruto da vida; a árvore da ciência do bem e do mal que deu a luz ao mundo. Há neste lugar divino árvores plantadas pela mão de Deus e regadas com a sua unção divina, que produziram e produzem frutos ainda, cada dia frutos de um sabor divino. Há canteiros esmaltados de belas e variadas flores de virtudes, exalando aroma que perfuma os próprios anjos. Há neste lugar prados verdes de esperança, torres inexpugnáveis de força, casas encantadoras de confiança etc.. Só o Espírito Santo pode dar a conhecer a verdade escondida sob estas imagens de coisas materiais. Há neste local um ar puro, não viciado, todo pureza. Há um belo dia sem noite da humanidade santa; um sol sem travas da divindade. Há uma fornalha ardente e contínua de caridade, que abrasa e muda em ouro todo o ferro que nela é lançado. Há um rio de humildade, que brota da terra, e, dividindo-se em quatro braços, banha este lugar encantado: são as quatro virtudes cardeais.
262 – O Espírito Santo, pela boca dos santos Padres, chama à Santíssima Virgem: - a porta oriental, por onde o grande sacerdote Jesus Cristo entra e sai do mundo. Entrou por ela a primeira vez, e por ela virá a segunda vez; - o santuário da dignidade, o repouso da Trindade Santíssima, o trono de Deus, a cidade de Deus, o altar, o templo, o mundo de Deus. Todos estes diferentes epítetos e louvores são muito verdadeiros, atendendo às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo operou em Maria. Oh, que riquezas, que glória, que prazer, que felicidade poder entrar e permanecer em Maria, em quem o Altíssimo colocou o trono da sua suprema glória!
263 – Mas como é difícil, a pecadores como nós, obter permissão e ter capacidade e luz para entrar neste lugar. Pois é tão alto e tão santo que é guardado, não por um querubim, como o antigo paraíso, mas pelo próprio Espírito Santo, que se tornou seu Senhor absoluto. Por isso Ele diz a respeito de Maria: “Hortus conclusus sóror mea sponsa, hortus conclusus, fons signatus – Tu és um jardim fechado, ó minha irmã e esposa, tu és um jardim fechado e uma fonte selada” (Cfr. Cânt 4,12). Maria está fechada e selada. Os miseráveis filhos de Adão e Eva, expulsos do paraíso terrestre, não podem entrar neste, senão por uma graça particular do Espírito Santo, graça que devem merecer.
264 – Quando, pela fidelidade (Comentário: Que estas palavras não passem despercebidas ao leitor! É a chave que São Luís Maria nos coloca na mão para podermos entrar na intimidade com Maria, onde viveremos na intimidade com a Santíssima Trindade, nosso fim. A fidelidade à entrega total é que nos alcançará essa intimidade, como a fidelidade ao bem é sempre, aliás, a condição para adquirir de Deus favores especiais. A fidelidade deve-se alcançar com orações, com um desejo ardente, com esforços contínuos, apesar das múltiplas deficiências que a nossa fraqueza admitirá. Se o leitor ler este livro pela segunda vez, preste então especial atenção às exortações à fidelidade!), se obteve esta insigne graça, é preciso permanecer no interior de Maria, todo cheio de beleza. É preciso ficar lá com complacência, descansar em paz, apoiar-se confiadamente, esconder-se com segurança e perder-se sem reservas. O resultado será que, neste seio virginal; - a alma será alimentada pelo leite da sua graça e da sua misericórdia materna; - a alma será libertada das suas perturbações, temores e escrúpulos; - a alma estará em segurança contra todos os seus inimigos: o demônio, o mundo e o pecado que nunca nela entraram. Por isso Maria diz que “os que nela operam, não pecarão – qui oprantur in me, non peccabunt” (Cfr.Ecli. 24,30). Isto é, como dizem os santos Padres, a sala dos sacramentos divinos onde Jesus Cristo e todos os eleitos foram formados: “Homo et homo natus est in ea – Um homem e um homem nasceu dela” (Veja o número 32).

265 - 4º - Fazer tudo para Maria.
Quarta prática.
Devemos finalmente, fazer todas as ações para Maria. Pois, visto que nos entregamos totalmente ao seu serviço, é justo que façamos tudo por Ela, como um criado, um servo, um escravo. Não que a tomemos como fim último dos nossos serviços, pois só Jesus Cristo o é. Mas tomamo-la como fim próximo, como meio misterioso e fácil para ir a Ele. Como bons servos e escravos, não devemos ficar ociosos, mas é preciso que, apoiados na sua proteção, empreendamos e realizemos grandes coisas para esta augusta Soberana. É preciso defender os seus privilégios, quando lhos disputam e sustentar a sua glória, quando a atacam… / É preciso atrair todo o mundo, se for possível, ao seu serviço, e a esta verdadeira e sólida devoção. É preciso falar e clamar contra os que abusam da sua devoção para ultrajar seu filho e, ao mesmo tempo, estabelecer esta verdadeira devoção. É preciso pretender apenas, como recompensa destes pequenos serviços, a honra de pertencer a tão amável Princesa, a felicidade de sermos por Ela unidos a Jesus, seu Filho, com um laço indissolúvel, no tempo e na eternidade.
Glória a Jesus em Maria!
Glória a Maria em Jesus!
Glória a Deus Só!

EXCURSO
MODO DE PRATICAR ESTA DEVOÇÃO NA SAGRADA COMUNHÃO (Este método foi anunciado no número 231)
266 - Antes da Comunhão.
1º - Humilhar-te-ás profundamente diante de Deus.
2º - Renunciarás ao teu fundo corrompido e às tuas disposições, embora o teu amor próprio as faça parecer boas (Veja o comentário ao número 81).
3º - Renovarás a tua consagração dizendo: “Tuus totus ego sum, et omnia mea tua sunt – Sou todo vosso, querida Mãe, com tudo o que tenho”.
4º - Suplicarás a esta boa Mãe que te empreste o seu coração, para nele receberes seu Filho com as disposições dela.
Dir-lhe-ás que a glória de seu Filho exige que não seja recebido num coração tão manchado como o teu e tão inconstante que não tardará a privá-lo da sua glória ou a perdê-lo. Mas, se Ela quiser vir habitar no teu coração para receber seu Filho, poderá fazê-lo pelo domínio que tem sobre os corações. E seu Filho será assim bem recebido, sem mancha e sem perigo de ser ultrajado, ou perdido. “Deus in médio ejus non commovebitur – Deus não sofrerá nada dentro dela” (Cfr. Sal.45,6). Dir-lhe-ás confiadamente que tudo o que lhe ofereceste dos teus bens, é bem pouca coisa para a honrar. Mas dir-lhe-ás que queres dar-lhe, pela Santa Comunhão, o mesmo presente que o eterno Pai lhe deu, e que, deste modo, Ela será mais honrada do que se lhe oferecesses todos os bens do mundo. Finalmente podes dizer-lhe que Jesus a ama muito particularmente e que ainda quer ter nela as suas complacências e o seu repouso, ainda que agora seja na tua alma mais suja e pobre que o estábulo onde Jesus não pôs dificuldades em vir, porque Ela lá se encontrava. Pedir-lhes-ás o seu coração com estas ternas palavras: “Accipio te in mea omnia. Praeb mihi cor tuum, o Maria! – Tomo-vos como toda a minha riqueza; dai-me o vosso coração, ó Maria!”
267 – Na Comunhão.
Quando estiveres para receber Jesus Cristo, depois do “Pater Noster” (O Pai Nosso da missa), dirás três vezes: “Domine, non sum dignus etc. – Senhor, eu não sou digno etc”.
A primeira vez será para dizer ao eterno Pai, que não és digno de receber seu Filho unigênito por causa dos teus maus pensamentos e ingratidões para com um Pai tão bom. Mas eis que Maria, a serva do Senhor (Ecce ancilla Domini) está contigo, representa-te e dá-te uma confiança e esperança singular junto da divina Majestade. “Quoniam singulariter in spe constituisti me – Porque me deste uma esperança singular” (Cfr. Sal. 4,10).
268 – A segunda vez dirás ao Filho: ”Domine non sum dignus etc.”(Senhor, eu sou digno..). Dir-lhes-ás que não és digno de o receber por causa das tuas inúteis e más palavras, por causa da tua infidelidade ao seu serviço! Entretanto, suplica-lhe que tenha piedade de ti, porque o introduzirás na casa da sua próxima Mãe e da tua. Diz-lhe que não o deixarás partir sem que venha morar em casa dela… / “Tenui eum, nec dimittam, donec introducam illum in domum matris meae et in cubiculum genitricis meae – Detive-o e não deixarei até o introduzir na casa de minha Mãe e no quarto daquela que me gerou” (Cfr.Cânt.3,4) . Pedir-lhe-ás que se erga e venha descansar no lugar do seu repouso, na arca da sua santificação: “Surge, Domine, in réquiem tuam, tu et arca sanstificationis tuae” (Cfr.Sal.131,8). Dir-lhe-ás que não pões nenhuma confiança nos teus méritos, nas tuas forças e preparação como Esaú, mas nas de Maria, tua querida mãe, como o jovem Jacó nos cuidados de Rebeca. Embora pecador e Esaú ousas aproximar-te da sua santidade apoiado e revestido dos méritos e virtudes de sua santa Mãe.
269 – A terceira vez dirás ao Espírito Santo: “Domine non sum dignus etc.”. Dir-lhe-ás que não és digno de receber a obra prima da sua caridade, por causa da tibieza e iniqüidade das tuas ações a das tuas resistências às suas inspirações, mas que toda a tua confiança está em Maria, sua fiel esposa. E dirás com São Bernardo: “haec maxima mea fidúcia est; haec tota ratio spei meae – Ela é a minha grande confiança, é toda a razão da minha esperança”. Podes mesmo pedir-lhe que venha mais uma vez a Maria, sua indissolúvel esposa. O seu seio é tão puro e o seu coração tão abrasado como sempre, e sem que Ele desça à tua alma, nem Jesus, nem Maria lá serão formados nem dignamente instalados.
270 - Depois da Comunhão.
Depois da Santa Comunhão, estando interiormente recolhido com os olhos fechados, introduzirás Jesus Cristo no coração de Maria. Dá-lo-ás a sua Mãe, que o receberá amorosamente, o instalará dignamente, o adorará profundamente, o amará perfeitamente, o abrasará com amor e lhe prestará em espírito e verdade vários serviços que nós ignoramos nas nossas trevas espessas.
271 – Ou então conversar-te-ás profundamente humilhado no teu coração, na presença de Jesus, residindo em Maria. Ou convervar-te-ás como um escravo à porta do palácio do Rei, onde Ele está a falar com a Rainha. E, enquanto Eles falam, sem precisar de ti, irás em espírito ao céu e pela terra inteira pedir a todas as criaturas que agradeçam, adorem e amem Jesus em Maria, por ti. “Venite, adoremus, venite etc. – Vinde, adoremos, vinde!”.
272 – Ou então tu mesmo pedirás a Jesus em união com Maria, a vinda do seu reino sobre a terra por intermédio de sua santa Mãe. Ou pedirás a sabedoria divina, ou o amor divino ou o perdão dos teus pecados, ou qualquer outra graça, mas sempre por Maria e em Maria. Então dirás, cosiderando-te com desconfiança: “Ne respicias, Domine, peccata mea; sed oculi tui videant aequitates Mariae – Senhor, não olheis para os meus pecados, mas que os vossos olhos só vejam em mim as virtudes e os méritos de Maria”. E, recordando os teus pecados, acrescenta: “Inimicus homo hoc fecit – Foi o inimigo com que tenho de lutar, e fui eu que fiz estes pecados. Ou então: Ab homine iníquo et doloso erue me”, - ou ainda: “Te oportet crescere, me autem minui – Livrai-me, Senhor, do homem injusto e enganador; meu Jesus, é necessário que cresçais na minha alma e que eu diminua”. “Maria, é necessário que cresçais em mim, e que eu seja mais pequeno que nunca”. “Crescite et multiplicamini” – Ó Jesus e Maria, crescei em mim, e multiplicai-vos fora de mim nos outros.
273 – Há uma infinidade de pensamentos que o Espírito Santo fornece e te fornecerá, se fores interior, mortificado e fiel a esta grande e sublime devoção que acabo de te ensinar. Mas recorda-te de que quanto mais deixares agir Maria na tua Comunhão, mais Jesus será glorificado. E deixarás agir tanto mais Maria por Jesus e Jesus em Maria, quanto mais profundamente te humilhares e os escutares em paz e silêncio, sem procurar ver, gostar ou sentir. Pois o justo vive em toda a parte da fé (Justus meus ex fide vivit) (Veja o fim do número 109), e particularmente na Sagrada Comunhão que é um ato de fé.

- FIM DO TRATADO -
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MAGNIFICAT. Tradução direta do Latim:
Ant. “Quem é esta que avança como a aurora, formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército em ordem de batalha?”
- Minha alma engrandece ao Senhor. / E meu espírito se transporta em santa alegria em Deus meu salvador.
= Porque pôs os olhos em sua humilde escrava; / por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada.
- Grandes maravilhas obrou comigo o onipotente, cujo nome é santo.
= Cuja misericórdia se estende de geração em geração / em todos os que o temem.
- Assim ostenta o poder de seu braço, / transtorna os desígnios dos soberbos.
= Derruba os poderosos do seu assento, / e exalta os humildes.
- Enche de bens os necessitados / e os ricos deixa vazios.
= Decretou exaltar Israel seu povo, / lembrando-se de sua misericórdia.
- Para cumprir a promessa que fez aos nossos pais, Abraão e a todos os seus descendentes.
= Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, / como era no princípio, agora e sempre. Amém.
Ant. “Quem é esta que avança como a aurora, formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército em ordem de batalha?”

COROINHA DE NOSSA SENHORA, segundo o método de São Luís Maria de Montfort. Tradução direta do Latim. Reza diária:
V. Concedei-nos que Vos louve, Virgem Santíssima. / R. Dai-me valor contra os vossos inimigos.
Creio em Deus Pai Todo-Poderoso…
Coroa de Excelência:
Pai Nosso. Ave Maria.
1 – Sois Bem-aventurada, Virgem Maria, que levastes em vosso seio o Senhor, Criador do mundo; destes à luz a Quem Vos formou, e soisVirgem perpétua.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
2 – Ó Santa e imaculada virgindade, não sei com que louvores Vos possa exaltar; pois quem os céus não puderam conter, Vós o levasstes em vosso seio.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
3 - Sois toda formosa, Virgem Maria, e não há mancha original em vós.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
4 - Possuís, ó Virgem Maria, tantos privilégios, quantas são as estrelas no céu.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Glória ao Pai.
Coroa de Poder:
Pai Nosso. Ave Maria.
5 - Glória a Vós, imperatriz do céu, conduzi-nos convosco aos gozos do paraíso.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria.
6 - Glória a Vós, tesoureira das graças do Senhor, dai-nos parte no vosso tesouro.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
7 - Glória a Vós, medianeira entre Deus e os homens, tornai-nos propício o Todo-poderoso.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
8 - Glória a Vós, que esmagais as heresias e o demônio: sede nossa guia piedosa.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Glória ao Pai.
Coroa de Bondade:
Pai Nosso. Ave Maria.
9 - Glória a Vós, refúgio dos pecadores; intercedei por nós junto do Senhor.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
10 - Glória a Vós, Mãe dos órfãos; fazei que nos seja propício o Pai Todo-Poderoso.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
11 - Glória a Vós, alegria dos justos; conduzi-nos convosco às alegrias do céu.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Ave Maria…
12 – Glória a Vós, nossa auxiliadora mui prestimosa na vida e na morte; conduzi-nos convosco para o reino do céu.
V. Alegrai-Vos, Virgem Maria. / R. Alegrai-Vos mil vezes. Glória ao Pai…
Oremos: Ave, Maria, Filha de Deus Pai; Ave, Maria, Mãe de Deus Filho; Ave, Maria, Esposa do Espírito Santo; Ave, Maria, templo da Santíssima Trindade; Ave, Maria, Senhora minha, meu bem, meu amor, Rainha do meu coração, Mãe, vida, doçura e esperança minha muito querida, meu coração e minha alma. Sou todo vosso, e tudo o que possuo é vosso, ó Virgem sobre todos bendita. Esteja, pois, a mim a vossa alma para engrandecer o Senhor; esteja em mim vosso espírito para rejubilar em Deus. Colocai-Vos, ó Virgem fiel, como selo sobre o meu coração, para que, em Vós e por Vós, seja eu achado fiel a Deus. Concedei, ó Mãe de misericórdia, que me encontre no número daqueles que amais, ensinais, guiais, sustentais e protegeis como filhos. Fazei que, por vosso amor, despreze todas as consolações da terra e aspire só as celestes; até que, para glória do Pai, Jesus Cristo, vosso Filho, seja formado em mim, pelo Espírito Santo, vosso Esposo fidelíssimo, e por Vós, sua fidelíssima Esposa. Assim seja.


Um comentário:

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